A anarquia sem tomates


O Público de hoje, celebra uma efeméride curiosa, em duas páginas com quatro colunas de texto, na secção P2. O artigo, assinado por Vítor Belanciano, assegura que os Sex Pistols, “há trinta anos desafiaram o mundo”.

Numa sequência de referências estereotipadas, escreve a dado passo que “ A utopia hippie finava-se. Os ideiais contraculturais eram a nova norma.” Assim mesmo, apesar de um pouco mais à frente, escrever que “os Sex Pistols foram uma criação do se polémico manager, Malcolm Maclaren o qual depois de uma viagem a Nova Iorque “percebeu que a música e a atitude punk, tinham tudo para vingar em Londres, onde abrira uma loja de roupa chamada Sex.” É esta a noção de contracultura que nos é dado a entender, como cultivada pelo manager dos Pistols que os criou do nada dos clubes.

O problema destes artigos sobre música, no Público, à semelhança de outros, é o tom oco e a soar a falso, dos factos que relatam e dos elementos informativos que apresentam. Hoje em dia, qualquer consulta online a seguir a uma busca aleatória no Google nos traz uma miríade de referências que podemos pedir emprestadas sem dizer a ninguém.

Não quer dizer que seja esse o caso, agora; quer apenas dizer que é perfeitamente redundante e quase inútil, reproduzir numa letra de jornal impresso, ideias emprestadas em livros e revistas, quando as temos à mão de semear, na Rede que nos fornece informação a rodos.

O problema deste artigo do Público, à semelhança de tantos outros, é a ausência de perspectiva diacrónica, de referência ao tempo real em que os factos ocorreram, no lugar do fenómeno e no lugar daqui, de quem o observou, se foi esse o caso.

Portugal, em Outubro de 1977 e a seguir, ligou quase nada aos Sex Pistols, embora o movimento musical Punk não fosse algo desconhecido, porque a rádio de António Sérgio encarregava-se de no-lo lembrar. A quem queria perceber o que se passava no Reino Unido e o significado do Never mind the bollocks que reuniu alguns temas dos Sex Pistols, António Sérgio passava as novidades em single com bastante oportunidade. Stranglers, na altura ainda na fase do Rattus norvegicus, apareceram logo a seguir com No more heroes; também a recém chegada New Wave, com os The Jam ( This is the modern world), Blondie, Richard Hell, Buzzcocks, Cock Sparrer ( We love you, adorável) Ian Dury (Sex and drugs and rock n´roll), Ramones, Clash, etc. etc, tinham lugar nas emissões do dj português, de quem agora se esquecem os radialistas responsáveis. Os Pistols, eram mais um grupo e não me recordo de os ter ouvido nessa altura, tirando um ou outro single esparso ( Anarchy in UK, de Dezembro de 1976 e God save the queen, de Maio de 77, salvo o erro) e nem sequer de o álbum, cujo 30º aniversário agora se celebra, ter sido editado por cá.

Portugal, em 1977, vivia em grave crise económica, com desvalorizações acentuadas do escudo e com preocupações de ordem económica aceleradas. A Espanha, aqui ao lado, saía nessa altura do seu período negro de ditadura franquista e convivia democraticamente com partidos rivais, da direita e da esquerda de um modo que por cá nem sonhávamos sequer. A Espanha, aliás, tinha nessa altura um rendimento per capita de 3000 dólares enquanto por cá ainda nos arrastávamos pela metade – e não melhoramos muito em trinta anos.

Porém, tínhamos notícias do Punk e das editoras independentes que na Inglaterra lhe davam expressão activa e dinâmica. No entanto, se o quiséssemos comprovar teríamos de ler a imprensa estrangeira, nomeadamente os jornais musicais ingleses, o Melody Maker e o New Musical Express que passaram então pela sua melhor fase de sempre.

Por cá, a revista Música & Som, pouca importância deu ao fenómeno e os anúncios eram ao LP dos Tantra- Mistérios e maravilhas, um género de música que o Punk veio precisamente destronar, ou até a Jorge Palma com o LP Té já. E as poucas referências ao Punk, vinham assinadas na revista, precisamente pelo António Sérgio.

Assim, o LP dos Pistols, foi apenas notícia por causa do barulho da proibição na BBC e da sua divulgação pública. A música era o menos e já era conhecida; o barulho era demais e o espalhafato não tinha rivais, porque o fizeram durante um ano, com os singles e os concertos.

