O encobrimento
quinta-feira, abril 05, 2007
Em vez de imaginar teorias da conspiração inverosímeis ou de espalhar suspeitas sobre as motivações deste jornal [ o Público ], era mais sensato ter esclarecido tudo desde a primeira hora. Para não permitir que restassem quaisquer dúvidas. E para evitar muitas horas perdidas ao telefone, designadamente para todas as pessoas do Público ou ligadas ao Público com quem falou desde que chegaram ao seu gabinete, as perguntas do jornalista Ricardo Dias Felner. - Editorial de José Manuel Fernandes, no Público de 5.4.2007.
Como é sabido e Francisco Pinto Balsemão realçou num editorial no Expresso que então dirigia, em Agosto de 1974, a propósito do caso Watergate, o problema que se colocava à sociedade americana, era nessa altura, o da liberdade de a imprensa relatar factos conhecidos que poderiam apontar para outros, desconhecidos. Suspeitas? Sim, claro. Legítimas? Pois sim, também.
Quem exerce cargos públicos está à mercê do escrutínio permanente do público, para além das instituições vocacionadas para o efeito e não deve admirar-se disso nem tentar controlar e abafar a informação que não lhe agrada, para além do admissível.
O que José Sócrates, actual primeiro ministro de Portugal tentou fazer com o Público, agora abertamente denunciado pelo seu director, é muito simples e releva da táctica velha e revelha: encobrir, desvalorizar, controlar e gerir os estragos de imagem. Tudo, menos apresentar a verdade que todos podem conhecer.
Desta vez- sabe-se lá porquê! – alguns (e mesmo assim, só alguns!) dos jornalistas portugueses não alinharam na manobra. Fosse outro o envolvido, por exemplo Mário Soares, e outro galo cantaria, e que disso não fique qualquer dúvida, porque os exemplos são vários e elucidativos. Assim…
Em 1972, dois dias depois de os assaltantes de Watergate terem tentado colocar escutas na sede dos Democratas e terem sido presos por isso, o porta voz Ronald Ziegler( Press Secretary, o equivalente ao nosso verificador de sarjetas jornalísticas, Santos Silva), desvalorizava o acontecimento relatado, como sendo uma “tentativa de assalto de terceira categoria”, não sem avisar que alguns poderiam tentar alargar o âmbito do assunto para além daquilo que ele verdadeiramente era”…
O encobrimento no caso Watergate, começou logo ao segundo dia. Em 23 de Junho, uma semana depois do assalto, Nixon deu ordens a um colaborador para que a CIA bloqueasse a investigação já em curso pelo FBI. Nesse mesmo dia, os colaboradores directos Haldeman e Ehrlichman encontraram-se com o então director da CIA Richard Helms e ainda Vernon Walters ( conhecido dos portugueses…) . Como é que Nixon tentou encobrir, logo aí? Tentando convencer a CIA a investigar no México, afastando por isso, o cerne da investigação da própria Casa Branca. Em Agosto, numa conferência de imprensa, Nixon afirma peremptoriamente que um colaborador, Howard Dean, tinha feito uma investigação rigorosa e concluído que ninguém da Administração estava envolvido. Descobriu-se depois que Dean nunca tinha feito tal investigação. Em 7 de Novembro Nixon é reeleito, numa avalanche de votos. Mas o maldito Watergate, instigado pelo Washington Post, continua. No ano seguinte, 1973, durante o julgamento pelo assalto, Howard Hunt, assume a culpa e declara que não havia “superiores” metidos no assunto.
O caso parecia encerrado, mas o jornal Washington Post, não largava a presa da verdade que parecia fugir entre os dedos. Com ajuda de um informador encoberto ( Mark “deep throat” Felt, agente qualificado do FBI), os jornalistas descobrem outras pistas e outros órgãos informativos entram no assunto. A revista Time descobre que um advogado, Donald Segretti, tinha sido contratado pela Casa Branca para sabotar a campanha presidencial democrata. Em Fevereiro, ecoando a insatisfação do juiz Sirica, em prol da descoberta da verdade total, o Congresso vota( por 77-0) a constituição de uma Comissão de Inquérito, para investigar Watergate. Sam Ervin é nomeado presidente da Comissão.
A partir daqui, o esforço de encobrimento descontrola-se, porque as revelações comprometedoras acontecem em catadupa.
Colocados perante o dever de responder com verdade e sob juramento que implica a prática de crime grave, se tal não acontecer, os intervenientes do caso começam a quebrar.
