Cabala contínua

O mistério central do processo Casa Pia, sobressalta hoje os leitores dos semanários Sol e Expresso.
Através de declarações de pessoas por dentro dos assuntos, devidamente cifradase à moda do antigo regime, dizem-se coisas que actualmente não podem ser ditas.
Vivemos num regime que teoricamente aboliu a censura mas que permanece censurado na alma ainda jovem e que por isso mesmo, ainda só permite falar por enigmas, com mensagens em entrelinhas para dar a entender o indizível, impronunciável e interdito pelos poderes correntes, censórios, inquisitoriais e de pendor jacobino.
Ora então, seguindo a mesma linha de estilo, com todas as precauções e com o espírito presente de que ninguém é culpado de nada em Portugal, antes de um tribunal o declarar, com o trânsito parado, mesmo que os sinais verdes ou amarelos pisquem intermitentemente e toda a gente perceba o logro do sistema de trânsito que esta gertrudes moderna engendrou.

No Sol, logo na primeira página, o ex- advogado das vítimas da Casa Pia, José António Barreiros, declara que “A História julgará o que ficou por julgar”, com referência directa no mesmo segmento ao facto de ter sido o desaparecimento temporário de um dos jovens – João A.hHoje com 23 anos mas ainda com direito a tratamento por nome fictício e ainda assim, próprio e sem apelido- abusados e que foi acusado de difamação por Jaime Gama, actual presidente do nosso Parlamento, segunda figura do Estado e histórico socialista, em declinação soarista. Qual a difamação que este jovem abusado da Casa Pia, terá cometido na pessoa de tão excelsa personagem?
Implicou Jaime Gama no escândalo de abusos sexuais, assim como, segundo o Sol, teria implicado outros, incluindo dirigentes socialistas. Tal facto valeu-lhe um processo de difamação, agora em curso e na fase de julgamento. Tal como o imputado, presume-se inocente.
José António Barreiros declara ainda que “ A justiça que julgue o que está em julgamento. A História julgará o que ficou por julgar.” E mais à frente, para que não reste qualquer dúvida para bom entendedor, outro advogado das vítimas, Miguel Matias, diz que “ não há divergências em termos de defesa, nem está em causa a credibilidade dos jovens”.
Está tudo dito, desta parte. Vamos a outra.
Na Única do Expresso, Ana Gomes, a sulfurosa activista do PS que incendeia plateias e públicos leitores com declarações extraordinárias, mostrando um lado, sem paralelo conhecido, dos políticos nacionais, dá entrevista e diz coisas ainda mais extraordinárias que as que se conheciam até agora. Esta mulher, é um poço de espantos! Digna companheira de blog dessoutro furo artesiano de ideias jacobinófilas que lidera o apoio ao governo actual, na bancada dos tiffosi sem partido, Ana Gomes, diz com toda a candura: “Todos os meus homens têm de ser heróis”! E continua, a intrépida entrevistada, contando histórias cândidas da adolescência dos namoros( o primeiro namoro foi Nuno Crato, mas também catrapiscou e “pôs a mexer”, outro “ tão bonzinho, tão bonito” só porque não aceitou emparceirar com a rebelde, nas manifs do MRPP) e explicando como descobriu o fantástico MRPP: “ Quando cheguei à faculdade de Direito, andei um mês no “shopping around”, a ver quem eram os gajos ( sic) mais radicais para me juntar. O que me despertou interesse no MRPP foi o humor ( ahahahah!,- não resisto). Avisaram-me que era duro e passados dois meses fui recrutada para os comités de luta anticolonial. Fiz o meu baptismo de rua, à noite a fazer pichagens na zona das Portas do Sol, Cada vez que lá passo ainda vejo a minha marca naquela parede. Foi uma prova de fogo ( ahahahahh!- é irresistível também). A partir daí, estava apta para ir às manifs.
A pessoa que assim se pronuncia, sobre a sua prova de fogo de manifestante pelo regime marxista-leninista-maoista, actualmente no PS mais ortodoxo, social democrata e capitalista, continua depois a explicar a sua particular teoria sobre o que se passou no caso Casa Pia, que envolveu pessoas do PS e por que é que não perdoa a Durão Barroso, a sua não ingerência no caso da Casa Pia. Escutemo-la em voz off:
“ [Durão Barroso, a propósito do caso Casa Pia] portou-se miseravelmente. Não foi um democrata. Acredito que tudo isto foi feito para descredibilizar a Justiça e para desviar as atenções dos verdadeiros responsáveis. Houve um objectivo claro de atacar politicamente aquela direcção do PS. Quando me refiro a Barroso, não estou a dizer, de maneira nenhuma, que esteve implicado nessa urdidura. Apenas não fez nada para a desmontar. Como chefe de um partido democrático devia ter percebido que o que estava em causa era um ataque antidemocrático a outro partido. “ (…)
A minha convicção é de que [a urdidura] partiu de certos sectores da direita ligados a interesses diversos. E não posso excluir que esses interesses também estivessem no PS. Ferro e Pedroso foram transformados em alvos.”
Á pergunta inevitável sobre o porquê, Ana Gomes, especula: “ Talvez porque estivessem muito empenhados em limpar o esquema de financiamento dos partidos. Queriam torná-los muito menos vulneráveis à corrupção”
Pronto! É esta a essência do pensamento da eurodeputada do PS, activista de blogs e antiga militante do MRPP, sobre o caso: houve uma cabala de alguém “ligado à direita”, que pretendeu atingir particularmente os dirigentes do PS, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso que se tornaram os alvos da cabala, com uma motivação à vista dela, a de sapar os esforços denodados destes democratas impolutos para acabar com o esquema de financiamento ilegal dos partidos! Isto, em 2003. Ferro e Pedroso estiveram no governo PS, desde 1995, mas só em 2003 tentaram acabar com o polvo da corrupção...e com isso e por causa disso, foram envolvidos no escândalo ignóbil, sustentado por uns tantos putos sem credibilidade, marionetas de interesses ocultos e ainda por descobrir, mas plenamente conotados pela entrevistada, com pessoas "de direita" e alguns interesses até no PS.
Ana Gomes, não deve escutar o que diz Rui Pereira do mesmo PS, responsável pela área de reformas penais que se seguiram ao escândalo da cabala e que desembocaram em apertadas garantias que protegem cada vez mais os criminosos em detrimento das vítimas em geral. Se escutasse, deveria saber que Rui Pereira que então dirigia o SIS, já declarou publicamente que não acredita em cabalas, ou seja, em urdiduras.

