As auto-estradas do desenvolvimento


O Público revela hoje um documento importante para o nosso modo de vida e de escolha política: uma publicação do INE, intitulada Portugal, 20 anos de integração europeia.

De modo simples, explicam-se estatísticas sobre o nosso crescimento e até uma visão do desenvolvimento económico de duas décadas.

Assim, uma verificação empírica torna-se agora científica: os líderes portugueses dos últimos vinte anos, pós- integração europeia, apostaram num modelo de desenvolvimento que privilegiou a construção civil de grandes obras, o betão, a argamassa, o ferro e asfalto. Temos, depois de vinte anos, uma rede viária invejável com 2300 km de auto-estradas. Em 1971, para aí circularem os poucos mais de 600 mil veículos existentes, tínhamos menos de 100 km, no que fazíamos companhia à Noruega e à Irlanda do Norte. Na França, já havia mais de 1500km e na Alemanha de então, já se andava nas autobhans, em mais de 4000 km de extensão. Em 1974, um grupo de rock, os Kraftwerk, dedicou um disco, precisamente Autobhan, às delícias da circulação rodoviária em auto-estrada ampla e com trânsito espaçado.

Assim, o nosso futuro, sempre adiado e de há vinte anos atrás, para os governos de então, passava em boa parte, pelas auto-estradas e pela circulação rodoviária.

Por causa desta aposta num regresso ao futuro, feita apenas há vinte anos, o estudo do INE, de agora, conclui que existe “um sobredimensionamento da importância da construção civil”, sobre os demais factores de desenvolvimento.

Na educação, o país estiolou, estatisticamente. Temos pouco mais de 26% de pessoas com estudos secundários, contra 70% na Europa. Não há criadores, inventores ou comunidade científica que se possa apresentar colectivamente aos europeus, apesar das melhorias de vinte anos. Há, principalmente, a ideia patente de que tudo poderia ter corrido diferente, para melhor, caso as opções fossem outras e os modelos seguidos, diversos. Portugal atrasou-se na última meia dúzia de anos e continua a aumentar a distância em relação ao pelotão da frente, meta almejada pelos “honestos gerentes” deste pobre país, também considerados, uns “pobre diabos”, por quem viu outros tempos e lugares e sente ainda o peso de um conjunto de valores bem diferenciados dos actuais, em voga, estimulados por governantes com diplomas obtidos como os brindes que dantes saíam na farinha Amparo.

Em 1971, no tempo do regime antigo, odiado pelos antifascistas por lhes coarctar os seus anseios a uma liberdade de também poderem oprimir, de modo pior do que o foram, os projectos de crescimento económico e de desenvolvimento, também assentavam em parcerias com a Europa, sem esquecer a África; também assentavam em melhorias rodoviárias, de acordo com padrões europeus e também assentavam principalmente, numa sistema de liberalismo económico, com intervenção mínima do Estado no sector produtivo. Talvez seja esse o sistema agora perseguido pela actual “esquerda”, que abandonou as referências marxistas e se concentra agora em grandes empreendimentos geridos por comissários, tipo Pina Moura, Vital Moreira e outros que perderam o rumo no final dos anos oitenta.

Porém, em 1971, numa revista moderna, escrevia-se como hoje não se escreve em lado nenhum, sobre as auto-estradas que hoje disfrutamos ao som da música do autorádio. Previa-se a construção, nos dez anos seguintes, de 480 km de auto-estrada, com troços tão interessantes como este: “Porto-Braga-Guimarães”, a concluir até 1982 e com discussões tão interessantes como a conveniência de ligar a Cova da Beira a Coimbra e o Nordeste transmontano ao Porto.

Sabemos agora, que as opções de 1986, nem sequer foram prioritariamente essas e que até essa altura, nem dinheiro havia para mandar cantar os cegos das esquinas, quanto mais construir km de auto-estrada.

Como é que isto foi possível? Quer dizer, passarmos de um crescimento económico de 6% ao ano, com tendência a crescer, mesmo com crises petrolíferas e guerra colonial, para uma miséria que nem atinge os 2%, actualmente e de há longos anos a esta parte?

Alguém que o diga. O advogado José Miguel Júdice, hoje no Público tenta esboçar uma explicação interessante, com continuação para a semana que vem. O tema é sobre os apóstatas do comunismo e o futuro do socialismo sem Marx. Escreve que a esquerda moderna europeia “foi sendo formada pelos que deixaram de acreditar”, referindo-so aos desiludidos do marxismo que se reclamam ainda de esquerda, “não socialista”. Seja lá o que isso for, parece-me que se pode chamar social-democracia e o espaço da mesma tem vindo a ser ocupado, por todos os partidos políticos portugueses, com excepção do PCP e dos extremistas das bombas.

- Clicar nas imagens, extraídas da revista Observador nº 5 de 19.3.1971, para ler o texto:


Publicado por josé 23:05:00  

4 Comments:

  1. MARIA said...
    Depois de ler-se uma crítica deste vigor e excelência, há que respirar pelo menos duas vezes para elaborar comentário digno. Tenta-se, mas depois entra-se na porta dos Kraftwert e é de tal modo espantoso, muito além do habitualmente extraordinário, acontece tal magia que todas as palavras se calam no fundo da garganta , permanecemos a olhar com deslumbramento de criança .
    Parabéns pelo momemtos excepcionais partihados. Muito obrigada.

    Maria
    MARIA said...
    Naturalmente que são " momentos" e
    " partilhados".
    Peço desculpa.

    Um beijinho da

    Maria
    CCz said...
    "Talvez seja esse o sistema agora perseguido pela actual “esquerda”, que abandonou as referências marxistas e se concentra agora em grandes empreendimentos geridos por comissários, tipo Pina Moura, Vital Moreira e outros que perderam o rumo no final dos anos oitenta."

    Brilhante
    josé said...
    Pode ainda acrescentar-se Mário Lino.

    Tudo vinho da mesma pipa: casco de roble. Palhetes azedados.

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