Bye bye, mr. Cravinho

Venha o tema “corrupção” para a discussão pública e é certo que o nome de João Cravinho saltará como um exemplo de político preocupado com o assunto, de modo a enquadrar o fenómeno no seu habitat natural: entre a classe política.

Cravinho foi deputado e como tal, escreveu dos artigos mais cáusticos contra a anomia reinante e apontou o sítio concreto onde o bicho se acoita: no seio do aparelho de Estado.

As propostas legislativas de Cravinho para estancar a sangria de custos éticos e políticos, foram apresentadas ao público e tiveram pouca repercussão entre os pares. Et pour cause?

Cravinho, indicado por este governo socialista, foi para Londres, para o BERD, numa fuga entendida publicamente como uma capitulação no combate, por dentro do sistema ,ao cancro que o corrói. No limite, foi mais uma vítima do mostrengo de mil caras e outras tantas máscaras.

A revista Visão de hoje, entrevista Cravinho, sobre esse e outros assuntos. No essencial, diz Cravinho:

os diplomas foram , de facto, debatidos nessa altura. Esgotei a minha missão, os meu poderes como deputado. Fui até ao limite do que podia. Após um processo longo e muitas discussões, formei uma ideia sobre as razões das divergências profundas – porque as havia e eram manifestas- entre mim e a direcção do grupo parlamentar em questõs fulcrais. A primeira tem a ver com um juízo político e ético sobre a situação da corrupção em Portugal e o seu efeito corrosivo sobre o funcionamento das instituições democráticas. Penso que é um fenómeno grave, extenso e sem mecanismos de contenção à altura.. Alguns dos meus camaradas não são nada dessa opinião. O presidente do grupo, Alberto Martins, disse que o fenómeno existia, mas que Portugal não estava numa situação particularmente gravosa. Pelo contrário, nas comparações internacionais estava muito bem. Fiquei de boca aberta. Nem rebati, porque um homem como Vera Jardim disse logo que, pelas informações que lhe chegavam de homens de negócios, a corrupção era grave e estava em crescendo. Mas também não estávamos de acordo sobre a natureza do fenómeno.
(…)
Prevaleceu no debate uma visão eminentemente policia da corrupção. A minha é que existe esse lado policial, que também é importante – e não podem acusar-me de o ignorar, porque pedi e fiz propostas orçamentais que, aliás, só foram aprovadas parcialmente, para reforço do combate policial e da investigação criminal. Depois, o PSD e o CDS pegaram nisso, mas estive bastante isolado. Só que a corrupção como fenómeno novo, associado à globalização, torna a concepção policial obsoleta. Um dos nossos grandes problemas é a corrupção de Estado, a apropriação de órgãos vitais de decisão ou da preparação da decisão por parte de lóbis. Embora, aparentemente, tudo se faça segundo a lei, com mais ou menos entorses. A corrupção, antes de ser um fenómeno do domínio policial, é um problema de risco, de sistema, a ser gerido e não reprimido como se fosse um conjunto de factos isolados. Deve ser objecto de uma responsabilização total a nível administrativo e político. E ficou evidente que esta ideia não era partilhada. Assim como o papel do Parlamente no controlo do combate á corrupção. “Um dos nossos grandes problemas é a corrupção de Estado, a apropriação de órgãos vitais de decisão ou da preparação da decisão por parte de lóbis.”

A frase, assim proferida, rebola como uma granada por despoletar. Visa atingir o quê e quem? Os lóbis, é uma expressão vaga, de significado equívoco.

Os escritórios de advogados do PS e respectivo bloco central, organizam-se como lóbis?

Estou a referir-me em concreto aos escritórios de pessoas conhecidas, do próprio PS e de figuras gradas, ou do PSD e de bloco central. Há vários e para gosto variado, pelo que seria injusto para uns não os citar aqui, com outros que merecem igual citação. Assim, não cito nenhum. Toda a gente os conhece, porque estão sempre a aparecer e têm os seus deputados de estimação que podem acumular tarefas e trabalho em part-time, ou subrogado em substitutos legais, na Assembleia.

