Memórias ram...ificadas

O que é um tribunal plenário?
As memórias no Público:
1. Nuno Pacheco (editorialista): “ (…)na verdade, tratava-se de instituição policial disfarçada de fórum justicialista”
2. Pacheco Pereira ( cronista) : “uma das faces mais repelentes e indignas , para não usar outras palavras do regime ditatorial e a que mais escapou à reposição da justiça- a dos juízes do regime. Protegidos pela corporação (…) escaparam do opróbrio público que a sua actuação exigia”.

Este tipo de linguagem, apanágio de uma certa esquerda, só tem paralelo nestoutra: "25 de Abril, sempre. Fascismo, nunca mais."

Como me parece mesmo um problema semântico, vou tentar mostrar a génese do fenómeno no espaço curto de um postal.

Começo com a cópia de uma notícia do Diário Popular de 9.11.1971, em plena primavera marcelista e quando o actual socialista, prof. Veiga Simão, antigo ministro de Guterres, era ministro da Educação do regime de Caetano, com grande destaque e sucesso, aliás, na renovação da respectiva política, nesse mesmo ano.Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, começou a movimentação de vários interessados em prol da reforma judiciária. O sindicato dos magistrados do MP formou-se a partir de reuniões, em Outubro de 1974, no tribunal da Boa-Hora. Os juízes, de igual forma, discutiram os estatutos da sua futura Associação ( nunca quiseram o nome de sindicato) também, como se pode ler na cópia da notícia do Expresso de 10.8.1974.Nesse ano, Cunha Rodrigues, elaborou um magnífico estudo que ainda hoje se pode ler ( Revista do MPº nº 95,Jul/Set. 2003), em que defende a estrutua básica do Ministério Público actual, em Portugal e contextualizava as razões da sua autonomia face ao poder polítito e independência face aos juízes. É fácil de compreender o desejo de autonomia de um MP que se encontrava até ao 25 de Abril, na dependência do Executivo.

No que respeita aos chamados tribunais plenários, talvez seja útil ver e ler o que significaram e como surgiram.
Para tal, deixa-se uma cópia de duas páginas do Estatuto Judiciário, de 1962, para se poder ter uma ideia da estrutura do poder judicial, antes de 25 de Abril de 1974 e como se entendia este poder do Estado. É aí que se definem os “tribunais plenários”, que são tribunais criminais, a funcionar em Lisboa e Porto, funcionando em plenário, para julgar determinado tipo de crimes, como sejam os “contra a segurança exterior ou interior do Estado e crimes de responsabilidade ministerial”, por exemplo, mas também outros.

Por outro lado, o estatuto Judiciário, aprovado sob a luz da Constituição de 1933, atribuía aos juízes a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade. Tal como agora.
Então, para quê, este ressurgimento memorialista, centrado na placa nos tribunais, onde funcionaram os tribunais criminais em plenário?
Para que não se esqueça a ditadura e o tempo de “resistência ao arbítrio”. Arbítrio?
Então, tal como Pacheco Pereira sugere no mesmo artigo, “não lembrem só uma parte da memória”!

Recue-se ao tempo e após devida documentação, fale-se ou editorialize-se.

Logo a seguir a 25 de Abril, uma das actividades mais notórias dos “antifascistas”, foi a caça ao pide. Literalmente. Mesmo assim, foram poucos, os caçados. Após o 28 de Setembro de 1974, uma leva de detenções de reaccionários perigosos, acalmou um pouco os ânimos. O jornal Sempre Fixe, chegou a pôr a lista na primeira página.
No entanto, nos meses a seguir ao 25 de Abril, sucederam-se as comissões de extinção e saneamento. A Comissão de Extinção da Pide-Dgs, em Junho andava a bom ritmo, como se pode ler nesta cópia do Expresso de 22 Junho 1974 que também relata o bom ritmo a que andava o “saneamento na administração municipal” ( só 3% dos presidentes de Câmara do antigo regime foram reconduzidos). Em 20 de Setembro do ano seguinte, o mesmo jornal noticiava que afinal, fora mandado instaurar um inquério à Comissão ( por pressão do PS que eventualmente se recusaria a integrar o novo governo, o VI Provisório, se tal não sucedesse) por causa de “desvio de documentos pelo tenente Judas, membro do Conselho da Revolução, com o propósito de exercer chantagem sobre figuras políticas.”
Em 28 de Setembro de 1974, o Expresso noticiava numa pequena coluna na pág. 2 que dois antigos adjuntos do PGR, estavam a ser alvo de inquérito “pela sua actuação anterior a 25 de Abril. "Essa decisão partira da Comissão de Saneamento do Ministério da Justiça e merecera aprovação do respectivo ministro. Do mesmo modo, o juiz presidente do Plenário da Boa-Hora, estava também submetido a inquérito , extensível a outros magistraods que aí prestaram serviço.Quer então dizer que aquilo que agora se pretende rememoriar, já foi afinal lembrado na altura. Que resultou daí? Pouco interessa aos actuais comentadores de regime. O que interessa é “não apagar a memória” que eles pretendem ter dos factos.
Contudo, a memória não selectiva, também nos traz outros factos, dignos de realce para que aquela memória se contextualize e esclareça os desmemoriados, néscios e ignorantes.
Em 24 de Agosto de 1974, o mesmo Expresso titulava assim: “Onde reside o poder em Portugal?”Ora, no miolo da notícia aparecia o MFA. “No princípio era o MFA”. O Copcon de Otelo. A Junta de Salvação Nacional. Os três partidos maiores ( PCP, PSP, e PPD, por esta ordem a que se juntava o MDP-CDE), lidavam com o MFA. O Expresso dirigido por Balsemão, dizia assim: “à míngua de critérios democráticos pacíficos para se saber quem realmente manda em Portugal, pode suceder que as várias forças em presença tenham a tentação ( perigosa) de apurar o poder real por meios militares. Para já afigura-se-nos pouco provável essa hipótese”. Pois…o 28 de Setembro foi dali a um mês e o 11 de Março de 1975 ainda vinha longe e ainda mais o 25 de Novembro do mesmo ano.