Perante o depoimento daqueles que lhe são próximos e que contraria abertamente as versões anteriores, oficiais, do caso, Nixon resolve agir, para salvar as aparências e demite colaboradores directos: Haldeman e Ehrlichman e Dean.
Em 17 de Maio de 1973, perante as pressões das revelações, Nixon admite finalmente que houve tentativas de encobrimento dentro da própria Casa Branca, negando mesmo assim, o seu envolvimento directo. Apesar de desmentido em directo, pelo colaborador John Dean que o acusou de saber de tudo, desde o início, Nixon continua a não se dar por achado, e em 27 de Junho imputou a Dean o planeamento de toda a tramóia contras os democratas.
A seguir, em 16 de Julho de 1973, aconteceu a revelação que veio tramar Nixon: Alexnader Butterfield, um colaborador da Casa Branca, conta à Comissão de Inquérito que Nixon costumava gravar todas as conversas que mantinha no gabinete oval.
Evidentemente, Ervin requer oficialmente a entrega das fitas gravadas. Nixon recusa e reafirma em 15 de Agosto: “não só não estava a par do encobrimento, como nem sabia que havia qualquer coisa a encobrir”.
Em 29 de Agosto, o juiz Sirica obriga à entrega de nove fitas. Nixon tenta apresentar “sumários” das conversas e em Outubro um tribunal obriga à entrega das fitas.
Nesse mês de Outubro acontece algo inédito e extraordinário, nos EUA: A pedido da revista Time, num primeiro editorial em 50 anos de existência, o New York Times, o Detroit News e o National Review, pedem a resignação do presidente, o que é aproveitado pelos democratas que iniciam diligências para o processo de destituição.
Em Março de 1974, o grande júri do Watergate acusa sete antigos colaboradores de Nixon, por obstrução à justiça.
As transcrições das gravações, acrescentadas às iniciais, revelam novidades de vulto: Nixon afinal sabia algo do que se passava.
Em 5 de Agosto de 1974, Nixon, forçado pela iminente divulgação das conversas gravadas, admite finalmente o que nunca admitira e sempre negou: que sabia do que se passava, logo no dia 23 de Junho de 1972 e tentou abafar o caso, através de encobrimento criminoso.
Foi à tv nacional e comunicou à Nação a sua resignação. Nunca se arrependeu. Hunter Thompson, da revista Rolling Stone, achava que Nixon era a encarnação do diabo… mas batia com a mão no peito e dizia, “senhor, senhor”…
Para bom entendedor…
Nota complementar:
O noticiário da SIC sobre o caso das habilitações académicas de José Sócrates, aparentemente da responsabilidade de Ricardo Costa, é um caso notável de manipulação.
Citando o jornal Público que hoje refere em primeira página, "não há registo de diplomados em Engenharia pela Independente no ano do curso de Sócrates", Ricardo Costa, tempera o ácido da notícia com um facto não verificado e adiantado na "explicação do Governo". Para além do insólito que representa o facto de ser o governo que "explica" factos que competem a José Sócrates enquanto cidadão explicar, numa confusão de quem não percebe a distinção entre funções, Ricardo Costa, aparentemente, não procurou saber um facto simples: a ausência de registo de diplomados em engenharia, pela UnI, no ano de 1996, abrange também os casos de transferências?
A resposta a essa questão que o Público tenta esclarecer, e de algum modo esclarece, escrevendo que nos demais registos de outras licenciaturas que não a de engenharia, há inclusão dessas transferências, contrariando a lógica da "explicação do governo" ,foi completamente obliterada por Ricardo Costa, o "inoxidável" que deveria ter mais um pouco de vergonha no jornalismo que vai fazendo e menos prosápia quando fala em público.
Sendo a questão simples e tendo algumas horas de novidade, o que é que impediu o inoxidável da SIC, de apurar o facto e noticiar com o rigor exigível a quem costuma dar lições de jornalismo avulsas?
Aparentemente, nada. Com alguma probabilidade, tudo.
Como é sabido e Francisco Pinto Balsemão realçou num editorial no Expresso que então dirigia, em Agosto de 1974, a propósito do caso Watergate, o problema que se colocava à sociedade americana, era nessa altura, o da liberdade de a imprensa relatar factos conhecidos que poderiam apontar para outros, desconhecidos. Suspeitas? Sim, claro. Legítimas? Pois sim, também.
Quem exerce cargos públicos está à mercê do escrutínio permanente do público, para além das instituições vocacionadas para o efeito e não deve admirar-se disso nem tentar controlar e abafar a informação que não lhe agrada, para além do admissível.
