Passadores de moeda falsa
quarta-feira, março 28, 2007
Um cada vez mais imprescindível Rui Ramos, no exercício de opinião, intelectualiza no Público de hoje, as suas razões para explicar o voto em Salazar no concurso da RTP.
As razões resumem-se a…uma: “a votação envolveu sobretudo os que quiseram que um deles ganhasse ao outro.” Ponto, parágrafo.
E na continuação da explicação do regime de Salazar, escreve: “ Foram décadas onde, em Portugal, se negou o direito de oposição ao governo, a tortura foi um método aceite para a recolha de informações, a imprensa esteve sujeita a censura, e se praticou a discriminação no emprego. “
Tudo isso é certo e sabido. Tudo isso tem sido escrito em manuais escolares, para ensino das crianças e lembrança ao povo. Por isso , a perplexidade continua a ser grande, porque esses horrores não chegam para impressionar o Zé votante que telefona a protestar e isso deveria fazer acender a luzinha da dúvida naquelas cabeças pensadoras que debitam opinião em jornal credenciada por títulos académicos, mesmo de História.
A negação do direito de oposição ao governo, a tortura, a censura e a discriminação no emprego existiram exactamente porquê? O próprio Rui Ramos o escreve e explica: “ Salazar e os seus adversários pensavam em termos de guerra civil”.
Ora quem assim pensa, justifica as suas acções de supressão de direitos e liberdades individuais, para assegurar o bem colectivo que entendem primordial e se a maioria do colectivo aceita as premissas, não sente a perseguição e justifica-a. Seja de um lado; seja de outro.
E para estabelecer esta verdade como aceite, o próprio Rui Ramos continua a sua análise:
“Mas quando vemos que alguns dos que condenam tudo isso no caso do salazarismo são os mesmos que nunca se incomodaram com as mesmas coisas na União Soviética ou em Cuba, percebemos que a indignação que o salazarismo neles provoca não se deve ao horror perante a ditadura, mas antes às causas que, segundo eles, a ditadura terá servido: o capitalismo e a igreja.”
Voilà! Rui Ramos escreve agora no Público, aquilo que até há um certo tempo era impensável escrever noutro jornal para além de O Diabo, um “pasquim” de extrema direita, como ainda hoje é considerado pelos bem pensantes da inteligentsia mediática, toda situada no lado esquerdo da barricada, num fenómeno incrível de arregimentação pela propaganda.
Agora, o que se perfila nesta análise simples e directa, sem rodeios ou contradições, é apenas a especulação sobre os fundamentos da mesma. Foi preciso passar mais de trinta anos para concluir o que era óbvio para alguns, e que por causa disso mesmo foram igualmente censurados pelos directores de jornais, através do método mais subtil da não contratação; da marginalização; da execração pública como “fascistas”. A censura nestes últimos trinta anos, não é um exame prévio ao escrito: passa preferencialmente pela prévia formatação do escriba. A discriminação no emprego que dantes existia como modo negativo de selecção, passou a método positivo, pela contratação afincada e permanente de boys and girls e pela segurança social do cartão partidário.
A tortura dantes existente, deixou de existir como tal. A estátua e os choques eléctricos nas partes, bem como o arremesso para as catacumbas dos tarrafais, acabou, felizmente, porque nunca foi além do sadismo de uns poucos que nem chegaram a ser julgados, tão grandes eram os crimes imputados.
Ficou, porém, a prisão para os fascistas, a censura dos seus livros e a proibição constitucional das organizações com tal ordem nova de ideias, sem que se determinasse o perfil das mesmas, deixando a um tribunal democraticamente constitucional a sua apreciação in casu.
Fascistas, por exemplo e em 1975, eram o Expresso, o Jornal Novo e a Rua, cujo director foi preso. E fascistas eram muitos cidadãos, como por exemplo Artur Agostinho, igualmente preso e destituído de emprego. Quem fala em Artur Agostinho, fala noutros menos conhecidos e notórios.