Contudo, as forças em causa, dispunham-se à luta…ideológica.
No campo judicial, também. Por exemplo, um certo Manuel Roque, membro da comissão organizadora do congresso de delegados de procurador da República, dizia em 14.11.74, à Vida Mundial , a propósito da repristinação do tribunal de júri, discutida na altura, que “combato toda a organização judiciária actual” e ainda “ (…) terá necessariamente de haver, um saneamento de todos os magistrados comprometidos com o fascismo(…).Provavelmente será essa nostalgia, desses saneamentos frustrados, que hoje atenaza muitos dos que querem repescar memórias. Depois dos acontecimentos do 25 de Novembro e das listas e das sevícias e dos relatórios e das amnistias e das FP´s e das redes bombistas e de tudo o que fez a nossa história recente, lembraram-se agora de repescar a memórias dos tribunais criminais em plenário! Não está mal lembrado, mas lembremo-nos também de tudo o resto.
Aliás, o que se torna sumamente interessante nesta rememorialização selectiva, é a desvantagem competitiva desse tipo de memória, comparada com outras que o tempo conservou em arquivos de jornal .
Por exemplo, quando se confronta um qualquer militante em prol da memória em placa, com o passado real da sua própria militância política, a memória esbate-se e esfuma-se em justificações de pecadilhos de juventude. São muitos e bons os exemplos. O mais peculiar e divertido é este:

Assim, o que parece relevar de toda esta polémica, é sempre o mesmo problema semântico que contende com o uso da linguagem.
O PCP e as auto intituladas, forças antifascistas, apropriaram o uso de certos termos infamantes que lograram introduzir no léxico geral dos escritos em jornal e de divulgação amplificadas nos media em geral. Fascismo, reaccionário, burguês, nosso povo, forças progressistas, forças democráticas, classes, pides, repressão, etc e agora “tribunais plenários”, assumem significados particulares, para um efeito certo: o domínio da linguagem e dos conceitos que se torna essencial para manter um poder político-ideológico. Esse poder, no entanto, está perdido noutros campos…daí a importância fulcral em manter a novilíngua viva e rememoriada se necessário.
Assim, não é toda a verdade que importa, nem o seu cortejo de contextos e nuances, mas apenas uma parte dela, a instrumental e a que interessa: aquela que confere audiência a uma ideologia falida. É este o problema.
Outro, bem visível e dele recorrente, assenta numa verificação particular. O escritor Fernando Dacosta, apresentou recentemente um livro sobre “As máscaras de Salazar”. A propósito do seu lançamento declarou que os portugueses ainda não fizeram o luto por Salazar, como não fieram por Alcácer Quibir, pela Inquisição e pela guerra colonial.
Vivemos por isso de mitos e lendas. E a linguagem ajuda, plenamente.

Publicado por josé 23:47:00  

36 Comments:

  1. FM said...
    Parabens Jose, o botas não diria melhor.
    Mas valerá a pena tentar branquear um "tribunal" que só servia para combater quem enfrentava o regime repressivo saído do 28 de Maio?
    Valerá a pena tentar limpar "juizes" de independencia mais que questionável?
    josé said...
    Não se trata de branquear coisíssima alguma.

    Trata-se de perceber por outras palavras - e a meu ver mais certas- como é que funcionava e para quem funcionava.

