As campanhas

José Sócrates, na entrevista à RTP1, em que tentou explicar o seu percurso académico, por mor das dúvidas que durante semanas alimentaram alguns órgãos de informação, tentou ainda dar o seu contributo explicativo para o modo como se montam e edificam aquilo que o mesmo apelidou de “campanhas”.

O termo sugere acções guerreiras, de logística preparada e planeamento centralizado, algo de que José Sócrates parece entender, ou não tivesse um número certo de fiéis assessores de imprensa e um outro incerto de spinners dedicados, mesmo em blogs.

Logo, “campanhas”, para José Sócrates, parecer ser tudo aquilo que aparece noticiado, como publicidade negativa para a sua excelsa pessoa. O que resta no sentido contrário, necessariamente e nesta lógica, não serão campanhas em sentido estrito e pejorativo, mas sim, mera propaganda. Campanhas positivas, portanto e que em nada se desmerecem, na apreciação do político que agora governa.

O que será vil e desprezível, são precisamente as campanhas que atingem e denigrem a imagem tão laboriosamente criada. Esta, singela e pura, apenas pretende mostrar à poba, o quanto é difícil governar e o quantum de esforço e sacrifício pessoal, representa a dedicação à causa que a eles pertence.

A ingratidão das “campanhas”, é por isso, base de sustentação da sua repressão que passa agora por acções judiciais, em processos crime e cíveis, para apuramento de responsabilidades dos campaigners mais ousados. Alguns, coitados, transidos de medo, assinam estudos em anonimato e conspiram em blogs anónimos, numa clandestinidade recuperada dos tempos do fassismo salazarento. Vem hoje escrito no semanário Sol e já glosado por Vasco Pulido Valente , ( no Público de hoje) o medo de retaliações do Governo de José Sócrates, em relação a dissidentes ou que se oponham à estratégia sagrada da governação do momento, de maioria absoluta. É este o problema, aliás. O poder de mandar, sem entraves de maior...

Porém, tal como na aldeia isolada de Astérix, há por aí, uns guerrilheiros do verbo, acoitados em blogs que só denigem a imagem de pureza, desta gente de qualidade extraordinária que nos saiu em rifa, nas últimas eleições. Os bloggers, são a fonte de todo o mal, para o primeiro-ministro, certamente com o apoio activo de outros ministros, secretários de Estado, núncios diversos, acólitos e demais sabujos do tacho e do emprego refastelado no Estado das empresas públicas e assessorias diversas que olham para os críticos, nesta democracia, como inimigos de classe.

Disse José Sócrates, na entrevista à RTP:

Tudo isto nasce como nasceram outras campanhas. Em primeiro lugar nas blogsofera. Depois vai passando para o rumor, para o boato, até chegar aos jornalistas da…repare…há muita gente que utiliza a seguinte…eu se perdesse o meu tempo a processar todos os insultos que eu vejo na blogosfera que me são dirigidos, eu não teria tempo para fazer mais nada.

Aconselho-os a não procurarem muito na blogosfera porque aí poderão ver os mesmos ataques pessoais, os mesmos insultos, as mesmas difamações. E eu tenho-me portado quanto a essas campanhas na blogosfera, porque já não é a primeira vez que passo por isso, com a superioridade e indiferença que um homem público tem que ter. Temos que ter uma couraça perante isso.

Mas isso não quer dizer que quando achar que o devo fazer que recorra aos tribunais.

Tudo isto tem a mesma natureza e a mesma origem que tiveram outras: blogosfera, rumor, boato, jornalistas. E depois, digamos, sou obrigado a explicar- e cá estou a fazê-lo.”

Ver, aqui, via Apdeites.

Foi isto que José Sócrates disse na tv. Quanto à explicação que ali estava a dar, só apetece lembrar um facto: apresentou na altura uma folha, pretensamente um documento de certidão de licenciatura, em que pretendeu provar que fizera a licenciatura num certo dia do mês de Agosto de 1996. Esse documento que José Sócrates apresentou publicamente como prova da sua licenciatura, e prova suprema de que afinal, ao contrário do que escreveram os arautos da campanha, não concluíra a usa licenciatura a um Domingo, veio a descobrir-se dias depois, ser apócrifo, eventualmente falsificado ( a informação nesse sentido partiu dos serviços da Câmara, segundo os jornais) e dera entrada na Câmara Municipal da Covilhã, para sustentar a documentação de José Sócrates, também funcionário ( quadro técnico) nessa Câmara.

