Jacobinos apressados

Vital Moreira, hoje no Público, enxundia a História de Portugal com mais uma dose de molho jacobino.
Ditto:
Tratava-se [ com o referendo] também um “teste civilizacional”, entre a prè-modernidade ou a modernidade, entre a confusão ou a separação entre a ordem moral e a ordem penal, entre o império religioso ou o Estado laico. Como explicou, por sua vez, Eduardo Lourenço, estava em causa mais um confronto entre o Portugal rural, católico e conservador e o Portugal urbano, laico e liberal”.
Duas páginas à frente, Mário Pinto, dissolve a análise, com citações de Norberto Bobbio e do Papa Ratzinger para desconjuntar a dicotomia, mostrando outras paragens, vindas da noite dos tempos. Vital é um moderno. Quem não pensa como ele pensa, agora, será pouco menos do que um rural, incivilizado e, está bom de ver, “reaccionário”. A palavra nunca lhe saiu do léxico, embora já não ouse afirmá-la.

Para lhe lembrar o mal que execra, fica aqui a ilustração daquilo que nunca conseguirá apagar: a História. No dia de Natal do ano 800, ainda nem havia lugar de Portucale e já havia um Papa, Leão III, mesmo mal afamado, no Vaticano pontifício, a coroar um imperador, verdadeiro fundador e pai da actual Europa: Carlos Magno, o rei dos francos que se submeteu ao poder papal para obter, paradoxalmente, a plenitude do poder imperial, imitado dos romanos, sobre 15 milhões de pessoas.Passaram mais de mil anos, tempo em que durou este Sacro Imperio romano-germânico. Depois de Carlos Magno veio o feudalismo em todo o esplendor e a Idade Média, dita das trevas, mas que fez de Coimbra o que ela é e permite que alguns sejam. Veio o glorioso Renascimento e as Luzes da ribalta europeia.
A seguir da Revolução em França, veio o jacobinismo revolucionário e repressor para os rurais, religiosos e outros atrasados e que liquidou de vez o que restava dos antigos restos dos rurais, religiosos e atrasados estranhamente associados aos dependentes do rei.
Daí em diante, foi o fartar vilanagem de quem mais pôde matar frades e queimar conventos e livros sagrados, mesmo em modo figurado.
Duzentos anos depois, Vital ainda vive nesse tempo moderno e é por isso que afirma que “desde o tempo da implantação da República que a Igreja Católica não sofria uma derrota política tão profunda”.
Esquece que a tal Igreja foi amplamente perseguida, pelos poderes políticos e vitais de então, nos países eslavos que entregaram o poder no dealbar do séc XX, aos então modernos progressistas revolucionários, adeptos das mais amplas liberdades que sufocaram durante um tempo, sem que Vital se desse conta do logro. Quando deu, já era tarde e a Igreja continuava lá, como sempre esteve, mesmo sem cruzes nas salas, sem procissões nas ruas, sem velas acesas e cânticos públicos e até sem concordata alguma.

Embora seja inútil, talvez seja bom lembrar a Vital que a Igreja passou por aquilo tudo e continua em Roma, com um Papa que mantém a tradição de dois mil anos. O jacobinismo tem duzentos. Tem muito que andar…e é por isso que tem pressa em lançar foguetes.

Aditamento, a propósito de novas ideias:

Hoje, também no Público, Rui Ramos intitula uma crónica assim: "Bem-vindos ao século XIX", para dizer que " As esquerdas em Portugal acreditaram sempre que a "modernidade" consistiria numa simples versão laicista da homogeneidade católica do Antigo Regime: onde antes eram todos "católicos", todos um dia seriam "homens de esquerda" ( inclusivé as mulheres). Foi o que aprenderam com Augusto Compte. O "progresso" iria consistir no triunfo total do secularismo socialista, tal como a história antiga teria consistido na expansão da igreja cristã. As direitas seriam uma espécie de índios americanos, condenados a desaparecer perante as caravanas e comboios da esquerda. Foi assim que Afonso Costa, em 1910 se convenceu que podia acabar com o catolicismo em "duas gerações". O que acontece a seguir é conhecido. Mas, pelos vistos, houve quem não tivesse aprendido nada. As esquerdas portuguesas dão-nos as boas-vindas ao séc. XXI com as ideias do séc. XIX."