O que José Sócrates, actual primeiro ministro de Portugal tentou fazer com o Público, agora abertamente denunciado pelo seu director, é muito simples e releva da táctica velha e revelha: encobrir, desvalorizar, controlar e gerir os estragos de imagem. Tudo, menos apresentar a verdade que todos podem conhecer.
Desta vez- sabe-se lá porquê! – alguns (e mesmo assim, só alguns!) dos jornalistas portugueses não alinharam na manobra. Fosse outro o envolvido, por exemplo Mário Soares, e outro galo cantaria, e que disso não fique qualquer dúvida, porque os exemplos são vários e elucidativos. Assim…
Em 1972, dois dias depois de os assaltantes de Watergate terem tentado colocar escutas na sede dos Democratas e terem sido presos por isso, o porta voz Ronald Ziegler( Press Secretary, o equivalente ao nosso verificador de sarjetas jornalísticas, Santos Silva), desvalorizava o acontecimento relatado, como sendo uma “tentativa de assalto de terceira categoria”, não sem avisar que alguns poderiam tentar alargar o âmbito do assunto para além daquilo que ele verdadeiramente era”…
O encobrimento no caso Watergate, começou logo ao segundo dia. Em 23 de Junho, uma semana depois do assalto, Nixon deu ordens a um colaborador para que a CIA bloqueasse a investigação já em curso pelo FBI. Nesse mesmo dia, os colaboradores directos Haldeman e Ehrlichman encontraram-se com o então director da CIA Richard Helms e ainda Vernon Walters ( conhecido dos portugueses…) . Como é que Nixon tentou encobrir, logo aí? Tentando convencer a CIA a investigar no México, afastando por isso, o cerne da investigação da própria Casa Branca. Em Agosto, numa conferência de imprensa, Nixon afirma peremptoriamente que um colaborador, Howard Dean, tinha feito uma investigação rigorosa e concluído que ninguém da Administração estava envolvido. Descobriu-se depois que Dean nunca tinha feito tal investigação. Em 7 de Novembro Nixon é reeleito, numa avalanche de votos. Mas o maldito Watergate, instigado pelo Washington Post, continua. No ano seguinte, 1973, durante o julgamento pelo assalto, Howard Hunt, assume a culpa e declara que não havia “superiores” metidos no assunto.
O caso parecia encerrado, mas o jornal Washington Post, não largava a presa da verdade que parecia fugir entre os dedos. Com ajuda de um informador encoberto ( Mark “deep throat” Felt, agente qualificado do FBI), os jornalistas descobrem outras pistas e outros órgãos informativos entram no assunto. A revista Time descobre que um advogado, Donald Segretti, tinha sido contratado pela Casa Branca para sabotar a campanha presidencial democrata. Em Fevereiro, ecoando a insatisfação do juiz Sirica, em prol da descoberta da verdade total, o Congresso vota( por 77-0) a constituição de uma Comissão de Inquérito, para investigar Watergate. Sam Ervin é nomeado presidente da Comissão.
A partir daqui, o esforço de encobrimento descontrola-se, porque as revelações comprometedoras acontecem em catadupa.
Colocados perante o dever de responder com verdade e sob juramento que implica a prática de crime grave, se tal não acontecer, os intervenientes do caso começam a quebrar.
Perante o depoimento daqueles que lhe são próximos e que contraria abertamente as versões anteriores, oficiais, do caso, Nixon resolve agir, para salvar as aparências e demite colaboradores directos: Haldeman e Ehrlichman e Dean.
Em 17 de Maio de 1973, perante as pressões das revelações, Nixon admite finalmente que houve tentativas de encobrimento dentro da própria Casa Branca, negando mesmo assim, o seu envolvimento directo. Apesar de desmentido em directo, pelo colaborador John Dean que o acusou de saber de tudo, desde o início, Nixon continua a não se dar por achado, e em 27 de Junho imputou a Dean o planeamento de toda a tramóia contras os democratas.
A seguir, em 16 de Julho de 1973, aconteceu a revelação que veio tramar Nixon: Alexnader Butterfield, um colaborador da Casa Branca, conta à Comissão de Inquérito que Nixon costumava gravar todas as conversas que mantinha no gabinete oval.
Evidentemente, Ervin requer oficialmente a entrega das fitas gravadas. Nixon recusa e reafirma em 15 de Agosto: “não só não estava a par do encobrimento, como nem sabia que havia qualquer coisa a encobrir”.
Em 29 de Agosto, o juiz Sirica obriga à entrega de nove fitas. Nixon tenta apresentar “sumários” das conversas e em Outubro um tribunal obriga à entrega das fitas.
