Marinho e Pinto ataca de novo

O Bastonário Marinho e Pinto, em entrevista à revista Focus, alinha mais umas ideias da sua idiossincrática forma de exercer opinião em público.

Focus- Os casos mais emblemáticos, como o Casa Pia, o Apito Dourado e a Operação Furacão, como é que os encaixa nessa realidade?

Marinho e Pinto- O Apito Dourado é folclore. Isso não tem nada de relevante. A Operação Furacão morreu na areia, como se costuma dizer. Para se combater a verdadeira corrupção em Portugal não se pode, estou convencido, atacá-la a partir do poder judicial.

Focus- Porquê?

Marinho e Pinto- Porque não é possível. Pela sua natureza, pelo poder, por muitos factores. Para se combater a corrupção são necessárias medidas políticas tomadas pelo povo em eleições. Recusar as pessoas e eleger pessoas capazes de denunciar a corrupção. Como é possível nenhuma obra pública ser paga pelo preço pelo qual foi adjudicada?
Arranja-se sempre maneira de meter lá mais uns pauzinhos. Tem de haver uma profunda reforma judicial.

Comentário: estou plenamente de acordo na essência destas declarações. O poder judicial, não combate eficazmente a corrupção e esta anda ligada ao exercício do poder político.

Focus- Qual é o problema da Justiça?

Marinho e Pinto- Há muitos privilégios na justiça, alguns ainda herdados da Idade Média. Quem vai a um tribunal tem de se dirigir a um juiz comos e fosse um servo.

A única formação que parece que têm é no sentido de preservar o poder. A justiça não pode continuar a ser um acto de poder, mas antes domo um acto de pacificação.

Se uma pessoa do tempo do Marquês de Pombal viesse agora a Coimbra, ao Porto, a Lisboa, caía para o lado com as mudanças, com a evolução, dos edifícios, das roupas, televisões e telemóveis. Porém, se entrasse num tribunal sentir-se-ia à vontade, porque praticamente nada mudou. Até as fórmulas de tratamento: digníssimo, ilustríssimo, venerando…Tudo é superlativamente oco, balofo, sem sntido e sem pertinência com as necessidades das pessoas e desligado da realidade.

Comentário: Marinho e Pinto, tem, notoriamente, um problema pessoal e intransmissível, com uma certa autoridade que presencia nos tribunais, exercida pelos magistrados. E isso nota-se, no discurso recorrente e algo vazio de sentido preciso, para além do incómodo com o ritual e o aparato ( o que diria se fosse como na Inglaterra, com as perucas? Ou nos EUA, com os martelinhos? ) .

Ao dizer que quem vai a um tribunal tem de dirigir-se ao juiz como se fosse um servo, está a mostrar uma realidade difusa e perceptível nas salas de audiência em que o juiz é a autoridade máxima. É vulgar, em modo relativo, que haja vilões escondidos atrás de becas. Como os haverá, atrás de togas ou capas. Sempre que têm acesso ao pau da autoridade judiciária, sem controlo imediato, revelam-se em todo o esplendor.

Muitas pessoas têm experiências pessoais, de juízes que berram com arguidos, como se fossem pessoas abaixo de cão; com testemunhas que não percebem o que se lhes diz; com outros intervenientes de julgamento, com quem lidam como se fossem pessoal auxiliar; que destratam subtil ou mesmo grosseiramente advogados, perante os clientes destes; que exercem a autoridade de modo quase caceteiro, em posição soberana e em abuso de função que fica sempre impune.

