Poderei protestar?

O procurador-geral da República na qualidade de presidente do Conselho Superior do Ministério Público, foi ouvido nesta quarta-feira, na Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República.
Aí, na sequência de uma interpelação de uma deputada, cujo nome fixei como se chamando Catarina, e que referiu expressamente a existência de queixas contra blogs, produziu afirmações que precisam de um esclarecimento público, porque foram produzidas em público.
Disse que “os blogs são uma vergonha” e ainda disse que pedia para “não lhe trazerem blogs”, para além de uma expressão equívoca sobre a indignidade do exercício de um direito relativo a quem escreve em blogs, segundo entendi e interpretei.

Como Pinto Monteiro, actual PGR, confessadamente, não lê blogs, será talvez conveniente explicar a quem se encontra na sua posição de desconhecimento de uma nova realidade, algo sobre os blogs e o que significam no actual contexto em que vivemos, no regime democrático que todos afeiçoamos. Tudo com a esperança que isto possa ler, para uma melhor compreensão e ultrapassagem de um aparente equívoco.

Os blogs são um meio de expressão de opiniões; de transmissão pública de informações e uma espécie de diário, para quem assim o desejar. Quem quiser, sabendo um módico de informática, (que se resume à habilidade em saber navegar na internet e que qualquer criança, hoje em dia, domina), “abre” um blog, gratuitamente, alojado num serviço que os disponibiliza já com os respectivos templates, ou modelos de configuração estética pré-definida e pode começar imediatamente a escrever, a colocar textos e assinalar ligações a outros blogs e sítios no espaço virtual.
Esta liberdade e facilidade de acesso de qualquer pessoa interessada, a um meio de comunicação deste género, motivou o aparecimento, em Portugal e no mundo, de milhões de blogs. Milhares em Portugal, cada vez mais e para todos os gostos.
Há blogs temáticos e generalistas ; blogs animados por vários indivíduos e blogs individuais. Blogs solipsistas e blogs de intervenção política , de políticos, para-políticos e para políticos. Blogs de reflexão social, de sociais democratas, socialistas, comunistas, esquerdistas extremados e direitistas arrimados. Blogs da situação e da oposição. Blogs em que se escreve sobre n´importe quoi e blogs em que não importa para nada o que lá se escreve, a não ser ao próprio que refaz o ego na escrita.
Nesta diversidade, incluem-se ainda blogs animados por profissionais da comunicação social e outros de profissionais do direito, da medicina, das artes, das letras, da crítica e da propaganda. Entre blogs de gastronomia e outros de astronomia, há uma panóplia de interesses que sobrepujam na chamada blogosfera. Em todo o mundo.Cada vez mais.
Nas últimas eleições, apareceram blogs dedicados à propaganda de cada um dos candidatos presidenciais. A Assembleia da República ensaiou uma experiência de blog. Os jornais mais conhecidos e notáveis alimentam blogs e algumas personalidades publicamente reconhecidas pelos escritos de coluna em jornal e intervenção cívica, assinam textos em blogs, assimilando as novas tendências da expressão pública.

Nesta expansão da expressão da liberdade individual, forçoso será concluir e compreender que se gerem, aqui e ali, aflorações de libertinagem e de excessos de linguagem, críticas infundadas e manifestações de ignorância e estupidez.
Nos blogs, como nos media tradicionais, a necessidade de correcção segundo as normas de conduta legalmente estabelecidas, não pode nem deve ser arrasado, nivelando todos os blogs como sendo “uma vergonha”, como o actual Procurador Geral o fez nas declarações que prestou perante a Comissão de Assuntos Constitucionais.
Aniquilar genericamente, um meio de expressão novo e inovador, sobraçando críticas alheias a certos textos, julgados incómodos e demasiado libertinos no exercício desse direito de expressão em liberdade, parece insensato.
É verdade que certos escritos que se podem ler em blgos, sobre certos assuntos e que incomodam certos indivíduos, acomodados a uma inexistência de críticas públicas e por vezes aceradas, às suas actuaçõs públicas, são, por sua vez, alvo de crítica acesa dos visados. O anonimato, por vezes meramente relativo e em modo de pseudónimo de quem escreve, constitui o meio mais “irregular”, de ataque e de defesa, de quem escreve. Porém, o anonimato na escrita em blogs, é sempre relativo, o que deslegitima quem pretende acicatar polémicas, assimilando a escrita “anónima” dos blogs, aos pasquins de antigamente, esses sim!, completamente anónimos e destinados à denúncia cobarde de putativos desmandos ou comportamentos entendidos como eticamente reprováveis.