É exactamente isto, o problema português da actualidade em que certos pontífices ditam regras morais, cívicas, políticas e estratégicas, influenciando um governo de analfabetos relativos. Basta ver os curricula de quem nos governa e apreciar como pedem pareceres por tudo e por nada.
Por nada, principal e desastrosamente. E quem aparece para dar os pareceres?
Os turbo-jacobinos que se apoderaram do discurso dominante. O melhor exemplo é, claro...Vital Moreira. Pelo que escreve. Pela influência decisiva que excerce e pelo que representa de facciosismo político. Daí que se legitimem as perguntas: quem lhe passou procuração para falar em nome do povo português com oito séculos de História? Foi Afonso Costa em pessoa? Ou a herança jacente dos mata-frades, permite já cantar de galo, numa qualquer conferência de interessados, aos pretendentes do de cujus?

Publicado por josé 00:00:00  

10 Comments:

  1. zazie said...
    Pois é, José, para os jacobinos qualquer pretexto serve. São a nova praga da nossa "modernidade"
    zazie said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    Anónimo said...
    Abortar fetos concebidos irresponsavelmente , com os meios anti-conceptivos e conhecimento hoje existente, colocar a ênfase do empreendedorismo em clinicas abortivas só mesmo de quem recorre aos intintos mais selváticos da população para continuar a ter poder.É das poucas coisas que ainda podem oferecer e das quais alguns vão lucrar...
    E quem escreve isto estatisticamente católico nem é praticante mas apenas com algum bom senso...
    A cambada abortista é a mesma que se queixa da falta de nascimentos que colmata com paquistaneses e africanos...que levam ainda longe das nossas fronteiras o carimbo de "made in portugal"!
    O Micróbio II said...
    O que mais me surpreende é reparar que ainda há gente que se dá ao trabalho de ligar aquilo que o "mórbido" Vital diz... a velhice e os seus sintomas não perdoam: esquecimento, senilidade... enfim, temos de ser pacientes e aturar as histórias que e repetem e repetem e repetem sem qualquer nexo!
    rb said...
    Pastilhas Rennie, também, são muito boas.
    rb said...
    É ou não verdade que a Igreja sofreu uma das suas maiores derrotas políticas de sempre da história de Portugal mais recente?
    É ou não verdade que a Igreja, contrariamente ao que prometeu no inicio, se envolveu, e de que maneira, na campanha pelo 'não', ainda por cima, utilizando métodos que são, no mínimo, pouco ortodoxos para convencer os seus fieis?
    É ou não verdade que se deu mais um passo na laicização do Estado?
    josé said...
    Ricardo Batista:

    Parafraseando o outro que por sua vez parafraseia, direi:

    A questão não é bem essa. O historiador Rui Ramos diz qual é no Público de hoje.

    Merecia destaque nesta Loja, o artigo de hoje. Mas...não tenho tempo.

    Ainda assim, não perde pela demora.
    100anos said...
    Aquilo que Vital Moreira e os seus compagnons de route andam a fazer parece mais ou menos claro.
    Os “socialistas” perderam-se na teia das cumplicidades com o liberalismo e com o capitalismo mais selvagem; não podem por isso agitar as suas bandeiras tradicionais, pois isso seria agredir os amigos de agora, inimigos de ontem.
    Tornam-se cada vez mais populistas e já não recuam perante manobras da mais evidente demagogia.
    Precisam de adversários e de “bêtes noires” para agitar contra eles a populaça, o que é uma forma de ganhar apoios: assumem-se como campeões do “anti-corporativismo” e à pala disso atacam forte e feio médicos, professores, magistrados, funcionários públicos, etc.
    Parece que estão a chegar à conclusão de que a Igreja católica está numa fase débil e por isso atiram-se a ela como gato a bofe.
    Retomam as práticas dos anti-clericais dos inícios do sec. 20, que odiavam a “padralhada” (com algumas boas razões, convenhamos).
    Praticam activamente o divisionismo – dividem as pessoas em categorias e vão individualizando à vez cada uma dessas categorias, como se estivessem na Feira Popular a dar tirinhos em bonequinhos.
    É uma política perigosa, que cedo ou tarde se pode vir a tornar funesta, colocando meio país contra a outra metade.
    É por isso que VM aparece a atacar a Igreja a propósito do aborto.
    Um comissário político serve para isso mesmo.
    jferraz said...
    Na mouche, 100anos! Sintetizou perfeitamente a opinião que tenho sobre a personagem e os respectivos mandantes...
    naoseiquenome usar said...
    :)
    entrando "numa" de dar os Parabéns, e, embora que entenda que toda a gente muda ao longo da vida e que às vezes nem muda assim tanto, mas antes acompanha as mudanças que vão ao encontro do que eventualmente sempre pensou (coisa complicada? :) ... bem, dizia, dou os meus parabéns ao "Mano Pedro"!

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