Actuel- Bizot

Por cá, vai passar incógnita, a morte de Jean-François Bizot, ocorrida no passado dia 8, devido a cancro. Contudo, não devia, porque todos os que se derreiam de incómodo à simples menção de Maio 68, deveriam saber quem foi Bizot, para poderem perceber melhor porque é que Sarkozy veio a escolher como ministro dos Negócios Estrangeiros aquele que no dia 7 esteve em Viana do Castelo: Bernard Kouchner, e que hoje disse ao Le Nouvel Observateur: “Era meu amigo, um formidável companheiro de aventuras. Tinha a inteligência dos seus magníficos talentos. Gostou das peregrinações de Bukowski e do underground americano cujas sendas secretas foram captadas pela Actuel, uma revista a que ficará para sempre ligado. Tenho de homenagear a memória deste decifrador que soube casar os contornos do seu sonho e incidir no espelho do tempo os seus reflexos mais variados”.

A revista Actuel, fundada em 1970 por Bizot, era um must da então chamada contra-cultura, um conceito fluido sem margem de definição precisa.











A revista, de grafismo fantástico e delirante, com desenhadores do sonho dos comics americanos, paginava textos libertários e de combate ao satus quo. “O capitalismo cheira mal” ( Outubro 1971). Nesse mesmo número, o mesmo Bernard Kouchner, actual ministro de Sarkozy, escreve sobre a revolta nas prisões americanas: Sabemos bem: cada um deve bater-se por si. Bairros de lata e racismo são também assunto nosso e as morais abjectas do dinheiro, da bófia e das autoridades. Mas poderemos mudar de vida, gritá-lo nas ruas e acreditar nisso, se nos afastarmos dos oito milhões de agonizantes do Bangla Desh sob o pretexto de não terem uma etiqueta política suficientemente nítida? Ou que o acontecimento não seja suficientemente mobilizador.” Aí estava a ideia da Esquerda internacionalista, proletária e tudo.

Nunca admitiriam ser de Direita, embora a marginalização na Esquerda clássica fosse imprecisa e talvez sejam afinal os percursores das novas tendências do idealismo utópico, para além do comunismo e antes do liberalismo. Muitos dos seus representantes conhecidos, tornaram-se reconhecidos pelos poderes actuais do socialismo e até pelo sarkozismo nascente. O discurso actual de Serge July é o melhor exemplo dessa ponte de contradições que atravessou três ou quatro décadas. Não lamenta o desaparecimento do PC em França e admitiu o capitalismo liberal no jornal que ajudou a fundar. Por cá, temos o José Manuel Fernandes do Público, e outros, como exemplos Actuel.

Vieram do trotskismo, do anti-estalinismo, e do anti-capitalismo. Nos anos sessenta, em França, opunham-se ao PC e ao Gaullismo. Amantes de jazz, descobriram depois o rock e foram os primeiros a usar jeans.

Esquerdistas, estes libertários? Peut être, no sentido que Lenine lhes deu: pequenos burgueses que sem gostar do capitalismo, repudiavam igualmente a revolução de Lenine. Em França que não por cá, os seus intelectuais , repudiaram o estalinismo e opuseram-se ao colonialismo e ao capitalismo ainda. O partido comunista nunca lhes deu trela, por isso mesmo, mas ainda assim, herdaram a tradição da grande Esquerda das ideias libertárias, do surrealismo, do anarquismo, numa palavra: da Utopia. E por isso, usaram a sua linguagem codificada, de antifascismos, de lutas contra a burguesia, com todas as palavras emprestadas daquela Esquerda que diziam execrar.

Em França, o seu jornal de sempre é o exemplo do tempo que passa. O Libération, falido, acabou comprado pelos grandes capitalistas e segue a utopia de sair dia a dia, tentando vender o que é preciso para pagar as despesas.

Encalharam agora no reduto da defesa das minorias, das causas minoritárias e sempre à sombra da velha Utopia que Bizot acarinhava. Se a esquerda comunista sonhava com amanhãs a cantar, de que estofo será o sonho destes libertários? Se a verdade da Esquerda marxista, sonhava em transformar o Homem, num novo Ser, será que estes avatares, sonhavam com sucedâneos? Parafraseando um livro de Philip Dick, um autor de ficção científica caro a Bizot: será que os andróides sonham com carneiros eléctricos?

Publicado por josé 22:51:00  

4 Comments:

  1. MARIA said...
    Foi uma bonita e generosa maneira de homenagear e lembrar Bizot e a Actuel de que ouvi falar, confesso, pela primeira vez, por si José, no seu outro blog.
    Saudações da
    Maria
    Luís Negroni said...
    Não me parece nada que tenha sido uma bonita e generosa maneira de lembrar Bizot e a Actuel. "Nunca admitiriam ser de Direita...". Mas o que é isto? Como é que eles poderiam alguma vez admitir ser de direita quando sempre foram de esquerda (da esquerda partidária inicialmente e depois da esquerda "libertária" ou anarquista, pelo menos Bizot)? Esta mania dos articulistas de direita quererem subreptíciamente "adireitar" intelectuais da esquerda não ortodoxa irrita-me. Isto é querer que pessoas de esquerda sejam de direita à força, ou quê? Eu sei que era muito bom para o ego de escribas de direita, que muuuuuuuiiiiitos intelectuais de esquerda fossem, nem que fosse de uma forma muito retorcida, transformados em intelectuais de direita. Mas a realidade é o que é, a esmagadora maioria dos intelectuais é de esquerda e o resto são tretas. Broutilles, como diria Bizot.
    josé said...
    luis: só ponho aqui um nome, para contrariar: Serge July.

    Aliás, ponho dois: Bernard Henry Lévy.

    Ça suffit.
    josé said...
    BHL é de esquerda...tanto que se vira contra a própria esquerda antiliberal que sacrifica a liberdade à igualdade.

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