O envelope de pandora

Do Portugal Diário, no Inquérito parlamentar sobre o mítico envelope que já fez correr rios de tinta:
"A funcionária da PT Ana Paula Santos afirmou hoje na comissão de inquérito sobre o «Envelope 9» que qualquer pessoa na empresa tinha acesso à conta Estado e que não havia procedimentos específicos para tratar esses dados, noticia a Lusa". (...)
"No seu depoimento, Ana Paula Santos revelou que não havia procedimentos específicos nem nenhum cuidado especial na PT em tratar os dados da conta Estado e que estes estavam acessíveis «a qualquer pessoa através da linha de rede».

Bem, agora só falta saber o seguinte:
Quem é que legislou sobre esta matéria e governou com poderes executivos que lhes permitiriam modificar a lei que impediria a “qualquer pessoa” aceder aos dados da conta Estado?

A pergunta coloca-se agora, devido à elevação das apostas que certos parlamentares puseram na mesa da Assembleia. Jorge Sampaio, há poucos minutos, na RTP1, numa entrevista a Judite de Sousa, acaba de dizer que espera saber como é que tudo isto foi possível…pois é, o ex-presidente, coitado, ainda não sabe.

Afinal, de quem será mesmo a responsabilidade directa desta aparente balda que os escandalizou e que serviu para vilipendiar pessoas e instituições, tomadas como patetas e irresponsáveis, com destaque para o ex- PGR, humilhado pelo próprio grupo parlamentar do PS, na AR deste país?

Com a net, chegamos lá num instantinho. Aqui, pode ler-se tudo o que interessa:
Artigo 6.º da Lei 69/1998, sobre dados pessoais nas telecomunicações:
Dados de tráfego e de facturação
1- Os dados do tráfego relativos aos utilizadores e assinantes tratados para estabelecer chamadas e armazenados pelo operador de uma rede pública de telecomunicações ou pelo prestador de um serviço de telecomunicações acessível ao público devem ser apagadas ou tornados anónimos após a conclusão da chamada.
2- Para finalidade de facturação dos assinantes e dos pagamentos das interligações podem ser tratados os seguintes dados:
a) Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante;
b) Número total de unidades a cobrar para o período de contagem, bem como o tipo, hora de início e duração das chamadas efectuadas ou o volume de dados transmitidos;
c) Data da chamada ou serviço e número chamado;
d) Outras informações relativas a pagamentos, tais como pagamentos adiantados, pagamentos a prestações, cortes de ligação e avisos.
3- O tratamento referido no número anterior apenas é lícito até final do período durante o qual a factura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.
4- Para efeitos de comercialização dos seus próprios serviços de telecomunicações, o prestador de um serviço de telecomunicações acessível ao público pode tratar os dados referidos no n.º 2 se o assinante tiver dado o seu consentimento.
5- O tratamento dos dados referentes ao tráfego e à facturação deve ser limitado ao pessoal dos operadores das redes públicas de telecomunicações ou dos prestadores de serviços de telecomunicações acessíveis ao público encarregados da facturação ou da gestão do tráfego, da informação e assistência a clientes, da detecção de fraudes e da comercialização dos próprios serviços de telecomunicações do prestador e deve ser limitado ao que for estritamente necessário para efeitos das referidas actividades.
6- O disposto nos números anteriores não prejudica o direito de as autoridades competentes serem informadas dos dados relativos à facturação ou ao tráfego nos termos da legislação aplicável, para efeitos da resolução de litígios, em especial os litígios relativos às interligações ou à facturação.

E mais abaixo, pode ler-se isto que define quem aprovou tal legislação:

Aprovada em 1 de Outubro de 1998. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos. Promulgada em 13 de Outubro de 1998. Publique-se. O Presidente da República, JORGE SAMPAIO. Referendada em 16 de Outubro de 1998. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

Percorrendo esta lei nº 69/98 de 28 de Outubro, nada se encontra que possa prevenir o que ocorreu. De quem, a falta? Da União Europeia? É bem possível: a lei transpõe a Directiva n.º 97/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997...
Esta lei esteve em vigor até 19.8.2004, sendo substituida pela lei 41/2004, a qual também transpõe uma directiva da União.

Em 2003, foram publicadas as bases de concessão do serviço público da PT. O Estado comprometeu a empresa, segundo o artº 13 do D.L. 31/03 de 17.2. a prestações gratuitas diversas. Por exemplo:
1 - Fica a concessionária obrigada a assegurar, gratuitamente, aos utilizadores finais as seguintes prestações: (…)
2 - Para além do disposto no número anterior, fica a concessionária obrigada a prestar gratuitamente os serviços de telecomunicações de uso público objecto da concessão ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao Presidente do Tribunal Constitucional, ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, ao Presidente do Tribunal de Contas, aos membros do Governo, ao Procurador-Geral da República e ao Provedor de Justiça.


Então, agora, descalcem a bota. Uma grande bota, de facto. Jorge Sampaio usa botas, como o outro?
Às vezes, parece.

Publicado por josé 21:38:00  

4 Comments:

  1. António Balbino Caldeira said...
    A cabala descabelada. Quanto mais se mexe, mais aparece a negligência. E, no entanto, continuam a teimar na tese da cabala...

    Estou em crer que ainda vão concluir que foi a cabala que violou as crianças e adolescentes da Casa Pia.
    josé said...
    O que me espanta nisto tudo é a reacção de um grupúsculo partidário, antes da extrema esquerda, hoje da esquerda modernaça que não se sabe bem o que é. Falo do BE e da sua aparente obstinação em levar por diante este processo inquisitório contra o anterior PGR.
    Por diversas vezes os dirigentes do BE se manifestaram contra o mesmo, exigindo a sua demissão. Por diversas vezes apoiaram outros que o exigiram.
    Alguns dos seus próceres escreveram prosas inflamadas de injúrias contra o anterior PGR e algumas vezes ouvi estupefacto declarações de Louçã sobre esta matéria. Aquando da audição de SOuto Moura no Parlamento, a figura triste da deputada Ana Drago causou-me alguma comiseração perante as respostas de SM às suas perguntas denotadoras de quem sabe quase nada do assunto e mesmo assim alvitra palpites grandiloquentes sobre direitos liberdades e garantias.

    Tudo isto me parece uma espécie de ópera bufa em que os truões se escondem por trás de cortinas.

    Quem serão eles?
    zazie said...
    pois é, pois é... quem serão eles?...
    rb said...
    De facto este caso é só normalidades. Era normal o juíz de instrução delegar no procurador as suas competências. Era normal o procurador dar ordens à PT para que satisfizessem qualquer pedido de factura detalhada, sem autorização judiciária caso a caso. Era normal a PT começar a preparar ficheiros informáticos antes de oficialmente os mesmos lhe terem sido pedidos. Era normal um jurista da PT, deslocar-se ao DIAP para, pessoalmente (!!!), entregar uma disquete ao procurador. E agora também era procedimento normalíssimo a PT enviar para os tribunais não só as facturas que lhe eram pedidas como também, por atacado, a de vários outros clientes da PT, que neste caso eram só o PR e outras figuras de Estado.
    Enfim, tudo normal e afinal a culpa disto tudo foi do Sampaio. Genial!

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