As mudanças no Público

O Público mudou. O grafismo, a arrumação das colunas das letras, a dimensão das imagens e a colocação dos assuntos, modificaram-se. Está melhor, tudo isso, e merece parabéns o autor da mudança.
Porém, como ontem escrevia, há um problema editorial grave, no sector das notícias judiciárias.
Nenhum grafismo inovador, poderá trazer mudança significativa e positiva, a um conteúdo pobre em ideias e fraco em análise. Se ainda por cima se revelar errado e preconceituoso, nada mudará de substancial no P, como nada mudou no Público.
Hoje, assinado por Paula Torres de Carvalho, uma notícia da pág. 18, intitula-se “Supremo da Noruega critica justiça portuguesa”. O título diz o que o editor do jornal quer: a justiça portuguesa é uma merda que até criticada é pela justiça norueguesa. É essa a mensagem editorial que é lida com chamada na última página, com um título mais específico: “Portugal-Justiça criticada pelo Supremo norueguês em acção de poder paternal”.

Ao ler destas manchas, mesmo coloridas a vermelho e laranja, fica uma interrogação imediata: quem é que ensinou estes editores a fazer títulos? O novo jornalismo, parece-me. Não o de Tom Wolfe ou o de Hunter Thompson que escreviam com base em factos confirmados, pondo opinião por cima, mas com o grano salis do sentido de humor e da genialidade na linguagem escrita. Não. Este é um subproduto e como tal, merece a crítica do consumidor avulso.
Ao ler o conteúdo da notícia que dá por assente que a Justiça portuguesa é criticada pelo Supremo norueguês, algumas frases merecem atenção, mas antes explique-se a essência do problema:
Um casal de estrangeiros ( ele holandês; ela norueguesa), com dois filhos menores e residentes em Portugal, em Setembro de 2003 desentenderam-se e a mulher requereu em tribunal português, a regulação do poder paternal ( a notícia diz “requereu a custódia dos filhos(…) após ter decidido separar-se do pai deles”). A decisão do tribunal português, em 19 de Fevereiro de 2004, foi provisória e atribuiu a guarda dos menores à mãe, até ao julgamento. Esse julgamento, segundo a notícia, foi marcado para 4 Setembro 2006 ( “três anos depois da entrada do primeiro requerimento”, segundo o Público que acrescenta que “a segunda sessão realizou-se na terça-feira passada, ficando marcada nova audiência para 27 de Março” )
A seguir, o Público escreve assim: “Impaciente ( adjectivo da autoria da jornalista), Kristin Granvist, já requerera, em 2005, a abertura do processo na Noruega, o que foi negado, já que o caso estava num tribunal português”. O processo da noruega ficou suspenso a aguardar o desfecho do português e mediante insistência da requerente, foiu novamente aberto, com a contestação do pai dos menores que entendia dever aguardar pela decisão em Portugal. O Supremo norueguês, deu razão à requerente com argumentos, aparentemente de celeridade.
É este o sumo da notícia e o sumário da mesma, permite concluir aos (ir)responsáveis editoriais do P. que o Supremo norueguês criticou a Justiça portuguesa.
Slavo o devido respeito, pelas opiniões em forma de notícia dos editorialistas do P. não é assim. Ou antes, e antes de saber mais, pode muito bem não ser assim. E como pode não ser, não devia ser. Então, porque é? É isso que passarei a fundamentar, conduzindo à conclusão inevitável e possível que podendo também não ser, pode muito bem ser igualmente criticada. Mas fica aqui, não se vai vender em forma de papel para o público desprevenido ler.
A notícia do P. diz que se trata de um processo de regulação do poder paternal. Como os especialistas em direito judiciário do P. já deveriam saber há muito ( pelo menos desde o caso Esmeralda), um processo desses tem natureza de jurisdição voluntária. A lei - Código de Processo Civil- diz o que são e significam estes processos:
ARTIGO 1409º CPC
(Regras do processo)
1. São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos
302º a 304º.
2. O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
3. As sentenças são proferidas no prazo de 15 dias.
4. Nos processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso.
ARTIGO 1410º
(Critério de julgamento)
Nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
ARTIGO 1411º
(Valor das resoluções)
1. Nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
2. Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


