Clima de medo (III) - Notcías de um País sob segredo de Justiça
quarta-feira, janeiro 24, 2007
Deixo aqui dois exemplos de notícias num País em que o segredo de justiça fosse cumprido escrupulosamente. Vamos pegar nas buscas à Câmara de Lisboa.
Numa primeira fase do cumprimento escrupuloso seria assim:
A Polícia Judiciária realizou ontem uma diligência externa no âmbito de um inquérito que corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A diligência incidiu sobre uma das maiores autarquias de Portugal. Os inspectores procuraram recolher documentos que dissessem directamente ou indirectamente respeito à factualidade expressa nos autos que ainda se encontram em segredo de justiça.
Por tudo isto, o leitor apenas poderá saber o que se passa caso o processo seja arquivado (e passados por prazos legais para abertura de instrução e o prazo para reclamação hierárquica) que tanto poderá ser daqui a seis meses como daqui a dois anos. Ou, se algum arguido for acusado formalmente e não requeira que o processo se mantenha em segredo de justiça. Se o acusado requerer a manutenção do segredo, só após a instrução é que o processo deixa de estar em segredo de justiça. Portanto, caro leitor, não desespere. A paciência é uma virtude, um dia saberá.
Depois de consolidada a primeira fase, as coisas seria assim (como, porventura, muita gente gostava):
Ao contrário do que a oposição ao Estado quis fazer passar, a presença de inspectores da Polícia Judicária na Câmara de Lisboa não teve nada a ver com qualquer investigação em curso. Tratou-se de uma reunião de trabalho entre duas entidades que, dentro das suas competências, perseguem o mesmo fim: o combate à corrupção. Um fenómeno inexistente no nosso País, mas que requer sempre uma vigilância sistemática como forma de prevenção.
Da presença de magistrados do Ministério Público na tal reunião não se pode inferir outra coisa senão a participação activa daquela magistratura na prevenção de fenómenos criminais, como já se referiu, inexistente em Portugal. Cumpre esclarecer, que após a reunião na autarquia, dois dos senhores vereadores, democraticamente eleitos pelo povo, fizeram questão de levar a PJ e o MP às respectivas residências. Nas quais, após uma intensa reunião de trabalho na autarquia, desfrutaram de largos minutos de troca de descanso e convívio. Nada mais.
Entretanto, o Instituto Nacional de Metereologia prevê para hoje "Céu pouco nublado ou limpo, tornando-se em geral muito nublado nas regiões a norte do sistema montanhoso Montejunto-Estrela a partir do início da tarde". Aproveite para dar um passeio em família e levar as crianças à Serra da Estrela
Publicado por Carlos 13:53:00
Permita-me agora algumas questões problematizantes, formuladas em abstracto, sobre situações desse tipo:
- Se, por hipótese, se concluir (daqui a n anos...) pela inexistência de qualquer ilícito, que boa justificação haverá para a suspeição que desde já foi lançada sobre cidadãos que a Constituição manda presumir inocentes?
- Se algum elemento divulgado prejudicar (quiçá irremediavelmente) o sucesso das investigações, vale a pena pagar esse preço?
- Este tipo de divulgação, à margem da lei, presta-se, ou não, a servir eventuais manipulações politicas (que o jornalista nem sempre pode aferir)?
- Há algum interesse público (não "do" público) suficientemente relevante e imediato que justifique, excepcionalmente,no caso concrerto, que o jornalista, no cumprimento de um superior dever de informar, não respeite as exigências da investigação criminal e da presunção de inocência? Se há, deve ou não explicitá-lo nas peças, para que a sua conduta seja - também ela - escrutinada?
- Se o critério é o do mero "interesse jornalistico" (decidido pelos próprios?), porque não informar (quando possível) antecipadamente que a diligência se vai realizar (por acaso, já aconteceu...) e, com as conivências necessárias, reproduzir os documentos apreendidos e publicar imagens das buscas obtidas clandestinamente?
Enfim, creia que não quero polemizar. Reconheço que o mundo não é a preto e branco e admito que haja situações de excepção. O problema é que neste momento, nos media, as excepções se tornaram regra e já se dispensa qualquer esforço de justificação. O que é preocupante, vindo de um Poder que cada vez menos é escrutinado e que continua a fazer gala em rejeitar os normais mecanismos de sancionamento disciplinar das infracções deontológicas.
Creia, também, que é por prezar tanto a imprensa livre e o seu papel insubstituível que certas derivas me incomodam.
Tou com um dia cheio..Mas prometo responder ao seu comentário
Um abraço