A suspensão de Luisão
segunda-feira, janeiro 15, 2007
Em primeiro lugar, os factos noticiados e básicos.
Na noite de Sexta-Feira, o jogador de futebol, Luisão, foi interceptado pela PSP, numa operação Stop, em Lisboa. Foi então submetido a um teste de alcoolemia no sangue, tendo acusado 1,44 g/l . Tal valor, porque superior a 1,20 g/l, significava a prática de um crime.
Devido a esse facto, foi detido e conduzido a uma esquadra. Aí, uma segunda análise, acusou um valor de 1,33 g/l.
Até aqui, os factos parecem não oferecer dúvidas. Depois disto, já não se percebe com clareza total o que aconteceu.
Vejamos então, como é dada a informação em Portugal num assunto aparentemente tão anódino como seja a detenção e apresentação de alguém à instância judicial para apreciação de um crime de pequena gravidade, como é o da condução sob efeito de álcool e que todos os dias obriga muitas pessoas a contactarem com os tribunais criminais, pela primeira vez na vida, daí saindo com a condenação em penas geralmente de multa e com a carta apreendida durante meses.
Vejamos como é que os nossos media entendem este assunto e o explicam ao público.
O Jornal de Notícias:
“(…)de manhã, apresentou-se no Tribunal de Pequena Instância Criminal. O procurador do Ministério Público decidiu aplicar a suspensão provisória do processo o defesa ficou com a carta de condução mas não se livrou da obrigação de ter de cumprir 40 horas de serviço comunitário.”
O Correio da Manhã:
“Depois de ser ouvido em Tribunal, logo de manhã, o brasileiro livrou-se das penas citadas, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 40 horas de trabalho comunitário, por se tratar de uma figura pública sem antecedentes criminais. O CM apurou junto de fonte ligada ao processo, que foi o Ministério Público a propor a Luisão este expediente, ao abrigo de uma norma do Código do Processo Penal, segundo a qual a multa e a inibição de condução podem ser convertidas em serviços úteis à comunidade, em especial quando se trata de figuras com especial relevância social”
Rádio Renascença:
“ Luisão terá agora de cumprir 40 horas de serviço comunitário, ficando com as restantes medidas suspensas por decisão do juiz”.
O Jogo:
“Já acompanhado pelo responsável do departamento jurídico benfiquista, Andrade e Sousa, e pelo assessor da SAD, Lourenço Coelho, o camisola 4 apresentou-se, pelas 10h00, no TPCI, e deixou estas instalações três horas mais tarde – em direcção à Caixa Futebol Campus –, depois de o juiz Hugo Campanela lhe ter proposto a suspensão do processo”
TSF:
“O defesa central do Benfica Luisão, detido na madrugada desta sexta-feira, por conduzir com excesso de álcool, foi condenado a 40 horas de trabalho comunitário, pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.”
Através desta pequena resenha noticiosa, a que se pode juntar um melhor esclarecimento do Portugal Diário, pode ficar desde já claro que os media em geral não compreendem a dimensão, o alcance e os procedimentos legais, do nosso sistema de justiça numa ssunto tão simples e básico como é o da apresentação de um detido a tribunal para apreciação de determinada conduta. Aliás, parece que ninguém se importa demasiado com o assunto, pois a informação que se veicula é errónea, desvirtuada e simplificada, contentando-se com meras aparências e dispensando o rigor exigível nestas matérias- como noutras, aliás.
Foi noticiado que o jogador se apresentou no dia seguinte, Sábado pela manhã, em tribunal – o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.
Como se poderá compreender e explicar tal facto relativo à detenção de uma pessoa pela prática de um crime verificado, como é o caso da condução sob efeito de álcool? Pela leitura dos artigos 381 e 382º do C.P.P. percebe-se tudo o que há a perceber neste caso, mesmo que fiquem alguns aspectos sem resposta e que precisariam de explicação mais detalhada ( porque é que se detém alguém e em que circunstâncias e quem o pode fazer, por exemplo).
Assim, nestes casos de crimes que podem ser julgados em processo sumário ( que tenham sido detidos em flagrante delito e que as penas sejam até três anos de prisão, a detenção tenha sido realizada pela polícia ou autoridade judiciária ( juiz ou MP) e o julgamento possa realizar-se nas 48 horas seguintes, sob a epígrafe “Apresentação ao M.P. e a julgamento”, o artº 382 diz:
1 - A autoridade judiciária, se não for o Ministério Público, ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção apresentam o detido, imediatamente ou no mais curto prazo possível, ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento.
2 - O Ministério Público, depois de interrogar sumariamente o arguido, se o julgar conveniente, apresenta-o imediatamente, ou no mais curto prazo possível, ao tribunal competente para o julgamento.
3 - Se o Ministério Público tiver razões para crer que os prazos de julgamento em processo sumário não poderão ser respeitados, determina a tramitação sob outra forma processual.
4 - No caso referido no número anterior, o Ministério Público liberta imediatamente o arguido, sujeitando-o, se disso for caso, a termo de identidade e residência, ou apresenta-o ao juiz para efeitos de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.
Além disso, como compreender que ao jogador tenha sido aplicada uma “pena” ou uma “medida” de prestação de trabalho a favor da comunidade, com a "suspensão provisória do processo". Pior ainda: como será possível compreender a confusão entre os papéis que são atribuídos ao juiz do julgamento, ao juiz de instrução e ao próprio Ministério Público? Ainda pior: como é que alguns media referem a condenação; outros a aplicação da medida que já estará em vigor e outros ainda que faltará ser ratificada pelo juiz de instrução?