    Já sabemos de há muito como é a cassete do costume. Então, para quê, continuar a comprar pilhas?

    A análise do que foram os plenários, não se pode desligar da análise do que foram outras estruturas repressivas od regime ditatorial de Salazar/Caetano.

    O que se torna inadmissível e desonesto é dizer o que os Pachecos disseram.
    josé said...
    E querer sindicar a honra e a "consciência" de magistrados, após mais de trinta anos, significa o quê, exactamente?
    Que nos autorizam a sindicar a honra e a "consciência" de quem apoiou e lutou pela implantação de regimes e estruturas repressivas infinitamente mais violentos?

    É isso? Então em que ficamos quando um Bernardino Soares diz que a Coreira do Norte é um país democrático?
    E quanto ao estalinismo patenteado por Jeréonimo e companhia?
    zazie said...
    Ai os símbolos postiços...
    que maravilha de post

    "O carrapito da Dona Órora era postiço e ninguém sabia"

    ";O))
    josé said...
    Então,clique na página da Lamy para ver quem está...ali.
    zazie said...
    Já vi, já vi. E lembro-me bem disso
    ":O)))

    Este arquivo do José é espantoso.
    Só de pensar que o meu irmão deitou fora o dele...
    FM said...
    Não quero polemizar muito porque não me parece o sitio certo.
    Em resumo só me apetece contrapor a esse seu desejo de ignorar os actos dos magistrados colaboracionistas: "honra e glória aos que não colaboraram na infâmia".
    Mas também não me parece muito curial da sua parte o efeito ventoinha que parece querer obter - deixe o Bernardino e o amor deste pelo país do Kim Il Sung, os estalinistas, os Titistas e outros istas do género. Só servem para desviar a questão: branquear ou não os tais "juizes" do plenário. E neste campo eu não ia muito mais longe do que "a História não os absolverá" independentemente das placas na boa hora...
    josé said...
    Meu caro acasus:


    Também eu subscrevo essa da honra e glória aos que não colaboraram na infâmia. Mas...qual infâmia?

    Pense um pouco antes de o dizer, se entender por bem.

    Até amanhã.
    Miguel Abrantes said...
    Para o José os crimes do Estado Novo nunca existiram. Prontos!
    É possível conversar assim? Não é! O diálogo assim transforma-se em dois monólogos, em que um fala em espanhol e o outro responde em alemão.
    Só uma nota final: uma magistratura que pensa como o José é perigosa.
    Guantamano também nunca existiu, dirão os Josés lá do sítio...
    josé said...
    Ó Miguel Abrantes! Você, nestas coisas revela-se mesmo obtuso, caramba!
    Ó homem! Leia com olhos de ler e se quiser eu deixo aqui escrito para todos lerem que nunca fui salazarista, caetanista, fascista ou coisa que o valha! Nem comunista, socialista ou democrata cristão. E talvez nem social democrata, o que afinal penso agora que serei, embora não desta social democracia tipo PSD.
    Que quer que lhe diga mais? Que gosto de pensar pela minha tola? Então, está dito.
    Em 1974, tinha 17 anos e sei muito bem o que se passou porque o vivi e guardei as memórias todas. Todas mesmo, excepto as daqueles que nunca as escreveram.

    É por isso que me permito

    Vou tentar, ainda hoje, escrever algo mais sobre o assunto. Vou citar, a meu favor, Eduardo Lourenço, veja lá! E João Bénard da Costa e também João Medina.

    A ver se consigo levar a tarefa a bom porto, porque efectivamente este é um tema que me atormenta de há trinta anos para cá.
    A minha terapia, faço-a por isso aqui e deste modo...
    josé said...
    E depois V. insiste em escrever e associar-me á magistratura naquilo que escrevo por aqui.

    Dou de barato que já é uma obsessão sua e por isso nem vou preocupar-me muito mais com isso.

    Mas menciono então que leia o que dizia o Manuel Roque, magistrado do MP na época (sabe o que é feito dele?) e o que diziam todo um sindicato do MP com muito e bons juízes actuais ( quase toda a actual secção criminal do Supremo, in fact...).

    Quer melhor exemplo do tal "perigo" de que fala?

    Repito o que lhe disse: V. às vezes revela uma obtusidade desnecessária e que só o diminui.
    FM said...
    Caro José,
    Infamia. Chamo infâmia ver juizes prestarem-se ao papel que os tribunais plenários lhes reservavam: o de meros serventuários de um sistema repressivo e injusto. Chamo infamia ver juizes saberem isso e até se oferecerem para esse papel.
    Chamo infamia eles saberem e nada dizerem. O silêncio era infamante, as atitudes eram infamantes. E o regime só durou 48 anos porque houve muita gente assim, juizes incluidos.
    josé said...
    "meros serventuários de um sistema repressivo e injusto. Chamo infamia ver juizes saberem isso e até se oferecerem para esse papel."