Porém, a questão aqui, neste caso concreto não se trata apenas de analisar o percurso pessoal e político da fantástica Ana Gomes que já defendeu mirabolâncias e continua a surpreender, ainda mais do que o ilhéu Jardim.
Ana Gomes, em cada escrito e em cada entrevista, revela-se na sua extrema candura e também na sua perfeita miopia derivada daquilo que a mesma confessa na entrevista: “as minhas escolhas, regra geral, são puramente emotivas”. A sua história sobre o modo como se tornou militante do PS, com a intervenção de Durão Barroso, vale, só por si, a entrevista. Ana Gomes, para quem não saiba, é diplomata de profissão! Perdoe-se, mas contextualize-se por isso mesmo, as enormidades e as deficiências de análise.Ah! E acrescente-se em modo de epílogo que Ana Gomes, acha que o pior que lhe pode suceder é “ficar em casa a ganhar a porcaria do salário que lá tenho que não chega a dois mil euros, e não me darem nada para fazer”! Esta declaração, só por si, não vale a entrevista, mas vale um descrédito geral, para quem ganha o que ganha, no nosso país.

Perante tudo isto, a questão nuclear , agora, perante as revelações do Sol, demasiado explícitas na entrelinhas, é simples e terá um dia que se resolver a contento, porque a verdade, não costuma ficar por baixo da gordura do azeite e depreza mesmo os azeiteiros, porque sobreleva, ao fim de algum tempo, as baixas pressões de quem a submete e arreata.
Aquilo que deriva claramente do processo Casa Pia, ao contrário do que José António Barreiros pretende dizer, ao remeter para a História o julgamento dos factos conhecidos e apresentados a apreciação judicial e do povo em nome de quem se procura fazer Justiça, é muito simples de entender:
Os Imputados pelos ofendidos conhecidos estão inocentes das acusações formuladas pelos ofendidos, mesmo que não tenham chegado aos tribunais?
E se alguns acreditam nos ofendidos, não sendo tolos ou néscios, ao ponto de se terem feito os inquéritos oficiais, através dos meios de prova admissíveis e legais e com a publicidade indesejável mas inevitável, como compreender que os imputados, mesmo presumidos inocentes, como o serão sempre enquanto não julgados, permaneçam em cargos públicos, com apoio de partidos democráticos, numa sociedade democrática em que os cargos são necessariamente temporários, precários e essencialmente de serviço público? Incompreensível, num país que se reclama europeu e que nenhum país verdadeiramente europeu, toleraria. Ainda mais se tivermos em conta que estes factos, originaram mudanças legislativas altamente suspeitas de favorecer a impunidade a potenciais réplicas e castradoras de potencialidades legais para decoberta das verdades criminosas.
No fundo dos fundos, só eles, ofendidos, cúmplices e acusados, saberão se as acusações são verdadeiras. Mas precisamente por essa dificuldade de prova, deveria existir neste caso concreto, o cuidado e a prudência em limpar completamente o ar que se respira, deixando-o livre de suspeitas, mesmo infundadas, como podem bem ser. O exercício da política, não exige o sacrifício de valores, como o que se verificou, para se salvar a carreira pessoal e de bem-bom, de uns tantos. O resultado, ainda se está para ver, mas sendo a verdade imiscível, ver-se-á, fatalmente, à tona do ar do tempo.
Apesar de tudo o que se passou, a suspeita grave, densa e que continua a pairar no ar pesado do tempo que corre, é a de que personalidades evidentes de um partido político, com responsabilidades sérias no processo político que nos conduziu à democracia, estão envolvidos, envolvendo o partido até ao seu tutano dirigente, no escândalo que continua. E continua a fazer como as avestruzes, persistindo na negação de qualquer comportamento menos digno e continuando a promover suspeitas. A credulidade das Anas Gomes, com as suas incríveis argumentações, ajuda ao encobrimento, porque prescinde de qualquer indagação efectiva, em nome da credulidade afectiva.