É essa a razão pela qual Rui Ramos cita Raul Proença num texto de 1926, contrapondo os “bons aos maus” e fazendo o paralelo, “num país em que era preciso censurar para não ser censurado, sanear para não ser saneado, prender para não ser preso. Foi deste país que nos livrámos em 1976”. Livramos?! Isso é que seria preciso demonstrar cabalmente e é dos reflexos dessa luta que ouvimos agora os telefones a tocar.
A História portuguesa dos anos de Salazar, foi apresentada aos portugueses, durante estes anos, como um livro de caricaturas de João Abel Manta: formalmente perfeito; esteticamente belo e de suprema qualidade artística, no grafismo do desenho.
No fundo, porém, o retrato é de uma profunda falsidade, porque se apresenta a caricatura como perfil fiel da realidade e no subtexto da imagem, a mensagem fatal da propaganda, atinada à guerra civil, de luta contra o adversário inventado.
É nessa intertextualidade que se criou uma linguagem específica que abrangeu todos os domínios da vida social e intelectual, do Portugal das últimas décadas.
A identidade do nosso País só será retomada a sério, quando se equilibrar e desbastar essa linguagem escrita, pictórica e impressionista, com as cores de outros lados e visões.
A linguagem dos comunistas e seus compagnons de route socialistas, por uma questão de jeito, trejeito e preconceito, toldou a visão da realidade portuguesa como ela foi, é e será: um misto de tradição antiquíssima, com o modernismo das modas importadas.
Para entender a tradição antiga, dos nossos oitocentos anos de História, é preciso ir ver ao sótão da memória colectiva, vê-la, entendê-la e comunicá-la.
Os salazaristas fizeram-no de um modo particular que afeiçoava certas características de tradição. Os comunistas desfizeram-nas em nome da tradição nova do que estaria para vir e não veio, frustrando as grandes ilusões.
Resta agora, aos que verificam a realidade desta luta civil, desmistificar ideias e preconceitos, retomar o fio da linguagem antiga e mostrar o que já parece notório: o antifascismo é a outra face da moeda do fascismo. Sem um conceito, o outro fenece.
O salazarismo é doutro padrão, já desaparecido de circulação, como moeda velha que era e deve ficar no sótão do Tombo e nas caves das bibliotecas para que os interessados e eruditos possam explicar como foi, para todos perceberem que já não serve.
Confundir moedas, no entanto, é tarefa de charlatães, interessados em passar moeda falsa. E no entanto, é esta que circula como corrente, há mais de trinta anos. Já é tempo de mudar de padrão e o artigo de Rui Ramos é um excelente contributo para a nova moeda.
As razões resumem-se a…uma: “a votação envolveu sobretudo os que quiseram que um deles ganhasse ao outro.” Ponto, parágrafo.
E na continuação da explicação do regime de Salazar, escreve: “ Foram décadas onde, em Portugal, se negou o direito de oposição ao governo, a tortura foi um método aceite para a recolha de informações, a imprensa esteve sujeita a censura, e se praticou a discriminação no emprego. “
Tudo isso é certo e sabido. Tudo isso tem sido escrito em manuais escolares, para ensino das crianças e lembrança ao povo. Por isso , a perplexidade continua a ser grande, porque esses horrores não chegam para impressionar o Zé votante que telefona a protestar e isso deveria fazer acender a luzinha da dúvida naquelas cabeças pensadoras que debitam opinião em jornal credenciada por títulos académicos, mesmo de História.
A negação do direito de oposição ao governo, a tortura, a censura e a discriminação no emprego existiram exactamente porquê? O próprio Rui Ramos o escreve e explica: “ Salazar e os seus adversários pensavam em termos de guerra civil”.
Ora quem assim pensa, justifica as suas acções de supressão de direitos e liberdades individuais, para assegurar o bem colectivo que entendem primordial e se a maioria do colectivo aceita as premissas, não sente a perseguição e justifica-a. Seja de um lado; seja de outro.