Poucos são os advogados que se encrespam perante juízes ou magistrados autoritários e prepotentes, mesmo quando têm inteira razão de causa ou até quando são humilhados, o que não é raro acontecer. Isso, só lhes traria dissabores e desgraças desnecessárias. E os advogados vivem uma profissão liberal, com clientes que aparecem no escritório, por causa disto ou daquilo. Se souberem que o advogado é um contendor de arena com os juízes, pensam duas vezes antes de entrar…

Por outro lado, não é por acaso que uma boa parte dos juízes, reivindica sempre e constantemente a função de soberania como se a beca fosse um adereço natural da personalidade que nunca despem, porque se lhes colou à pele. Depois de alguns anos de profissão, os juízes, na sua generalidade, habituam-se aos ademanes dos advogados e à permanente bajulice de muitos, em exercício constante de amostra de dentadura pepsodente, sem sequer se darem conta da suprema hipocrisia que os anima, porque subjacente ao gesto, está naturalmente, uma esperança de decisão do pleito, a seu favor.

Nenhum advogado, se atreve normalmente, a contestar um juiz em directo, e muito menos em público, do mesmo modo que este o contesta a si, muitas vezes sem dó nem piedade. Ponto. Só um estúpido ou um destemperado sem tento no bestunto, o faria. E porquê? Ora, é muito simples de entender e qualquer causídico o aprende, logo no estágio: um juiz decide as causas que os advogados defendem. Muitas delas não têm recurso possível, o que contradiz o discurso daqueles juízes que asseveram que têm sempre um controlo externo “das partes”. Algumas delas, mesmo com recurso, dependem de uma fixação de matéria de facto apurada que condiciona em grande parte o desfecho da acção. Um juiz, faccioso, parcial, ou simplesmente desonesto, sabe muito bem o que fazer para tramar uma acção. E alguns, - que não haja qualquer dúvida acerca disto- fazem-no, sem qualquer pejo. Por isto ou por aquilo. E quem lhe sente os efeitos, mormente os advogados, sabe que foi tramado, sente a injustiça, mas nada pode fazer. Está trancado na possibilidade de recurso ou fechado na eventualidade de arguição.

Será este, o retrato da magistratura portuguesa? Não, é bom que se diga. Mas é o retrato preciso de alguns magistrados, também é preciso dizer. E quem já o experimentou na pele, sabe-o muito bem. Por isso, é escusado vir para aqui atestar honras e honestidades. Há de tudo e felizmente, haverá mais do que é bom do que o que não presta. Mas aqui e agora, só se fala do que não presta e não há meio de o erradicar.

É este, a meu ver, o sentido profundo das palavras de Marinho e Pinto e que apesar de corajosas, ficam aquém do que tem e deve ser dito.

Que solução para este problema? Nenhuma, a breve trecho. As inspecções judiciais não funcionam, neste nível, e vários exemplos poderia aqui apresentar, bem concretos e precisos e que prefiro não adiantar, pelo menos por agora. Até que um certo CPM venha aqui comentar, se bem o entender.

Então, fica tudo na mesma? Não necessariamente. As palavras de Marinho e Pinto são apenas um alerta e um começo de uma verdadeira sindicância a certos comportamentos de abuso de posição dominante no exercício do poder judicial.

Mas, pensando melhor...não será este fenómeno extensível a outras situações em que há pessoas que dependem de outras para viver a vida de todos os dias, o melhor que podem e sabem? Já repararam como é quem um funcionário de uma Direcção- Geral trata o Senhor Director-Geral? E como é que um ministro se desfaz em sorrisos abertos e de circunstância sempre presente, quando encontra um primeiro-ministro, principalmente este? Até o Lino o faz...ora bolas!


PS. Na sua biografia, aparece por veze a menção de que Marinho e Pinto é "professor convidado da faculdade de Letras da Univ. Coimbra". Como isso? Aqui no site da faculdade de Letras, não vejo nada. Será para conferências? Pós-graduações, como fazem na faculdade de Direito, no âmbito de associações privadas sem escopo lucrativo, mas que funcionam nas instalações públicas, com pessoal das mesmas e em conúbio acertado por protocolo entre os lentes associados e os lentes da academia, que são frequentemente os mesmos?!