Assim, não é um processo como os demais cíveis, em que as obrigações de apresentação dos factos ao juiz, o chamado impulso processual, depende essencialmente das partes em litígio e permite-se neste tipo de processos, que o juiz intervenha activa e oficiosamente, supra partes, para conseguir o objectivo principal que é alcançar uma decisão de acordo com os interesses das crianças. Que interesses serão esses, num processo desta natureza? Obviamente, sofrerem o menos possível por causa da separação dos pais.
Como é que funciona um processo destes em Portugal?
A notícia do P. o diz: em 19 de Fevereiro de 2004, o tribunal de Cascais, decidiu provisoriamente atribuir a guarda dos menores à mãe, o que permite concluir que não houve um acordo total entre os pais, nessa conferência. Porém, essa decisão, segundo a lei portuguesa, aplica-se imediatamente, até que se efectue o julgamento e aí se decida novamente. Os requeridos no processo ( os pais dos menores) ficam notificados para apresentarem as suas alegações por escrito, com as suas razões de fundo para fazerem valer as suas pretensões e o juiz e o MP ficam também habilitados a solicitar a entidades extra-processuais, designadamente organismos da Segurança Social, relatórios, estudos e pareceres técnicos sobre o caso. Isto normalmente demora uns meses, ou semanas, na melhor das hipóteses. Estamos porém, num caso em que a mãe reside na Noruega, o que implica atrasos de comunicação inevitáveis. No entanto, o regime provisório fixado continua a vigorar.
Segundo a notícia, o pai dos menores, em data que a jornalista do P. não refere ( e é importante referir esse facto), num momento em que tinha os menores consigo, certamente no exercício do direito de visita, ausentou-se com os mesmos para local desconhecido de Espanha, durante oito meses. Fê-lo, segundo o P. porque a mãe dos menores também tinha faltado ao cumprimento da decisão sobre visitas ( “Estava tudo combinado para ir com os meninos à festa dos 87 anos do meu pai, na Holanda. Já tinha os bilhetes na mão. Ela não mandou os miúdos”).

Ou seja, no processo em causa, devem já existir apensos relativos aos incidentes de incumprimento de um e outro pai. Devem existir relatórios de entidades oficiais e não só. A este propósito, pode especular-se ( já que o P. não informa e nem procurou saber), sobre a dificuldade em obter relatórios das entidades oficiais da Noruega, a propósito dos menores nesse país e das condições da mãe para os ter à sua guarda. No final de contas, o pai, parece reivindicar essa guarda e o tribunal terá todo o direito e interesse, que neste caso é essencial, em apurar as condições de vida de um e outro progenitor, para se decidir pela regulação definitiva em julgamento
Neste contexto, a notícia do P. é uma pura especulação sobre uma decisão do Supremo da Noruega que omite factos e elementos essenciais do processo; não faz qualquer paralelo entre as legislações de ambos os países; não mostra ao público leitor, as diversas fases processuais nem explica sequer o que significa, e nem informa correctamente sobre todo o caso, omitindo informação relevante e que deve constar do processo de Cascais. Seria nestes casos, exemplares que os tribunais visados, deveriam responder logo. Hoje, portanto e em comunicado para todo o público saber se o P. informou ou desinformou.
A notícia do P. particularmente os títulos editoriais, fixam apenas um pormenor: "O Supremo da Noruega critica justiça portuguesa”. Pormenor que tem um efeito seguro: a continuada descredibilização do poder judicial português e que o P. paulatinamente tem levado a cabo, por patente ignorância e eventualmente, por vezes, notória má-fé. Triste, portante e sem consequências, como se vê.
Cada um que tire agora as suas conclusões, sobre a qualidade de jornalismo do novo P.
Lembram-se do Libé? O destino será o mesmo, fatalmente…

Nota: Texto original alterado, para acrescento do segmento legal e afinações.

Publicado por josé 10:23:00  

2 Comments:

  1. rb said...
    Só uma questão:
    O problema da desinformação, dos grandes título que depois se resumem a um nada, será só da edição dos casos judiciais? O mal parece-me geral, e não é só no público. Parece-me.
    Fliscorno said...
    Achei o seu texto interessante, em particular pelo desenvolvimento da sua ideia chave "Nenhum grafismo inovador, poderá trazer mudança significativa e positiva, a um conteúdo pobre em ideias e fraco em análise".
    Sobre o novo grafismo propriamente dito, em muitas páginas, 75% da área é ocupada pela foto do artigo. Só me ocorre pensar que quem tem pouco para escrever, .... escreve menos. No editorial do Público sobre o novo jornal é dito "A pressa da vida moderna nem sempre tolera espaço e tempo para o prazer de ler jornais." Com efeito, com as enormes fotografias e a cores, o jornal desfolha-se mais do que se lê, tornando-se compatível com essa pretensa vida moderna em que não há tempo para ler nem para pensar. Realmente, não vejo que mais valias traz a nova cara.

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