Nesse mês de Outubro acontece algo inédito e extraordinário, nos EUA: A pedido da revista Time, num primeiro editorial em 50 anos de existência, o New York Times, o Detroit News e o National Review, pedem a resignação do presidente, o que é aproveitado pelos democratas que iniciam diligências para o processo de destituição.
Em Março de 1974, o grande júri do Watergate acusa sete antigos colaboradores de Nixon, por obstrução à justiça.
As transcrições das gravações, acrescentadas às iniciais, revelam novidades de vulto: Nixon afinal sabia algo do que se passava.
Em 5 de Agosto de 1974, Nixon, forçado pela iminente divulgação das conversas gravadas, admite finalmente o que nunca admitira e sempre negou: que sabia do que se passava, logo no dia 23 de Junho de 1972 e tentou abafar o caso, através de encobrimento criminoso.
Foi à tv nacional e comunicou à Nação a sua resignação. Nunca se arrependeu. Hunter Thompson, da revista Rolling Stone, achava que Nixon era a encarnação do diabo… mas batia com a mão no peito e dizia, “senhor, senhor”…
Para bom entendedor…
Nota complementar:
O noticiário da SIC sobre o caso das habilitações académicas de José Sócrates, aparentemente da responsabilidade de Ricardo Costa, é um caso notável de manipulação.
Citando o jornal Público que hoje refere em primeira página, "não há registo de diplomados em Engenharia pela Independente no ano do curso de Sócrates", Ricardo Costa, tempera o ácido da notícia com um facto não verificado e adiantado na "explicação do Governo". Para além do insólito que representa o facto de ser o governo que "explica" factos que competem a José Sócrates enquanto cidadão explicar, numa confusão de quem não percebe a distinção entre funções, Ricardo Costa, aparentemente, não procurou saber um facto simples: a ausência de registo de diplomados em engenharia, pela UnI, no ano de 1996, abrange também os casos de transferências?
A resposta a essa questão que o Público tenta esclarecer, e de algum modo esclarece, escrevendo que nos demais registos de outras licenciaturas que não a de engenharia, há inclusão dessas transferências, contrariando a lógica da "explicação do governo" ,foi completamente obliterada por Ricardo Costa, o "inoxidável" que deveria ter mais um pouco de vergonha no jornalismo que vai fazendo e menos prosápia quando fala em público.
Sendo a questão simples e tendo algumas horas de novidade, o que é que impediu o inoxidável da SIC, de apurar o facto e noticiar com o rigor exigível a quem costuma dar lições de jornalismo avulsas?
Aparentemente, nada. Com alguma probabilidade, tudo.
As informações relativas ao caso Watergate foram extraídas integralmente de uma única font: A revista Time, de 19.8.1974. As imagens foram copiadas da revista Time de 5 de Novembro de 1973, a qual ainda traz um artigo sem assinatura, sobre o Portugal de Marcelo Caetano, com o título "sonhos desagradáveis", para se referir ao fim da primavera marcelista, tentando explicar as razões para tal. "ninguém de fora da clique dirigente sabe exactamente qual a razão do congelamento da primavera caetanista, mas a congelação começou logo que os liberais começaram a pedir maiores liberdades cívicas e a questionar o empenho de 500 anos, de Portugal às colónias africanas. Portugal gasta 35% a 40% do seu orçamento para combater os "insurgents" em Angola e Moçambique e Guiné portuguesa; através de uma mobilização de quatro anos, manda para as guerras africanas os seus jovens mais promissores", escrevia a Time que então comprei livremente num quiosque. Mesmo com censura...
Publicado por josé 14:07:00
12 Comments:
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Coloco a imagem e não consigo aumentá-la. A primeira já consigo. Ainda não entendo estes segredos do blogger.
O fascismo está perto
O pessoal andava cansado de fazer 4 anos de tropa (2 cá e 2 lá) mas agora não se chateiam de ser emboscados cá...
Desculpe este vício pelos problemas técnicos
ehehe
e parabéns por mais este post
Obrigado pelo esclarecimento, mas continuo sem perceber como é que fiz o upload da primeira imagem como queria e quanto à segunda, tendo-o feito de igual modo, sai como sai.
Mistérios das máquinas.
Eu resolvo a questão alojando as imagens no photobucket numa definição grande (eu pago para aquilo ficar baril, mas mesmo à borla tem alojamento lá) e depois aumento manualmente os pixels.
Beijinhos e boa Páscoa
eheh
Custa assim tanto mudar um títere da sua própria vaidade, por uma vaidoso da sua intelectualidade, mas que tem a modéstia necessária para o ser?
Eu por mim, votava nesse tipo de vaidade.