    Meu caro, deixe que lhe diga uma coisa que se calhar ainda não pensou:
    na mente ideológica dos então comunistas, não era apenas esses os tais serventuários: eram todos os que aplicavam as leis burguesas.
    Saldanha Sanches que o diga...se não era exactamente assim que pensava. Ele e a mulher, claro.

    Serventuários são todos os que servem alguma coisa ou alguém.

    Os juízes dos tribunais plenários da Boa Hora e de S. João Novo, serviam a legalidade do Estado Novo.

    Um ano e pouco depois do 25 de Abril, para julgar os implicados no 11 de Março de 1975, foi instituido pelo Conselho da Revolução, um Tribunal Revolucionário e nomeados por esse órgão, os respectivos juízes. Como se sabe, depois do 11 de Março veio o 25 de Novembro e mais processos foram instaurados e relatórios publicados que denunciavam ignomínias várias e atropelos ao Direito e á Justiça.

    Que tal como infâmia?

    Sabia disto?
    naoseiquenome usar said...
    JosÉ:
    Acuse-me de não ter lido o post.
    Só corresponde à verdade.
    Mas vi uma referência à fRelimo....
    E não posso deixar de dar o meu testemunho. Não tinha 17, mas 7 anos na altura, filha de militar, Mocçambique, Porto Amélia. Comando cercado. Sair e entrar só com beijos a todos os elementos da frelimo que à porta se encontravam. Escola, nada.... Se saísse era certo e sabido que para além dos beijos, era obrigatória uma visita à morgue, mesmo ali em frente...

    Cumprimentos.
    Maria said...
    "Infamia. Chamo infâmia ver juizes prestarem-se ao papel que os tribunais plenários lhes reservavam: o de meros serventuários de um sistema repressivo e injusto."

    Mas havia muitas pessoas que acreditavam que estavam a fazer bem. Que acreditavam que a repressão era necessária e que era o menor dos males. Da mesma maneira como muitos comunistas acreditavam que tinham que impôr aquilo o que eles julgavam que era melhor para todos. Mesmo também à custa de um sistema injusto e repressivo. Mas é por isso é que há amnistias políticas. O problema é quando uns se julgam melhor que os outros e se põem a atirar pedras ao vizinho quando eles próprios têm telhados de vidro, como VM fez. Essa hipocrisia é que é de condenar.
    josé said...
    tina:

    sem muitas palavras, sintetiza aquilo que me parece essencial.

    Agora não tenho tempo, mas tenho para aqui material a mais que me vai permitir uns dias de estudo para escrever- aqui ou noutro lado que isto começa a ficar interessante. Deveras.


    "O bandarra", alguém ouviu falar?
    E de autos de fé? Pois é o que irão ver a seguir.
    naoseiquenome usar said...
    Só mais uma coisa:
    O que vivi, jamais poderá ser ilustrado ou modelado por qualquer "postal".

    Bem-haja.
    Maria said...
    Nãoseiquenomeusar,

    Eu por acaso visitei a morgue em LM (mas mesmo só em visita!), foi a primeira vez que vi um morto na minha vida, aliás, montes e montes deles, todos alinhados no chão, não sabiam o que fazer com eles. Mas em LM felizmente tivémos poucas situações de perigo. Sinto por si e por muitos outros portugueses que passaram mal nas ex-colónias e que devem ter ficado marcados com isso.
    FM said...
    Oh José, tenha calma e cija-se ao que interessa. Não quero saber o que dizia "a mente ideologica dos então comunistas" ou o dr Saldanha Sanches. Tão pouco me importa se o que se passou depois de 74 foi ou não infamante. A questão não é essa.
    A questão ´tem a ver com juizes que sabiam que estavam a servir um regime repressivo, a aplicar leis que elas próprias violavam os principios constitucionais vigentes, juizes que frequentemente se limitavam a dar o seu amen a decisões da PIDE, que impediam os arguidos de falar e de denunciarem as praticas seviciosas de que eram alvo...tem a ver com juizes que se ofereciam para desempenhar esse papel...
    Deixe os comunistas em paz, cinja-se aos factos pois é disso que estamos a falar...
    josé said...
    Ok. Vou cingir-me aos factos.

    Você conhece esses factos de que fala, ou escreve de cor?

    E se conhece, porquê só agora fala?
    Passados mais de trinta anos, o memorial justifica-se por isso?