E para estabelecer esta verdade como aceite, o próprio Rui Ramos continua a sua análise:
“Mas quando vemos que alguns dos que condenam tudo isso no caso do salazarismo são os mesmos que nunca se incomodaram com as mesmas coisas na União Soviética ou em Cuba, percebemos que a indignação que o salazarismo neles provoca não se deve ao horror perante a ditadura, mas antes às causas que, segundo eles, a ditadura terá servido: o capitalismo e a igreja.”
Voilà! Rui Ramos escreve agora no Público, aquilo que até há um certo tempo era impensável escrever noutro jornal para além de O Diabo, um “pasquim” de extrema direita, como ainda hoje é considerado pelos bem pensantes da inteligentsia mediática, toda situada no lado esquerdo da barricada, num fenómeno incrível de arregimentação pela propaganda.
Agora, o que se perfila nesta análise simples e directa, sem rodeios ou contradições, é apenas a especulação sobre os fundamentos da mesma. Foi preciso passar mais de trinta anos para concluir o que era óbvio para alguns, e que por causa disso mesmo foram igualmente censurados pelos directores de jornais, através do método mais subtil da não contratação; da marginalização; da execração pública como “fascistas”. A censura nestes últimos trinta anos, não é um exame prévio ao escrito: passa preferencialmente pela prévia formatação do escriba. A discriminação no emprego que dantes existia como modo negativo de selecção, passou a método positivo, pela contratação afincada e permanente de boys and girls e pela segurança social do cartão partidário.
A tortura dantes existente, deixou de existir como tal. A estátua e os choques eléctricos nas partes, bem como o arremesso para as catacumbas dos tarrafais, acabou, felizmente, porque nunca foi além do sadismo de uns poucos que nem chegaram a ser julgados, tão grandes eram os crimes imputados.
Ficou, porém, a prisão para os fascistas, a censura dos seus livros e a proibição constitucional das organizações com tal ordem nova de ideias, sem que se determinasse o perfil das mesmas, deixando a um tribunal democraticamente constitucional a sua apreciação in casu.
Fascistas, por exemplo e em 1975, eram o Expresso, o Jornal Novo e a Rua, cujo director foi preso. E fascistas eram muitos cidadãos, como por exemplo Artur Agostinho, igualmente preso e destituído de emprego. Quem fala em Artur Agostinho, fala noutros menos conhecidos e notórios.
É essa a razão pela qual Rui Ramos cita Raul Proença num texto de 1926, contrapondo os “bons aos maus” e fazendo o paralelo, “num país em que era preciso censurar para não ser censurado, sanear para não ser saneado, prender para não ser preso. Foi deste país que nos livrámos em 1976”. Livramos?! Isso é que seria preciso demonstrar cabalmente e é dos reflexos dessa luta que ouvimos agora os telefones a tocar.
A História portuguesa dos anos de Salazar, foi apresentada aos portugueses, durante estes anos, como um livro de caricaturas de João Abel Manta: formalmente perfeito; esteticamente belo e de suprema qualidade artística, no grafismo do desenho.
No fundo, porém, o retrato é de uma profunda falsidade, porque se apresenta a caricatura como perfil fiel da realidade e no subtexto da imagem, a mensagem fatal da propaganda, atinada à guerra civil, de luta contra o adversário inventado.
É nessa intertextualidade que se criou uma linguagem específica que abrangeu todos os domínios da vida social e intelectual, do Portugal das últimas décadas.
A identidade do nosso País só será retomada a sério, quando se equilibrar e desbastar essa linguagem escrita, pictórica e impressionista, com as cores de outros lados e visões.
A linguagem dos comunistas e seus compagnons de route socialistas, por uma questão de jeito, trejeito e preconceito, toldou a visão da realidade portuguesa como ela foi, é e será: um misto de tradição antiquíssima, com o modernismo das modas importadas.
Para entender a tradição antiga, dos nossos oitocentos anos de História, é preciso ir ver ao sótão da memória colectiva, vê-la, entendê-la e comunicá-la.
Os salazaristas fizeram-no de um modo particular que afeiçoava certas características de tradição. Os comunistas desfizeram-nas em nome da tradição nova do que estaria para vir e não veio, frustrando as grandes ilusões.
