Observatório 2008 - Edwards perdeu o comboio

A vida política tem, por vezes, destas ironias: John Edwards, 54 anos -- ex-senador pela Carolina do Sul, segundo classificado nas primárias do Partido Democrata em 2004, e candidato a vice-presidente (com John Kerry), nas eleições gerais do mesmo ano -- tinha tudo para ser uma escolha certa dos democratas. Mas é já um dado adquirido, a dois meses do início das primárias, que vai perder a corrida para 2008.

Bem preparado, com uma boa imagem em quase todos os sectores do eleitorado (tem uma taxa de rejeição muito mais baixa do que a super-favorita Hillary), Edwards seria, por certo, eleito presidente se conseguisse a investidura democrata. A questão é que, a menos que um meteorito caia nas campanha do partido do Elefante, não vai ser ele o nomeado.
Numa corrida que parece talhada a escolher um candidato inédito (muito provavelmente, uma mulher, Hillary, ou, em alternativa, um negro, Obama), John Edwards terá a vazia consolação de ser o melhor white-male entre os democratas. Isto é: se estas eleições tivessem tido os cânones de todas as anteriores em mais de 200 anos de história americana, por certo que os eleitores democratas teriam escolhido John Edwards - o melhor homem-branco entre os candidatos que se apresentaram.
O comboio da história passou, pois, ao lado de John Edwards. O que terá falhado? Quase nada. A política americana é mesmo assim. Raramente se mostra uma história com moral.
Há quatro anos, Edwards fez uma campanha pela positiva, sem atacar ninguém, puxando pelo «lado bom da América». O discurso pegou e juntou-se a uma imagem de um político «limpo», experiente mas com ar jovem e bem-parecido, e uma família recomendável.
A estratégia valeu-lhe o segundo lugar e teria tudo para que pudesse sair vencedora. Só não foi porque John Kerry foi somando vitórias inesperadas nos primeiros estados -- e acabou por angariar uma vantagem irreversível. Apesar de os estudos de preferências mostrarem Edwards melhor que Kerry, o então senador pela Carolina do Sul teve que se contentar com o posto de vice-presidente.
A derrota para Bush empurrou Kerry para o sótão da história, mas não matou as ambições de Edwards. No dia seguinte à reeleição do texano, Edwards anunciou que a sua mulher, Elisabeth Anania, também advogada, sofria de cancro da mama. Poucos imaginavam que tal informação seria tão relevante para uma nova candidatura à Casa Branca.
Sempre com 2008 no horizonte, Edwards começou a assumir-se como a alternativa mais sólida à então já esperada (e desejada) candidatura de Hillary Clinton. Mas não contaria, por certo, com o fenómeno Barack Obama, que dominou as atenções mediáticas do último ano.
Inesperadamente relegado para o terceiro lugar, tapado pelo excitante duelo, cedo criado e ampliado pelos media, entre Hillary Clinton e Barack Obama, John Edwards começou a sentir uma reprise de 2004 -- apesar de parecer ter tudo para ganhar, a vitória irá fugir-lhe de novo, escapando-lhe entre as mãos sem que, para tal, tenha cometido erros de monta.
Depois de um discurso muito ao centro em 2004, Edwards tem encostado à esquerda, insistindo nas teclas da exclusão e da luta contra a pobreza, bem como da causa ecológica. Tem, por isso, tirado alguns votos que seriam destinados a Obama, mas a verdade é que o esforço não lhe tem dado mais do que 10 a 15 por cento das intenções de voto. É pouco. Não chega.
Admirado (mas não amado, como acontece com Hillary e Obama, mais do estilo de criarem paixões) pelos democratas, respeitado pelos republicanos (muitos deles admitem votar nele em Novembro de 2008, se o candidato do GOP for Giuliani), a Edwards restará uma última esperança: que Hillary perca, inesperadamente, o duelo com Giuliani (ou Fred Thompson, ou McCain, ou Romney) em Novembro de 2008. Só isso o permitiria acalentar esperanças de ser o candidato democrata em 2012 (isto porque, como é óbvio, se Hillary for eleita presidente, será a candidata democrata em 2012, sem necessidade de primárias).
A Grande Loja termina, hoje, a ronda pelos principais candidatos democratas. Faremos, ainda em Novembro, um update do momento dos quatro republicanos com hipóteses de chegarem à nomeação, de modo a lançar, a partir de Dezembro, as primárias nos estados de arranque.

Publicado por André 00:13:00  

3 Comments:

  1. Maria, Flor de Lotus said...
    Olá,
    Como sempre, impõe-se realçar a qualidade do texto , a perspicácia da análise, o interesse do tema...
    No caso deste Senhor em concreto, não sei bem explicar, parece demasiadamente "fabricado" para ser perfeito.
    Tendo a preferir o humano que nem sempre acerta e o assume. Por isso se esforça cada dia para se superar, e sobretudo, aquele que verdadeiramente se preocupa com os outros, porque quem verdadeiramente queira servir uma comunidade, inventa-se todos os dias e recria competências...
    Um bj
    Maria
    Laoconte said...
    Sempre achei o John Edwards o melhor candidato para o lugar do próximo presidente. A poderosa máquina dos "media" está a fabricar, nesta fase, a Sra. Hillary como a melhor escolha e isto vai poder sair caro para todos os democratas por duas razões:
    - a imagem negativa duma América, onde filho sucede ao pai e esposa ao marido, isto até parece uma Democracia tipo "cosa nostra";
    - com Hillary como adversária, penso que o republicano Giuliani teria muito mais hipótese de vencer.
    Allexandre said...
    Ainda bem. Um gajo que tem acções de uma companhia de caça ao tesouro não deveria sequer ter direito de voto.

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