    São perguntas simples...
    josé said...
    E agora cinjo-me também aos outros factos que pretende ignorar:

    Os tribunais criminais a funcionar em plenário, ocorreram no regime de Salazar/Caetano. Uma ditadura que se foi aguentando à custa da censura e da polícia política. Não questiono minimamente isto.

    Mas há ditaduras e ditaduras. E a nossa, permitiu, por exemplo, que alguns dos ministros de Caetano continuassem a ser ministros depois do 25 de Abril em governos ditos de esquerda!

    É obra, não é, caro acasus?

    E então, justifica-se assim que se questione o sentido e alcance dessa ditadura. E se procure saber quem se queixa com mais ardor. Todos o sabemos e escusamos de tergiversar sobre isso: foram os comunistas. Os membros do partido comunista que foram corajosos ao ponto de arriscar a saúde e a liberdade, por causa daquilo em que acreditaram.
    Respeito os comunistas por isso mesmo. Pelo facto de acreditarem em algo e lutarem por isso.
    Mas não respeito nem respeitei nunca a ideologia que os animou. Nunca respeitei o marxismo-leninismo nem o maoismo nem o trotskismo nem o enverhoxianismo, enquanto ideologias susceotíveis de mudar o mundo para melhor.
    O regime de Salazar e Caetano também não respeitava. Entre mim e esse regime há uma diferença de tomo: aceito democraticamente que o PCP exista e gostaria que o regime de Caetano tivesse dado liberdade de associação , reunião e expressão.
    Não deu e por isso se fez uma revolução que aplaudi, então e agora.
    Mas não aplaudo e nunca aplaudirei o que o partido comunista queria fazer e ainda fez com a revolução: impor um modelo de organização económica e de sociedade que nos transformaria numa república popular.
    Até conseguiram em 1976 que tal ficasse a constar da Constituição!

    Por outro lado, quando faço comparações e peço pudor, faço-o porque sei que esses regimes comunistas foram incomparavelmente mais perversos, mais violentos e mais capadores de liberdades individuais do que jamais o regime de Salazar e Caetano o foram.

    Isto, a mim, parecem-me factos.
    Mas esteja à vontade para os conredizer...
    josé said...
    Zazie: coloco aqui a justificação para apagar o postal e peço desculpa ao visado se eventualmente chegou a ler.

    Não conheço e não posso escrever o que escrevi, ao contrário do que manteria se fosse o caso do outro...
    zazie said...
    Eu li a notícia e é clara. O que eu disse também é verdade. Pareceu-me que houve troca de nome mas a história é a mesma.
    (é uma história muito maior e com mais gente dentro eheheh)
    FM said...
    José,
    Mais uma vez mistura alhos com bugalhos...A questão não é o partido comunista ou a ideologia que perfilha, a questão não é o que está ou estava na CRP de 76, a questão não é o que o José aplaude ou aplaudiu...a questão não são as comparações entre regimes...
    a questão tinha a ver com o facto de um certo numero de juizes se ter envolvido com a repressão, ter colaborado, ter prescindido da independencia, da justiça e do direito!
    Entende?
    Regressados aos trilhos poderá perguntar de que vale uma placa na Boa Hora se a magistratura ainda não reconheceu que alguns dos seus membros, de antanho, colaboraram activamente na repressão e mandaram os principios "às malvas"...
    Talvez a Boa Hora devesse ser transformada num museu...para que julgadores e julgados não esquecessem...
    Maria said...
    "a questão tinha a ver com o facto de um certo numero de juizes se ter envolvido com a repressão, ter colaborado, ter prescindido da independencia, da justiça e do direito!"

    Deviamos antes seguir o exemplo da África do Sul pós-apartheid que confia nos juízes do regime anterior, os quais lhes prestam agora um serviço exemplar e são os mais respeitados.
    josé said...
    acasus:

    Como se pode ler e ver, V. representa, quanto a mim, a incapacidade sustentada em conjugar e relacionar factos. Já nem falo de opiniões.

    V. centra-se num tempo que sabe muito bem qual é: o da legalidade do Estado Novo. E com base naquilo que alguns juízes terão feito ( digo terão, porque V. nem um único facto apresenta em apoio da sua opinião, o que deixa a desejar que esclareça se de facto viveu esse tempo e lugar ou se fala de cor), com base nisso, dizia, faz um juizo de carácter de alguns juízes por uma "infâmia" que entendeu explicar assim:
    "juizes que sabiam que estavam a servir um regime repressivo, a aplicar leis que elas próprias violavam os principios constitucionais vigentes, juizes que frequentemente se limitavam a dar o seu amen a decisões da PIDE, que impediam os arguidos de falar e de denunciarem as praticas seviciosas de que eram alvo...tem a ver com juizes que se ofereciam para desempenhar esse papel..."