São esses que João Cravinho pretende atingir? Que o diga!

No caso de um dos escritórios mais conhecidos, a PLMJ, de Júdice, já se sabe que um dos sócios de capital, o fiscalista catedrático Mota de Campos, carrasco de Saldanha Sanches , já afirmou publicamente que não conhecia nenhum caso de corrupção. Ora, é exactamente isso que Cravinho diz: o problema é não haver corrupção como caso de polícia, mas sim ético-político. É aí que entronca a discussão cívica que não se faz, ou se renega.

Serão também esses lóbis que indica genericamente, as grandes empresas de construção civil, como a Somague e a Mota & Companhia e outras e os grupos que gravitam à volta dos seus negócios?

A REFER, outras empresas públicas e ainda as empresas de saneamento das autarquias, por exemplo, nadam neste pântano denunciado por Cravinho? E quem é que mergulha de alto nesse lodo?

Um caso como a da Bragaparques, em que há acusações oficiais e concretas de corrupção, é diferenciado deste tipo de fenómeno ou é farinha do mesmo saco?

E em que se configura exactamente aquele fenómeno apontado como sendo das franjas da corrupção que assim nem é considerada, porque foge à previsão legal?

Uma coisa ficamos a saber pela certa: é o PS deste grupo liderado por Alberto Martins que se recusa a aceitar a discussão nos termos propostos. Não querem. Acham que não há corrupção em Portugal que possa fazer perigar a estatística internacional e a boa imagem que temos de ficarmos quase no primeiro quarto dos 100 países mais corruptos, com tendência para aumentar exponencialmente. Contentam-se com essa mediocridade, por razões inconfessáveis, mas fáceis de adivinhar: o país é pobre e muitos não têm emprego compatível com o trem de vida. Aliás, quem é que paga em Portugal, mais de 5 mil euros por mês a licenciados de meia tijela que passaram toda a vida nas sedes partidárias e nada mais sabem fazer, se não à sombra do Estado protector, deles e dos seus?

Cravinho não responde agora e nem se aproxima de uma resposta que em tempos deu numa entrevista notável ao Público, em 5 de Dezembro de 2006, na qual dizia que a corrupção era um problema de sistema que vicejava "entre grupos, de certos sectores da administração".
Que grupos de que administração? São as autoestradas mais caras, talvez a saúde mais cara, as casas mais caras, tudo."

Nessa entrevista, Cravinho aproximou-se tanto do mostrengo que só tinha um destino à porta: o da chupeta internacional, no BERD ou noutro sítio onde se amamentam desiludidos.

A desilusão agora é tanta que perante a pergunta do repórter Visão ( Emília Caetano, em Londres), sobre o caso da licenciatura de José Sócrates, Cravinho nada melhor teve para responder do que isto:
Depois da investigação da PGR, o assunto está esclarecido”.
Pois está. Eticamente coerente, ficamos assim todos esclarecidos quanto ao realismo do combate de Cravinho e com a espinha encravada daquilo que podia ser o vislumbre de uma saída airosa e a tempo deste pântano em que meteram a vida colectiva deste pobre país.

Bye, bye, mr. Cravinho. You´re deceiving us all. E desculpe o tecnicismo do inglês...

Publicado por josé 15:51:00  

3 Comments:

  1. Zé Luís said...
    Profunda análise à análise. Um cravinho no caixão do defunto.
    Cheira mal.
    João Melo said...
    este pais está podre josé . vou ver se emigro desta merda q já estou farto desta choldra!
    CCz said...
    Realmente ficamos esclarecidos... é só nevoeiro. Faz lembrar uma lengalenga de infância: vestido e não vestido; contente e triste; doce e salgado;...

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