canto moço
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Os media em geral, no dia de hoje, noticiaram a efeméride dos vinte anos que passaram sobre a morte de José Afonso.
Na rádio, algumas músicas do artista, serviram de banda sonora para textos de circunstância que louvavam sem reservas a figura desaparecida do mestre cantor da revolução de Abril de 1974. Se figura houve, marcante, em termos musicais e de referência artistico-ideológica, para toda a esquerda, desde a revolucionária até à mais moderada, no dealbar do 25 de Abril, essa figura foi a de José Afonso.
Pela sua música extraordinária, no dizer de Bernardo Santareno, ( na apresentação do disco de 1970, Traz outro amigo também) de “pureza na voz, pureza no poema, pureza na música” e de “trova antiga purificada, folclore limpo de excrescências, balada de combate em que a justiça vai de bandeira”, José Afonso, conquistou um lugar altíssimo no olimpo da música nacional, porventura acima do lugar de Amália, na música popular.
E no entanto…alguns discos saídos logo após o 25 de Abril, espalhavam o panfleto revolucionário e esquerdista que não se acantonava a nenhum pcp e encontrava o melhor refúgio nos grupelhos de extrema esquerda ao luar das brigadas revolucionárias.
José Mário Branco e Fausto, com Sérgio Godinho e alguns outros a ajudar.
Na canção “chula da Póvoa” do musicalmente fantástico LP de 1976, Com as minhas Tamanquinhas, José Afonso, canta as desfeitas do capital que parte o coco e ridiculariza um Kissinger e até a social democracia “ de colarinhos à sueca, sempre muito aperaltada”, para além de vituperar o execrado “rei milhão” e aviltar um canalha incógnito que virou social democrata...
Em finais de 1974, era este o panorama que se desenvolveu em crescendo de processo revolucionário até ao 25 de Novembro do ano seguinte.
Que ideias defendia José Afonso, para o Portugal democrático? Indefinidas, mas de precisão esquerdizante e extrema
Após a derrota fragorosa dessa extrema esquerda, nesse dia de Novembro de 1975, muitos recolheram-se e afastaram-se das lides até que em 1980 ressurgiram com a força oculta de uma organização clandestina para derrubar o “rei milhão”, à força do chumbo e da bala. Em meia dúzia de anos, no entanto, a “burguesia” pôs termo à aventura, com a prisão do camarada Otelo e as FP25 de Abril, acabaram de vez com as pretensões revolucionárias dos continuadores de José Afonso, José Mário Branco e os outros que não se declarando em discurso, vão continuando a declarar-se em disco cantado, de vez em quando.
Qual a herança de José Afonso, neste panorama?
Musicalmente, a mais rica que pode haver: umas dezenas de canções riquíssimas de texto, contexto e música. Ideologicamente, a mais errada e derrotada que pode existir. Idealisticamente, porém, permanece a utopia, como herança jacente. Uma herança de anseios de acabar com os pobres e os ricos e alcançar o paraíso terreal, através de métodos já experimentados algures.
Já todos viram ( os que quiseram ver) onde conduziu tal idealismo, mas nem todos se convenceram do resultado funesto.
A homenagem ao artista, situa-se assim, neste contexto. Para muitos, um revivalismo ideológico, assolapado nos antigos ideiais nunca renegados e nunca revistos. Para outros, a memória do tempo que passa e de um grande músico que nos legou uma arte maior.
Nota: A foto, é da capa da revista Mundo da Canção nº 12, de Novembro de 1970. A revista, com o primeiro número saído em Dezembro de 1969, em plena primavera marcelista, publicou nos 11 números anteriores, sempre uma ou duas canções dos discos de José Afonso, saídos até então. Nesse número 12, um dos únicos a cores, na história da revista ( o outro é de 20.12.1871 e tem na capa...José Mário Branco), publicavam-se as letras de Canto Moço e de Maria Faia e o texto de apresentação do disco Traz outro amigo também, de Bernardo Santareno. A revista até ao número 34, de Dezembro de 1972, escapou sempre ao controlo prévio da censura marcelista. Nos seus números foram publicadas quase todas as letras importantes da música de José Afonso, sem censura e antes do 25 de Abril de 1974.
Publicado por josé 22:51:00
E foram eles quem contribuiu em grande parte, para termos na linguagem corrente comum, os conceitos mais arreigados da esquerda, como linguagem de referência, ainda hoje,para definir fenómenos políticos.
No início dos oitenta ( já não lembro se foi em 80 ou 81 ou mesmo antes), encontrei Zeca Afonso no comboio descendente que ia de Vigo ao Porto.
Eu ia para Coimbra e ele seguia numa carruagem de segunda, sozinho e com um saco de livros ao pé. Pedi para sentar e interpelei-o logo a propósito das suas actividades, dizendo-lhe que apreciava a sua música que ouvia constantemente na rádio...Popular de Vigo. Não por cá e não naquela altura de ressaca pós revolucionária que fomentaria o aparecimento em breve, das FP25.
Falamos durante a hora e meia de viagem , sobre música essencialmente. Sobre Fausto cuja Rosalinda se fores à praia, era um must na RPV e sobre o facto de os cantores portugueses passarem mais na rádio espanhola do que na portuguesa.
Lembro ainda o facto de ter dito que apreciava música rock ( na altura ouvia Ry Cooder e Steely Dan) e de o ouvir dizer que deixara de ter interesse nesse tipo de música por lhe parecer uma cópia de coisas passadas e que já tinha ouvido nos anos cinquenta, com Gene Vincent, Elvis e Carl Perkins.
Lembro aqui o episódio, porque admiro o músico e o cantor.
Um homem que mal conseguia esgalhar um acorde na guitarra compôs centenas de canções que nunca mais vão ser esquecidas. Um músico de um talenmto inesgotável, quer como compositor, quer como intérprete. E a voz: cheia, sentida, explicada, afinada, polivalente.
Não é pois por acaso que tantos bons músicos o tenham acompanhado e que tantos outros o interpretem.
Zeca Afonso Sempre!
PS: Estive mesmo para envair-lhe um email, José, pois não queria acreditar que o seu bom gosto musical não se rendesse ao Zeca. Apesar de tudo.
"O que faz falta é animar a malta", entre muitas outras pérolas.
Com arranjos e direcção músical de Fausto e, também, na guitarra acústica e coros; produção de José Nisa e, também, coros; Michel Delaporte, percursões; Vitorino, teclados e voz, Adriano Correia de Oliveira, coros, etc.
Não é preciso dizer mais nada.
Os Lp´s do artista, geralmente têm qualidade muito acima da média, em modo de composição. Mas, em modo de gravação, assim não acontece.
Os álbuns gravados em Paris e Londres, soam bem ( Venham mais cinco , Traz outro amigo também e Coro dos Tribunais ).
Esses três, mais o Enquanto há força, mai-lo Com as minhas tamanquinhas, são o máximo.
No top one, ponho talvez Venham mais cinco, logo seguido, a par, de Enquanto há força, por causa de Ali está o rio e Tinha uma sala mal iluminada, canções perfeitas.
Por vezes penso, o que seria destas canções se tivessem sido compostas com outros instrumentos e com outros arranjos.
Deixo um abraço.
I.