Esperemos que da próxima vez, Marinho e Pinto fale sobre as universidades. Sobre as faculdades de Direito, os professores, os seus modos de leccionar, as suas liberdades discricionárias nas avaliações, nos seus manuais que vendem aos alunos como livros únicos, etc etc. Pode começar pela de Coimbra, já agora. Suponho que nunca lhe ouviremos uma palavrinha sobre o assunto. Vai uma aposta? Dá mais rendimento publicitário atirar-se aos juízes...


ACRESCENTO, em 17.12.2007:

No local onde costuma versejar, descobri afinal uma resposta a este postal despretensioso, do interpelado CPM que rejeita o comentário directo para se refugiar num lugar seguro.
Escreve assim, o ilustre versejador de pé quebrado:

Como se viu ´inda há dias
Numa pública e dita Loja
Em que se devota aos juízes
Uma raiva que enoja

Pois bem, é mesmo aqui que leva a resposta, à sua elegante quadra ( com a rima estragada pelos dois versos entremeados, longos demais):

Aqui nesta Loja não há raiva aos juízes que o sabem ser, na respectiva função- nem a outros, aliás. Mas o respeito e apreço, vai sempre para aqueles que respeitam os direitos de todos os intervenientes processuais, a começar pela urbanidade no trato. E são muitos, porventura a maioria.
Mas há alguns outros, infelizmente que assim não procedem e foi relativamente a esses que o bastonário Marinho e Pinto se referiu- e bem.
Para já fica assim. Se continuar, virá o resto da argumentação, mais substancial, caro CPM. E lembre-se sempre que não há juízes que o possam ser em causa própria, como dever ser. Nunca se esqueça disso. Tal como os jornalistas, os juízes não estão habituados a ser criticados publicamente. Mas isso, só faz bem ao ego e à função, se for justo e adequado.

O que escrevi, está registado. Quem quiser conteste. É livre de o fazer e não pretendi ofender ninguém em particular e muito menos em colectivo. Tal como o Bastonário, também entendo que há motivos para críticas que raramente se fazem. E têm que se fazer, por muito que isso doa às susceptibilidades de quem não está habituado a tal.

Por último, fica aqui registado que tem sempre aqui o lugar para responder. Nos comentários ou por mail. Se o fizer deste modo, será publicada a resposta, sendo certo que isto vai continuar. Quer goste ou não.

Publicado por josé 19:02:00  

5 Comments:

  1. Gabriel Silva said...
    Gostei, parece-me um retrato muito real, parabéns.
    Luís Negroni said...
    Marinho e Pinto diz aquilo que quase toda a gente sabe, há muito tempo: Que os juízes, regra geral, são prepotentes e incompetentes para lá de todos os limites. E que o apito dourado é mero folclore.
    cadeiradopoder said...
    Luís Marinho é um pobre populista, que até venderia a própria mãe se isso lhe servisse os fins a que se propõe. É simplesmente do contra, e oco.
    Unknown said...
    António Marinho (há quem comente com tanta firmeza que até o nome troca...) é professor da Licenciatura em Jornalismo.

    Confirmar aqui:
    http://www1.ci.uc.pt/iej/instituicao/docentes.htm

    E é um grande homem; só assim se explica que tenha sido ELEITO bastonário dos advogados.
    zé-dos-bois said...
    António Marinho será um grande homem. Mas se o critério para o elevar à categoria for o ter sido eleito, então o R. Alves também o é, o Júdice também o é ... enfim, todos os bastonários da Ordem dos Advogados o são ou foram.
    Eventualmente, será sequela da grandeza de todos o espírito guerreiro que todos têm: o R. Alves instaurou processo ao Júdice, o Júdice diz mal do Marinho e do R.Alves, O Marinho atira-se ao Júdice ... e o mais que não sabemos nem nunca viremos a saber.
    Esta grandeza tem uma vantagem: dá a conhecer este pouco a que, quem não é dos meandros, nunca chegaria.

Post a Comment