    Ora isso que apontou, sem factos vale quase nada.
    Aliás, é o costume por cá em Portugal: julgar com meras opiniões e segundo "parece". Ou com base na fé, o que vai dar ao mesmo. Poupe-me os exemplos,mas há inúmeros.

    Assim, o julgmamento de carácter que V. faz desses juízes, passados mais de trinta anos, baseia-se em ideias assentes em ideologia de sinal contrário ( como é óbvio, porque se V. não fosse apoiante de ideias contrárias não estava aqui a vituperar comportamentos que nem sequer especifica convenientemente).

    Por essa razão, é que trago sempre à colação o exemplo dos regimes em que essa ideologia se mplantou solidamente, para tentar mostrar que aquilo que Vocês vituperam ao regime do estado Novo, defenderiam com o mesmo vigor caso essa ideologia triunfasse e conseguisse impôr o modelo que vvocês defendiam.

    Como pode ver, tem tudo a ver o que escrevi.
    Só náo vê mesmo quem não quiser.

    De resto, separar isso e fazer como V. faz, um julgamento de carácter, tem muito que se lhe diga. Sabe porquê?
    V. quer preservar a memória de um tempo de repressão, repescando por isso o exemplo concreto dos "juízes dos Plenários", como se fossem um dos símbolos máximos dessa repressão. O que V. pretende fazer é uma simples aontonomásia: estender a todo um grupo, de juízes e de quem os apiou o ferrete da infâmia, com base em comportamentos individuais de alguns esbirros de uma ditadura. Acha justo?
    É o que fazem os vitais moreiras todos que por aí pululam às dúzias nos jornais.
    Mas...se for por aí, como quer, terá que verificar que não é com princípios desses que chegará a bom porto.

    Por uma boa razão: nem todos os juízes da Boa-Hora e de S. João Novo, foram pulhas. como V. pretende.
    E quanto aos verdadeiros pulhas que eventualmente haveria ( o que me permito pòr em dúvida metódica, até que me apresentem exemplos concreto e precisos),terá igualmente que convir que nenhum deles foi devidamente identificado como tal, processado e condenado.
    Aliás, como tentarei fazer ainda hoje, ninguém foi julgado, nem mesmo ps Pides, para alem do que matou o Disa Coelho.
    Os "fascistas" presos em 74 foram todos soltos e voltaram á vida civil e foi assim que nos transformamos naquilo que somos verdadeiramente: uma sociedade brandos costumes.
    Quer agora repescar memórias de mais de trinta anos, aferidas a ( quantos, afinal?) um par de juízes e delegados do ministério público de então que eram mais zelosos e procuraram manter a legalidade do regime do Estado Novo, perseguindo efecivamente os comunistas?

    Pode fazê-lo e aliás é o que se vê. Mas lembrem-se também do que se passou na época, no contexto da mesma, as amnistias que se seguiram, na legalidade revolucionária e nos tribunais revolucionários e populares que se quiseram implantar.

    Isso, para si, diz nada. Para mim, diz mais alguma coisa e é por isso que não desisto de uma ideia: combater ideias feitas.

    Cumprimentos. José
    josé said...
    Ah! para evitar que idiotas chapados ( não me refiro a nenhum dos comentadores que aqui vieram) venham aqui espreitar e depois escrevam atoardas em modo de citação desgarrada, tenho a declarar que não sou e nunca fui apoiante do antigo regime; não tenho familiares que o fossem; que dele se aproveitassem e dele mamassem, como muitos que viraram a casaca depois do 25 de Abril.
    Tenho ainda a declarar que escrevo por um impulso de tentar equilibrar balanças desequilibradas, quanto a mim.
    É um desejo de equilíbrio que tento perceber se não será uma obsessão. É por isso que também aqui escrevo, pois poderia ficar-me nas tintas, sabendo perfeitamente que é irrelevante escrever ou não. Para os outros que não para mim, evidentemente.
    josé said...
    acasus, ainda:

    Para que se possa ler o que eram os "tribunais plenários" para quem lhes sofreu na pele os efeitos, permito-me transcrever aqui um depoimento pessoal de um jurista, extraído daqui

    Deixo aqui o depoimento, para que se leia e compare com o que vou escrever a seguir ( aqui na Loja ou na outra Portadaloja, ainda nem decidi):


    A repressão dos tribunais plenários

    É um dos aspectos mais esquecidos do fascismo. Tão esquecido que até os juízes transitaram, tranquilos, para a democracia

    António Valdemar

    Os tribunais plenários, juntamente com a PIDE, as forças Armadas, a censura, a banca, a esmagadora maioria do episcopado português e outros elementos da hierarquia da Igreja Católica foram os principais sustentáculos da ditadura que se prolongou de 28 de Maio de 1926 a 24 de Abril de 1974.

