A anarquia sem tomates
domingo, outubro 28, 2007
O Público de hoje, celebra uma efeméride curiosa, em duas páginas com quatro colunas de texto, na secção P2. O artigo, assinado por Vítor Belanciano, assegura que os Sex Pistols, “há trinta anos desafiaram o mundo”.
Numa sequência de referências estereotipadas, escreve a dado passo que “ A utopia hippie finava-se. Os ideiais contraculturais eram a nova norma.” Assim mesmo, apesar de um pouco mais à frente, escrever que “os Sex Pistols foram uma criação do se polémico manager, Malcolm Maclaren” o qual depois de uma viagem a Nova Iorque “percebeu que a música e a atitude punk, tinham tudo para vingar em Londres, onde abrira uma loja de roupa chamada Sex.” É esta a noção de contracultura que nos é dado a entender, como cultivada pelo manager dos Pistols que os criou do nada dos clubes.
O problema destes artigos sobre música, no Público, à semelhança de outros, é o tom oco e a soar a falso, dos factos que relatam e dos elementos informativos que apresentam. Hoje em dia, qualquer consulta online a seguir a uma busca aleatória no Google nos traz uma miríade de referências que podemos pedir emprestadas sem dizer a ninguém.
Não quer dizer que seja esse o caso, agora; quer apenas dizer que é perfeitamente redundante e quase inútil, reproduzir numa letra de jornal impresso, ideias emprestadas em livros e revistas, quando as temos à mão de semear, na Rede que nos fornece informação a rodos.
O problema deste artigo do Público, à semelhança de tantos outros, é a ausência de perspectiva diacrónica, de referência ao tempo real em que os factos ocorreram, no lugar do fenómeno e no lugar daqui, de quem o observou, se foi esse o caso.
Portugal, em 1977, vivia em grave crise económica, com desvalorizações acentuadas do escudo e com preocupações de ordem económica aceleradas. A Espanha, aqui ao lado, saía nessa altura do seu período negro de ditadura franquista e convivia democraticamente com partidos rivais, da direita e da esquerda de um modo que por cá nem sonhávamos sequer. A Espanha, aliás, tinha nessa altura um rendimento per capita de 3000 dólares enquanto por cá ainda nos arrastávamos pela metade – e não melhoramos muito em trinta anos.
Porém, tínhamos notícias do Punk e das editoras independentes que na Inglaterra lhe davam expressão activa e dinâmica. No entanto, se o quiséssemos comprovar teríamos de ler a imprensa estrangeira, nomeadamente os jornais musicais ingleses, o Melody Maker e o New Musical Express que passaram então pela sua melhor fase de sempre.
Por cá, a revista Música & Som, pouca importância deu ao fenómeno e os anúncios eram ao LP dos Tantra- Mistérios e maravilhas, um género de música que o Punk veio precisamente destronar, ou até a Jorge Palma com o LP Té já. E as poucas referências ao Punk, vinham assinadas na revista, precisamente pelo António Sérgio.
Assim, o LP dos Pistols, foi apenas notícia por causa do barulho da proibição na BBC e da sua divulgação pública. A música era o menos e já era conhecida; o barulho era demais e o espalhafato não tinha rivais, porque o fizeram durante um ano, com os singles e os concertos.
Celebrar os trinta anos de Never mind the bollocks, aqui no nosso país, não faz muito sentido, a não ser para encher papel. Nem como símbolo, a não ser agora e emprestado de outras paragens. Para isso, temos os Clash e os Stranglers ou até Elvis Costello, muito mais importante musicalmente e surgido durante a onda punk. O Punk não nasceu com os Pistols, embora estes o impulsionassem, nem sequer cresceu com eles. No entanto, valem pela estética que representaram, pela frescura da inovação anárquica na reacção ao establishment intelectual e pela música de três acordes sem parar o ritmo frenético.
Imagem tirada da revista Uncut presents Punk, de há uns anos atrás.
Publicado por josé 23:55:00
Não retiro o valor dos Pistols enquanto banda punk mas, em termos de 70's aqui no burgo, rolavam outras coisas no gira discos.
E é assim mesmo: Clash, Stranglers e Elvis Costello numa rodagem que já quase era "de massas" por um lado, pelo outro a escutar coisas do género Stooges... bons tempos!
E mais: na altura do Never Mind... andava eu ainda a digerir o concerto, o graaande concerto [digam o que disserem] dos Tubes!
Saudade.
Uma grande vénia ao António Sérgio! Houvessem mais como ele!
Qual Rock em Stock, qual carapuça... Som da Frente, Lança-Chamas... quero ter 15 anos outra vez.
A minha crítica ao crítica vai além disso. Vai para o estilo de escrita pouco pessoal e um tudo nada asséptico, porque parece tirado de um artigo do All music Guide.
Para escrever assim, ainda há o João Bonifácio que se queixou aqui, há tempos, de lhe ter mandado o mesmo recado.
Mas é exactamente o que penso, porque acho o artigo demasiado wikipedesco e pouco personalizado na escrita.
Aliás, para escrever assim, não adianta, porque é preferível procurar na Rede. Há milhentos de artigos assim, com a agravante de nem sequer serem em português, pelo que seria preferível adaptar e contextualizar o nosso tempo português da época.
A referência ao diacronismo tem a ver com isso mesmo: com a ausência de contextualização do LP na altura do seu lançamento. Em Portugal, nessa altura, que importância teve o Lp dos Pistols, tirando a que adveio da divulgação pelo António Sérgio, único e sublinho único divulgador, na época desse tipo de música?
Teve quase nenhuma.
Vir agora, passados trinta anos, escreve que estes Pistols desafiaram o mundo e eram representantes da contra-cultura que se opôs aos hippies, é um popuco deslocado e até errado.
De contra-cultura, tinham nada de nada. O que lhes sobejava era a atitude rebelde que a imagem ilustra: figas à polícia pelas costas. Só isso.
O God Save the Queen é uma mera provocação à coroa britânica e a linguagem desbragada, nada de especial trazia a não ser a garantia segura de censura na rádio.
Era isso a contra-cultura dos Pistols?
Sabem quem editou o LP? Foi alguma indie? Oi foi a EMI?
Contra-cultura, isto?
Reacção aos hippies? Os hippies foram gozados musicalmente, logo em 68, por Frank Zappa por exemplo e de qualquer modo, não sobreviveram a Woodstock ou principalmente a Altamont. Desconhecer isto, é não saber do que se escreve.
PS. Espero que a sua guilhotina não seja a do autor original do artigo. Se for, lamento que não possa concordar consigo. Melhore a escrita que depois conversamos.