Assim, a questão fulcral que se pode, legitima e singelamente colocar, será esta:
qual o limite do exercício de crítica e de opinião, num país saído há pouco mais de trinta anos de um regime de censura e de limitação séria da liberdade de expressão individual, publicamente assegurada?
Que limites se concedem ao exercício do direito de crítica, nos países que gostamos de imitar, até nas leis que vamos fazendo?
Poderão os blogs , no exercício desse direito de crítica, situar-se num meio insindicável de responsabildiade ilimitada?
Sendo óbvia a resposta negativa, haverá então que encontrar o ponto de equilíbrio entre essa faculdade legítima do direito à crítica pública, de quem nos governa e institucionaliza o nosso estado de direito, e a correspondente aspiração ao bom nome individual e institucional dos visados.
É quanto a esse ponto de equilíbrio que os equívocos surgem e as intolerâncias prosperam.
Para alguns, o direito à crítica deve ser o mais amplo possível e limitado apenas pelo direito criminal atinente às ofensas à honra e consideração; sendo certo que a latitude deste direito, para uns, chega ao equador; para outros, não passa do trópico mais próximo.
Frequentemente, os mesmos que se indignam com os escritos “abjectos” de anónimos que os atingem, fustigam sem qualquer rebuço, vilipendiando impunemente, pessoas e instituições tanto ou mais dignas que eles.
Alguns comentadores de jornal, rádio e tv, garantiram um estatuto de impunidade opinativa que não admitem nem respeitam em mais ninguém, insurgindo-se violentamente quando atingidos com o mesmo vitríolo que destilam noutros, mesmo que o façam de uma forma que apenas serve para melhor mascarar o conteúdo.
Sendo assim, como se estabelece então aquele equilíbrio desejável e necessário?
É na definição desses valores e dessas regras que gostaríamos de ver um Procurador Geral pronunciar-se, numa Comissão Constitucional, a propósito de uma questão dessas.
Infelizmente, não foi assim que o ouvimos.
Mesmo que a intenção tenha sido a melhor e dentro dos parâmetros assinalados, a extrapolação contextual não permite o benefício de grandes dúvidas.
Aqui fica, por isso, enquanto escriba de blogs, o meu veemente protesto e a minha crítica directa, frontal e sem meias palavras, ressalvando ainda assim, o devido respeito que me merece e à instituição que representa .
Assino-a com o meu nome próprio, como costumo fazer.
Não sou anónimo, porque deixo sempre a possibilidade de me identificar, caso seja necessário.
José.
e-mail- jmvc@sapo.pt

Publicado por josé 00:01:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    Não estou a ver a originalidade.
    Ainda há uns anos vários artistas da política vangloriavam-se de não usarem telemóveis. O Paulo Portas no Independente vangloriava-se de não utilizar computador.
    Hoje quando qualquer CEO ou político (estrangeiro) utiliza o blog para dialogar com os seus eleitores é perfeitamente natural que em Portugal qualquer parolo ache que isso não passe de uma "modernice" sem "representatividade".
    naoseiquenome usar said...
    (confesse lá: hoje concordaria com o que disse JPP na quadratura do círculo - iliteracia!)
    António Balbino Caldeira said...
    Caro José

    O conceito do olimpismo do Pacheco Pereira deve ser isto de ignorar completamente as afirmações do procurador. Pelo silêncio universal parece que mais do que irrelevantes, elas nem sequer existiram!... E o que não existe não pode ser repetido ou comentado.

    Deve ser esta a tal capacidade especial para lidar com os media que a nterior procurador não tinha e que terá sido um dos motivos da escolha deste pelo Governo - e assentimento pelo PR...
    Anónimo said...
    Penso que, dado o vazio de conteúdo do infeliz comentário do PGR, nem deveríamos gastar tempo a responder e a comentar.
    De qualquer das formas, subscrevo-o caro José.

    http://legalices.blogspot.com/

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