20 anos depois

Figueiredo Dias, agora reformado das lides académicas, mas ainda assim uma espécie de decano dos nossos mestres de Direito Penal, presidente da Comissão Revisora do Código de Processo Penal de 1987 e, portanto, responsável primeiro pela sua concepção, ( não gosta que lhe chamem pai do coiso), pronunciou-se novamente, em público, na passada quinta-feira, em Braga, sobre o ambiente judiciário.
Disse, em poucas mas incisivas palavras, que o Código que mostrou à luz, “falhou na sua aplicação”, tendo ainda falhado as revisões que se lhe sobrepuseram, incluindo a próxima, que se segue à de 1998.
Para Figueiredo Dias, o paradigma, vinte anos depois, já não serve.
Este discurso derrotista soa a desencanto que já perdura há alguns anos. Em 4.1.2004, ao DN, confessava-se “desiludido” e até “ingénuo”! “Que ingénuo fui! Pensei que o CPP ajudaria a instauração de uma nova cultura judiciária- mais dinâmica, menos burocratizada, mais progressista. Não tenho remédio senão reconhecer que as minhas previsões falharam no essencial. Tudo continua na mesma, se não estiver pior. Os operadores judiciários – que seriam, para além dos cidadãos, os mais directos beneficiários – sáo, talvez, os que maior resistência têm revelado às mudanças. Também contra isto a lei, esta ou outra, nada pode fazer.”
O articulista Licínio Lima do DN, escrevia que “para o professor de Coimbra, a “crise da justiça” resulta, sobretudo, da resistência às mudanças, não se inibindo de apontar o dedo, em primeiro lugar, aos operadores judiciários. Há também uma deficiente formação profissional que conduz à má aplicação das regras e das leis, garante.” E tal questão só poderia resolver-se, segundo o mestre, com “diálogo e consenso entre políticos e profissionais do foro”. Sem isso, nada feito.
Desde finais de 2003 até agora, passaram três anos.. O tal “diálogo” redentor, deu no que temos visto: nessa renovação, há muitas obras embargadas, parafraseando a dicção de José Afonso. De quem, a responsabilidade pela crispação, clima de afrontamento e desconfiança? Será preciso responder? E no entanto, o ministro, mantém-se à tona dos problemas, como novos associados e renovação cosmética.

Em 1999, no final do séc XX, em entrevista ao O Diabo de 12.1.1999, Figueiredo Dias, já tinha falado sobre o mesmo tema. Quando o articulista João Naia lhe perguntou se a crise se devia aos agentes da Justiça, respondeu: “ A crise, tem necessariamente alguma coisa a ver com os agentes da Justiça, mas nem sequer é o essencial, embora todos os agentes devam ter uma atitude diferente. Eu diria que é um problema de concepção das coisas.” Colocado perante o problema da legitimação dos agentes da Justiça, afirmou: “O que náo dá de certeza legitimação é o diploma da Faculdade de Direito ou o da frequência de um curso. Para mim, isso é que está ligado à verdadeira crise da Justiça neste fim de milénio”.
Chamado a pronunciar-se sobre o modelo de magistraturas e separação das mesmas, afirmou: “O modelo de repartição de competências entre magistrados judiciais e do MP é o melhor que se pode ter, é o que eu defendo. Como é o modelo do relacionamento entre o MP e as polícias.”
Depois, sobre a segurança nas decisões judiciais: “ Por causa das constantes mexidas legislativas, a justiça com que o cidadão pode contar é uma justiça muito pouco segura. Atrevo-me mesmo a dizer queos níveis de segurança estão abaixo da média europeia.

Em 27 de Janeiro de 2004, Costa Andrade, professor na mesma faculdade de Direito de Coimbra, colega de Figueiredo Dias e actual eminência do direito penal, dizia ao mesmo jornal: “Os políticos são os responsáveis primeiros pelo estado da Justiça em Portugal.” Em Novembro desse ano, ao mesmo jornal, o mesmíssimo professor, alargava o leque das imputações:
Todos têm culpa da imagem actual da Justiça. Não há inocentes em Portugal nesta matéria. Os agentes, os políticos, os mediadores ( a comunicação social) e inclusivé nós, os professores universitários, provavelmente não teorizamos o suficiente, não doutrinamos, não fazemos comentários, não damos aos práticos a ajuda que seria de esperar de uma Faculdade de Direito”.

De 1999 a 2007 já lá vão oito anos. De 1987, vinte. Nada mudou de substancial, excepto numa pequena coisa que poucos se dão conta: o tempo que passou. Nesse intervalo, quem ensinou nas faculdades de Direito, fê-lo do mesmo modo, sempre seguindo a carreira do costume: licenciatura, boa média final, assistente, doutoramento e o que "vem de trás, toca-se para a frente". Os livros teóricos são os mesmos. Os exemplos, quase. Os professores de nome no manual, numa boa parte, os mesmos e com os mesmos mestres.

Mesmo assim, o resultado está à vista: a culpa disto tudo, desta choldra na Justiça, é …dos aplicadores, magistrados ignorantes que são.
Quem os ensinou?!

Este pequeno texto é uma espécie de resposta a uma pequena provocação de um assistente de Direito na Universidade do Minho e num curso que há vinte anos nem existia: a Escola de Direito da U.Minho, de Braga.
A referida escola tem ainda cursos avançados de curta duração sobre Direito Judiciário e ainda sobre Direito das crianças e jovens.
A escola de Coimbra também ensina certas matérias em pós-graduações rentáveis, leccionadas ao abrigo de protocolos entre Associações que funcionam nas prórpias instalaçóes universitárias públicas.
Que tem adiantado tanto curso e tanta preparação teórica, se o que temos visto, agora apreciado superiormente pelo decano dos professores universitários de direito penal, é afinal…um rotundo falhanço?!

Publicado por josé 23:48:00  

2 Comments:

  1. naoseiquenome usar said...
    A escola de Braga também tem um programa para doutoramentos em Medicina, destinados a alunos que ainda não completaram a licenciatura e a interrompem para o efeito. Parece absurdo, não é?

    Terapêutica: bom-senso!
    james said...
    Independentemente das escolas, "eles" são sempre os mesmos e os seus "seguidores" pouco ou nada inovaram...

    E quando inovam, é o que se vê... (estou-me a lembrar da Lei Tutelar Educativa, por exemplo)

    Estou mesmo em crer que o estudo do Direito em Portugal é como se tratasse do estudo de uma língua morta...

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