Resta agora, aos que verificam a realidade desta luta civil, desmistificar ideias e preconceitos, retomar o fio da linguagem antiga e mostrar o que já parece notório: o antifascismo é a outra face da moeda do fascismo. Sem um conceito, o outro fenece.
O salazarismo é doutro padrão, já desaparecido de circulação, como moeda velha que era e deve ficar no sótão do Tombo e nas caves das bibliotecas para que os interessados e eruditos possam explicar como foi, para todos perceberem que já não serve.
Confundir moedas, no entanto, é tarefa de charlatães, interessados em passar moeda falsa. E no entanto, é esta que circula como corrente, há mais de trinta anos. Já é tempo de mudar de padrão e o artigo de Rui Ramos é um excelente contributo para a nova moeda.
Nota: o livro da foto, copiada da net, encontra-se esgotado há muito tempo. E não devia, porque é uma das obras emblemáticas da esquerda comunista não alinhada e com um valor artístico assinalável. A primeira edição, foi publicada pelas edições O Jornal, salvo erro, nos anos setenta e esgotou em pouco tempo. João Abel Manta, foi colaborador na ilustração, de O Jornal e ainda O Jornal de Letras. As suas caricaturas e ilustrações figuram entre as melhores de sempre, de toda a parte. A propósito de ilustração, deve assinalar-se que André Carrilho, ilustrador do DN, tem duas ilustrações publicadas na revista Vanity Fair de Abril de 2007. Parabéns.
Publicado por josé 11:51:00
14 Comments:
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Sobre a Casa da Cerca, não tanto.
Porém, resta uma dúvida: que edição está à venda? É que a da Biblosclube parece ser a original, mas a outra nem tanto.
Que me diz?
A edição dos Museus Municipais de Lisboa, Museu Rafael Bordalo Pinheiro, 1992, tem o título: "JOÃO ABEL MANTA - OBRA GRÁFICA", 340 p., muito completa.
Este museu guarda os originais das "Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar"
A edição da Câmara Municipal de Almada "Casa da Cerca" -Centro de Arte Contemporânea, 1994, serviu de catálogo à exposição cedida pelo museu Rafael Bordalo Pinheiro,ali realizada e reproduz toda a edição do "O Jornal"
Quanto à edição à venda na net pela mostra da capa parece ser a original, mas parece tambem ser uma reprodução das páginas 14 e 15 da edição da Casa da Cerca.
Tenho pena que João Abel Manta não seja um pouco mais conhecido.
Mesmo sendo um comunista à antiga, merece a atenção de quem aprecia o que é qualidade superior, nas artes gráficas.
Lembro-me muito bem de ver o volume original, de 1978. Guardo as caricaturas que foram publicadas no O Jornal e no Jornal de Letras. Na altura não comprei o álbum, porque tinha outras prioridades: acabava de sair a (À Suivre) e havia novidades na bd franco-belga.
Claro que me arrependo, agora.
Muito obrigado pela informação.
Muito bom texto!
Se me permite, uma questão: Qual é o sistema político que protagoniza? Ditadura de esquerda ou direita ou democracia com todas as seus habituais vícios e vicissitudes? Ou nenhum?
É que francamente parece-me um pouco forçado o paralelo entre ditadura de antes e a democracia de agora, se bem o entendi, por muitos que sejam os defeitos desta última. Agora sempre podemos dizer o que pensamos e mudar as moscas de vez em quando.
Também digo.
Mas aplaudo os que fazem jogo limpo, com as regras de sempre: alternância democrática, desapego aos lugares de eleição, gosto pelo serviço público, interesse em escolher os melhores.
Quanto ás linhas, já escrevi que compete à "Administração" resolver o assunto.
"desapego aos lugares de eleição, gosto pelo serviço público, interesse em escolher os melhores"
E isso também não será utópico?
Mas a Utopia tem outras cores. As que gosto mais ainda são essas.
Outros preferem as da igualdade social com a apropriação colectiva dos meios de produção e o controlo dos factores produtivos pela massa operária e camponesa, com vista ao socialismo e ao comunismo final em que haveria a abundância para todos e de tudo, até de inteligência.