Há, de facto, nestas matérias muita confusão e desconhecimento que precisa de ser alterada, sob pena de não podermos confiar naquilo que vamos lendo.
As notícias que focam o assunto, não esclarecem quem decidiu e –pior ainda!- se tal já foi mesmo decidido!
O que pode então acontecer, nestes casos?
Várias coisas e que estão previstas na lei.
1. O julgamento em processo sumário, imediato, pelo juiz criminal e com assistência do MP.
2. A decisão proferida na hora, pelo juiz de julgamento, eventualmente condenação numa pena de prisão ou multa e ainda a aplicação da pena acessória, que no caso seria a medida de inibição de conduzir, no mínimo de três meses ( e talvez o máximo porque a infracção situa-se muito próxiam do limite mínimo que é de 1,22 g/l). A lei, neste caso, seria o Código Penal, nos artigos 292º e 69º.
Porém, outra situação que não o julgamento, se afigura possível, agora( desde 1988!), através do institudo da suspensão provisória do processo, pela aplicação da norma do artº 384º do C.P.P. e que admite a aplicação, neste tipo de processo sumário, desse instituto que reflecte um princípio de oportunidade em direito penal, (tal como na América…).
Não obstante, a autoridade com competência para aplicar tal decisão é o…MP, com a concordância do Juiz de Instrução.
No caso concreto que poderá então ter acontecido? Especulemos, como os media o fazem:
O processo de inquérito, uma vez instaurado nos serviços do MP, através da participação da PSP( que aliás deve ser imediatamente comunicada) , foi sujeito a despacho do magistrado do MP, de serviço, eventualmente, no Sábado. E nesse despacho foi apreciada a eventualidade de poder ser aplicado o tal instituto da suspensão provisória.
Mas para aplicar tal medida, teria que se ouvir o próprio arguido, pelo que se admite que tenha sido ele mesmo a requerê-la. E teria que se averiguar se o mesmo não teria antecedentes criminais, o que pode ser possível através do sistema de informação dos tribunais, conhecido como Habilus. Teria que se apreciar a conduta do mesmo arguido e fundamentar o despacho, concluindo-se o mesmo com a injunção proposta e que poderia ser a que foi aventada – prestação de trabalho em favor da comunidade.
Será que tudo isto se fez durante a manhã de Sábado? E será que foi o próprio juiz de julgamento do eventual sumário que não chegou a existir, quem decidiu já e concordou com a medida aplicada pelo MP?
Não se sabe e as informações são contraditórias, o que além de ser lamentável permitiu que durante o fim de semana se especulasse nos media e na rua, sobre o “exemplo” dado por uma futebolista famoso que é apanhado a conduzir com álcool e vai para casa, “condenado” “por um juiz e num tribunal”, numa “pena” de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Até quando se continuará a ler, ouvir e ver notícias destas, assim transmitidas sem o mínimo rigor exigível a quem faz da informação uma profissão? E com os prejuízos inerentes a uma melhor opinião pública?
Publicado por josé 12:21:00
O Estado já aceitou como penhora valores de papéis sem valor julgados como acções (com valor nominal de 1000 escudos), para efeitos de branquear crime fiscal que até levaria a despromoção.
Resta saber se até no tempo de Salazar isto seria assim, como todos acreditamos que sim...
Quanto ao jornalismo e a melhor informação, obrigado pela lição mas já me dispenso de ler/ouvir as notícias/fontes.
De todo o modo entendo que o Ministério Público devia usar com mais frequência esta faculdade-a suspensão provisória do processo- e outras, óbviamente ponderando caso a caso, e a plicando injunções e regras de conduta... talvez assim a Justiça fosse mais célere... e não fosse necessário Unidades para a Reforma etc...
Um Abraço
A gravidade do crime, é dada pela moldura da lei que o tipifica: prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.
É sensivelmente a mesma que corresponde à condução sem cartão, de uma motorizada ou a desobediência ( se não for qualificada).
A violação do segredo de justiça até é punida com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias- tal e qual como a condução de um veículo automóvel ou um motociclo, sem carta.
Logo, a gravidade do crime, para o legislador do Código Penal, é mínima. A mais mínima, aliás. Abaixo dela, só o crime de difamação ( 6 meses de prisão ou multa até 240 dias) ou a injúria ( 3 meses de prisão ou multa até 120 dias),no caso de tais crimes não serem agravados.
Por outro lado, o postal está um pouco mal escrito ( foi escrito á pressa) e tem alguns parágrafos longos demais.
Quanto à possibilidade de aplicação da medida de suspensão provisória do processo, isso depende do MP, pois o instituto foi introduzido no processo penal português como uma inovação e uma afloração do princípio da oportunidade ( também o plea bargaining do direito anglo-saxónico).
Se pouco uso dele fazem, isso é de facto um problema. Mas há quem faça...em casos como os de jogo ilegal, condução ilegal, desobediência e também nos casos de...maus tratos a cônjuge, porque este crime agora é público e não admite desistência de queixa.
Eu também escrevi umas tortuosas linhas, á pressa!Advogar é o meu munus! A area de que mais gosto é a Penal!
Abraço