O simples facto de José Sócrates, também agora primeiro-ministro, ter apresentado em público um documento apontado e revelado como falso, para demonstração de algo que já em si era duvidoso ( o percurso académico e o modo de realização das cadeiras do curso), seria bastante para a vergonha cair sobre o mesmo e pura e simplesmente demitir-se do cargo que ocupa, em nome do povo que representa e em nome do juramento solene de lealdade no cumprimento das suas funções.

Nada disso, aconteceu, perante a passividade e complacência dos demais poderes públicos e políticos que têm a estrita obrigação de zelar pelo cumprimento desses deveres e fiscalização dessas incumbências e que foram incapazes de lho lembrar, sendo cúmplices desta anomia. A anomia, aliás, parece ser geral, no seio do poder político e de algum poder mediático. A democracia em Portugal ainda não atingiu a maturidade europeia, é a constatação evidente.

Sabemos agora que quem denunciou a situação académica de José Sócrates, e procurou apenas saber aquilo a que tinha direito e suscitava muitas dúvidas ( até reconhecidas pelo póprio José Sócrates, é bom lembrar) o blogger António B. Caldeira, irá ser perseguido criminalmente, por causa do procedimento que foi desencadeado. Não se sabe ainda o como nem porquê da audição do blogger como arguido e o segredo de justiça não permitirá o esclarecimento, a não ser que se coloque a exigência de esclarecimento que a lei prevê e que consta do artigo 86º nº 9 al. b) do C.P.P.: em casos de especial repercussão pública, podem ser dados esclarecimentos para reposição da verdade.

Espero que sejam dados, porque neste caso é o mínimo que se exige,uma vez que o caso assume gravidade inusitada.

Publicado por josé 16:05:00  

9 Comments:

  1. JPG said...
    Precisamente esse extracto da entrevista está no Apdeites.
    josé said...
    Provavelmente foi daí que fiz a transcrição, já há algum tempo.

    Por isso, vou fazer o link devido. Já não me lembrava.
    JPG said...
    Não havia necessidade, como dizia o outro, mas obrigado na mesma. Apenas referi aquele "clip" para o caso de alguém querer ouvir a parte da entrevista que menciona no seu post.
    Já agora, ficam aqui também os links directos para o "clip" (YouTube), e para a entrevista completa, na RTP: mms://195.245.176.20//rtpfiles/videos/auto/especiais/2anosgov_11042007.wmv

    (é favor copiar o endereço para a linha de comando do "browser", porque este sistema de comentários não aceita links deste tipo; para copiar, seleccione todo o endereço, incluindo a linha em branco, por baixo daquele).
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Quando alguém tem problemas, já se sabe o que faz: diz que é vítima de uma campanha...

    Quando a coisa é mais fina, mete música - e diz que a campanha é... orquestrada.
    António Balbino Caldeira said...
    Meu Amigo

    Sinto sempre a sua companhia firme nestes momentos críticos. Os tais em que uns sim e outros talvez, outros nem sequer... Por isso, lhe estou obrigado.

    Pegando na sua palavra - "inusitada". Inusitada é a resignação popular com os abusos, mais a promiscuidade das elites com os abusadores. Somos ainda o povo que fomos - mas por que adormecemos?...
    zazie said...
    "Quando a coisa é mais fina, mete música - e diz que a campanha é... orquestrada. "

    ahahahahahaha
    Luís Bonifácio said...
    Sobretudo aquela de ter escolhido a independente por ser logo ali ao lado do ISEL....

    Só que quando Sócrates alegou ter feito a inscrição a Independente ficava em Xabregas e não ali ao lado do ISEL.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Cavalheiro demitido por ter mentido em relação às suas habilitações académicas:
    _

    «A top executive at InterContinental Hotels has quit in disgrace after it emerged that he had lied about his academic qualifications (...)»

    Detalhes em:

    http://www.telegraph.co.uk/money/main.jhtml?xml=/money/2007/06/15/cnimbardelli115.xml

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