    Data de 1945 a criação dos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. Destinavam-se a julgar acusações e delações contra a segurança do Estado e, ainda, processos de liberdade de imprensa, não apenas circunscritos a matéria editada em jornais e revistas mas também em livros e outras publicações.

    Logo que foi implantada a ditadura militar de 28 de Maio de 1926, restringiram-se as liberdades constitucionais, estabeleceu-se a censura, preparou-se uma polícia política. Sob a alçada do foro militar ficaram os processos políticos. Quando Salazar ascendeu, a 5 de Julho de 1932, a chefe do Governo, também são criados em Lisboa e Porto, em Dezembro de 1932, os tribunais militares especiais para os crimes políticos.

    Surgia, em 1933, a PVDE, nome mais tarde tristemente célebre pela designação PIDE. Também lhe competia a elaboração do processo que decorria sem qualquer assistência jurídica. Os autos de declarações, obtidos, muitas vezes, através de espancamentos, violações, chantagens e outras torturas físicas e psicológicas, faziam fé em julgamento.

    O pós-guerra levou Salazar a procurar um novo rosto político para o Estado. Fez uma operação de cosmética jurídica. Em 20 de Outubro de 1945 acabaram os tribunais militares especiais. Deram lugar aos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. Dois dias depois da institucionalização, outro decreto-lei atribuía à PIDE a exclusiva competência para a instrução dos processos. Continuava a recorrer aos mesmos métodos e a aperfeiçoá-los para extorquir e forjar confissões. O cérebro da PIDE era então o subdirector, José Catela, mas o director, o capitão Agostinho Lourenço, posara numa foto ao lado de Kramer, um dos instaladores dos campos de concentração nazis. Na mesma altura em que Salazar tinha no gabinete de trabalho a fotografia de Mussolini (PIDE/DGS - Um Estado dentro do Estado, por Fernando Luso Soares; Deus, Pátria e Autoridade, por Rui Paulo da Cruz, Rui Simões e José Brandão).

    Para completar a aliança da justiça com a polícia política, haviam sido, igualmente, decretadas medidas de segurança, que a PIDE (por sua iniciativa ou através do Ministério do Interior) propunha, os tribunais plenários deferiam, a PIDE, a seguir, executava e prorrogava arbitrariamente. Milhares de presos políticos em Caxias, no Aljube, em Peniche, no Porto, no Tarafal, no Forte de S. João Baptista (Angra do Heroísmo, nos Açores), no campo de S. Nicolau (Angola), na Machava (Moçambique), depois de cumpridas as penas, voltavam a ficar presos por tempo indeterminado.

    Mais de 90 por cento das testemunhas nos processos são pides. Para a defesa dos arguidos, os advogados também indicavam como testemunhas de defesa os inspectores, chefes de brigada e agentes da PIDE que haviam feito a investigação. Todavia, nunca compareciam no julgamento, sob a alegação de estarem ausentes em serviço urgente.

    As audiências eram, praticamente, vedadas ao público. Antes de começar o julgamento, nos lugares da sala do plenário sentavam-se elementos da PIDE. A pretexto da lotação estar esgotada, a PSP, à porta, impedia o acesso a familiares, amigos e jornalistas.

    Centenas de advogados se insurgiram contra o funcionamento dos tribunais plenários e a actuação da PIDE. Entre outras publicações, destacamos as de Duarte Vidal e Salgado Zenha Justiça e Política (1969), apresentada ao congresso de Aveiro e logo apreendida pela PIDE; de Salgado Zenha Notas sobre a Instrução Criminal (Braga 1968), também apreendida pela PIDE, mas recentemente reproduzida em Textos Escolhidos de Francisco Salgado Zenha, seleccionados por Xencora Camotim e António Cândido Oliveira (edição Universidade do Minho, Braga 1998).

    A comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista foi extinta, em Conselho de Ministros de 22 de Novembro de 1990. Daí a interrupção da divulgação de documentos indispensáveis para conhecer a repressão exercida pelos tribunais plenários em colaboração directa com a PIDE. "Quando Almeida Santos era ministro da Justiça, incumbiu-me de fazer um livro acerca da história e funcionamento dos plenários", declarou ao DN o advogado Manuel João Palma Carlos, no local onde reside, em Cascais, durante uma conversa de mais de duas horas, repleta de memórias pessoais, profissionais e políticas. E acrescentou: "Não está em causa o empenhamento de Almeida Santos, mas houve um sistemático adiamento, subterfúgios grosseiros ou, então, a recusa do envio de elementos fundamentais que eu solicitava aos arquivos, desde os dos juízos dos tribunais de Lisboa e do Porto até à Comissão de Extinção da PIDE/DGS."