Celebrar os trinta anos de Never mind the bollocks, aqui no nosso país, não faz muito sentido, a não ser para encher papel. Nem como símbolo, a não ser agora e emprestado de outras paragens. Para isso, temos os Clash e os Stranglers ou até Elvis Costello, muito mais importante musicalmente e surgido durante a onda punk. O Punk não nasceu com os Pistols, embora estes o impulsionassem, nem sequer cresceu com eles. No entanto, valem pela estética que representaram, pela frescura da inovação anárquica na reacção ao establishment intelectual e pela música de três acordes sem parar o ritmo frenético.

Imagem tirada da revista Uncut presents Punk, de há uns anos atrás.

Publicado por josé 23:55:00  

6 Comments:

  1. CJT said...
    Não posso estar mais de acordo!
    Não retiro o valor dos Pistols enquanto banda punk mas, em termos de 70's aqui no burgo, rolavam outras coisas no gira discos.
    E é assim mesmo: Clash, Stranglers e Elvis Costello numa rodagem que já quase era "de massas" por um lado, pelo outro a escutar coisas do género Stooges... bons tempos!
    E mais: na altura do Never Mind... andava eu ainda a digerir o concerto, o graaande concerto [digam o que disserem] dos Tubes!

    Saudade.
    CJT said...
    Esquecia-me do mais importante:

    Uma grande vénia ao António Sérgio! Houvessem mais como ele!
    Qual Rock em Stock, qual carapuça... Som da Frente, Lança-Chamas... quero ter 15 anos outra vez.
    Guilhotina Pensadora said...
    O valor da chamada de atenção sobre a necessidade da perspectiva diacrónica do artigo esvai-se por entre os títulos de primados temáticos assumidos como essenciais. Ensaio sobre a realidade político-social em Portugal aquando da edição do "Bollocks"? Desnecessário. Sublimação do papel do A.Sérgio na divulgação de música? Os créditos são dele, ninguém os tira, e tanto são que, para todos aqueles que conhecem o "Bollocks" decerto não precisam de ouvir falar uma vez mais do seu papel como divulgador entre nós. A necessidade desta observação é tanto maior quanto encontrar correspondência cronológica entre a letra de 'Transmission' e a morte do Sá Carneiro.
    josé said...
    Guilhotina:

    A minha crítica ao crítica vai além disso. Vai para o estilo de escrita pouco pessoal e um tudo nada asséptico, porque parece tirado de um artigo do All music Guide.

    Para escrever assim, ainda há o João Bonifácio que se queixou aqui, há tempos, de lhe ter mandado o mesmo recado.

    Mas é exactamente o que penso, porque acho o artigo demasiado wikipedesco e pouco personalizado na escrita.
    Aliás, para escrever assim, não adianta, porque é preferível procurar na Rede. Há milhentos de artigos assim, com a agravante de nem sequer serem em português, pelo que seria preferível adaptar e contextualizar o nosso tempo português da época.

    A referência ao diacronismo tem a ver com isso mesmo: com a ausência de contextualização do LP na altura do seu lançamento. Em Portugal, nessa altura, que importância teve o Lp dos Pistols, tirando a que adveio da divulgação pelo António Sérgio, único e sublinho único divulgador, na época desse tipo de música?
    Teve quase nenhuma.
    Vir agora, passados trinta anos, escreve que estes Pistols desafiaram o mundo e eram representantes da contra-cultura que se opôs aos hippies, é um popuco deslocado e até errado.

    De contra-cultura, tinham nada de nada. O que lhes sobejava era a atitude rebelde que a imagem ilustra: figas à polícia pelas costas. Só isso.
    O God Save the Queen é uma mera provocação à coroa britânica e a linguagem desbragada, nada de especial trazia a não ser a garantia segura de censura na rádio.
    Era isso a contra-cultura dos Pistols?
    Sabem quem editou o LP? Foi alguma indie? Oi foi a EMI?

    Contra-cultura, isto?
    Reacção aos hippies? Os hippies foram gozados musicalmente, logo em 68, por Frank Zappa por exemplo e de qualquer modo, não sobreviveram a Woodstock ou principalmente a Altamont. Desconhecer isto, é não saber do que se escreve.

    PS. Espero que a sua guilhotina não seja a do autor original do artigo. Se for, lamento que não possa concordar consigo. Melhore a escrita que depois conversamos.
    Guilhotina Pensadora said...
    A Guilhotina não é a do autor original do artigo, nem tão pouco sequer conheço a dita pessoa que o assinou. Parece-me apenas redutor incluir apreciações sociológicas em divagações que me pareciam ser, acima de qualquer outra coisa, apenas elaborações estéticas inócuas. E, no caso de bandas como os Pistols, é isso mesmo que interessa. Quanto à extensão textual entretanto assumida resta-me apenas concluir que se trata de "mucho ado about nothing", até mesmo para um melómano.
    Antonio said...
    Vê se logo que este Balenciano não é músico.

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