E aqui reside o nó górdio do processo Casa Pia: até quando vai continuar o mistério? Resolver-se-á, nos tempos mais próximos? Valerá alguma coisa a palavra dos ofendidos contra a dos implicados? Valerá alguma coisa a denúncia de quem, por acreditar nos ofendidos, exige reparação pública? Será a palavra dos implicados a verdade que se estabelecerá? E será essa a Verdade correspondente ao que se passou na realidade?
Quem não sabe as respostas, limita-se a perguntar, tal como agora faço e sempre fiz, alinhando as perguntas ao sabor das notícias que vão saindo para o público. Para quem cultive a dúvida metódica de questionar certezas obtidas através de aparências, como procuro fazer, a única atitude que parece correcta, será a de continuar a perguntar e a esperar respostas, mesmo que algumas certezas sejam já possíveis.
Uma delas, é a de que os implicados relacionados com a política, reforçam a sua alegada inocência com a continuação da indigitação para cargos públicos, como se nada tivesse acontecido, tudo fosse uma cabala e portanto, reforçam a sua inocência com a reafirmação de confianças políticas e a perseguição, até criminal, a quem disso discorda, pública e democraticamente.
O poder de intimidação, para quem se exprime contra este modo de proceder em política, é ignóbil, mas continua sem denúncia de outros poderes que nada vêem para além do formalismo respeitável da abstracção.
Herman José, um dos implicados, ilibados no processo por vícios processuais, e segundo entendo, um dos mais dignos neste processo todo, declarou há pouco tempo a uma revista ( Focus ) que a “situação [do processo Casa Pia] ficará esclarecida quando se souber a verdade. E isso é algo que ainda está longe de acontever. Vai saber-se inevitavelmente, uma vez que não se consegue guardar mentiras”. “Daqui a uns anos. Não tenho dúvida nenhuma”.

Vamos a ver, como diria o cego?

Publicado por josé 15:21:00  

5 Comments:

  1. Anónimo said...
    Nós ainda vamos pagar com os nossos miseráveis 2000 euros por mês a "reparação" dos "falsamente" acusados por falsos? acusadores/vítimas já com indemnização estatal... grande teta a do estado não?
    Maria said...
    Este post é muito esclarecedor quanto à personalidade de Ana Gomes. Não há dúvida nenhuma que é uma pessoa muito superficial e algo desiquilibrada.
    Maria said...
    José,
    Veja só isto, no DN de hoje referindo-se ao caso do abuso sexual da menina "Pelo crime de abusos sexual de crianças, agravado pelo facto de a menor ser sua filha, foi aplicada a Sérgio uma pena de seis anos" (fora outras penas). Quanto à mãe da menina "Já a mãe foi absolvida da acusação de abuso sexual e foi condenada a quatro anos e seis meses pelo crime de omissão"

    Agora compare-se com a pena de seis anos que o Sargento Luis Gomes levou. Aquela mãe que sabia dos maus tratos da filha e não quis saber de nada, ainda leva uma pena inferior à do sargento. Quando sair da cadeia vai poder exercer novamente o poder maternal. E a inibição do poder paternal é apenas por 10 anos, quando deveria ser a vida inteira. Mas afinal em que sistema é que vivemos que não sabemos proteger as nossas crianças? Isto parece um pesadelo completo.
    António Balbino Caldeira said...
    Meu Amigo

    Houvesse mais gente com a coragem da sua consciência moral e Portugal seria mesmo - assim, é apenas - a pena nossa! -, "este País".

    O Egipto do bloguista punido por delito de opinião fica bastante mais perto do que a miragem da democracia usurpada pelo poder que nos abusa.

    Não é possível suportar sem o grito da consciência moral, o Horror e a indignidade do Estado, a limitação da liberdade e a entorse da democracia, que a ditadura socialista protege e executa.

    Para seu mal, para o bem de todos, a luta justa continua. E, Do Portugal Profundo, estarei consigo para o que for preciso.
    josé said...
    Sniper:

    Obrigado, mas...jornalista é profissão que agora me parece pouco convidativa. Há pior, no entanto. Por exemplo, tanatologista...

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