    Manuel João Palma Carlos observou: "Não pude, portanto, concretizar o projecto. Deixei de estar na Procuradoria-Geral da República, mandaram-me para embaixador em Cuba e fiquei a milhas de distância dos julgamentos dos pides. Apesar disto, não está destruída a documentação do meu escritório, a cargo do meu filho, o advogado João Norberto da Palma Carlos." Disse-nos ainda: "Os mais diversos saneamentos que se registaram em todo o País, no pós-25 de Abril, muitos deles inaceitáveis, não abrangeram os juízes dos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. Não foram responsabilizados nem pelo MFA, nem pela Junta de Salvação Nacional, nem pelo Ministério da Justiça, cujo titular, em sucessivos governos dos primeiros anos da Revolução foi Salgado Zenha.

    "Muito mais grave ainda", concluiu Manuel João Palma Carlos, "com o 25 de Abril, membros activos dos plenários ascenderam ao Supremo Tribunal de Justiça ou continuaram ali em funções."

    Juiz continuava a despachar a 6 de Maio

    Em 1974, a extinção de PIDE/DGS e dos tribunais plenários eram medidas concretas a aplicar, de imediato e de acordo com o Programa do Movimento das Forças Armadas. Apesar disto, o Tribunal Plenário de Lisboa, na segunda semana de Maio, ainda funcionava.

    O processo dos implicados no caso da ARA (Acção Revolucionária Armada), o último a ser julgado, no Tribunal da Boa Hora, com mais uma audiência para as 9 e 30 horas, do próprio 25 de Abril e que não se efectuou, por motivos óbvios, ainda deu lugar a um despacho, com data de 6 de Maio de 1974. Está assinado pelo juiz Fernando Lopes de Melo.

    Com os acusados em liberdade, aquele corregedor do 2.º Juízo Criminal de Lisboa e já invocando decretos-leis do MFA e da Junta de Salvação Nacional considerava os autos concluídos e o processo encerrado. Escreveu com o seu próprio punho: "Julgo extinto pela amnistia o procedimento criminal contra os réus."

    Fernando Luso Soares, advogado de um dos réus, Carlos Coutinho, em requerimento que deu entrada no plenário da Boa Hora, no dia 30 de Abril de 1974, exigia ao tribunal que fosse restituído um automóvel apreendido pela PIDE e que pertencia ao seu constituinte.

    No requerimento dirigido ao juiz Fernando Lopes de Melo advertia que, como advogado, "vai desde já instaurar acção cível de indemnização contra todos os indivíduos (altíssimos, altos, médios, baixos ou baixíssimos dirigentes, dirigidos e executantes) que se mostrem conectivamente responsáveis pelo passadio moral e psíquico a que, no seu caso, foi sujeito Carlos Alberto da Silva Coutinho. Deste modo, accionará evidentemente aqueles que neste momento se passeiam em atlântico trottoir indecoroso, que são os mais altos responsáveis morais (co-autores) do torcionarismo".

    Salientava ainda a Lopes de Melo: "É hoje facto indiscutivelmente notório o daquela miséria torcionária em que, infelizmente, o ex-tribunal plenário persistia em não acreditar, não obstante os brados dos réus (vítimas) e dos advogados (tolhidos na defesa séria dos seus patrocinados mercê de pseudo leis de excepção imoralíssima e inconstitucional)."

    Mas só a 6 de Maio de 1974, Fernando Lopes de Melo, do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, decidiu, notificando: "A apreensão dos veículos é levantada, devendo os mesmos serem restituídos aos seus proprietários."

    Os últimos arguidos de Lisboa

    O processo da ARA, o último julgado pelo Plenário de Lisboa, tinha como réus: Manuel Policarpo Guerreiro, de 29 anos, pintor da construção civil, de Odemira; Carlos Coutinho, jornalista destacado na biblioteca de O Século; Amado de Jesus Ventura da Silva, de 28 anos, estudante de Agronomia, de Lisboa; Manuel dos Santos Guerreiro, de 30 anos, motorista, de Grândola; Mário Wren Abrantes da Silva, de 22 anos, estudante de Agronomia, de Lisboa; José Augusto de Jesus Brandão, de 25 anos, fresador do Serviço de Formação Profissional do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, de Algés; e Ramiro Rodrigues Morgado, de 33 anos, lapidador de diamantes, da Azambuja. Os acusados tinham como defensores os advogados Fernando Luso Soares, Manuel João da Palma Carlos e Francisco Salgado Zenha.

    Aquilino denunciou mecanismo tenebroso

    Está ainda por escrever e publicar a história pormenorizada dos tribunais plenários, um dos mais tenebrosos mecanismos repressivos do salazarismo. Durante quase três décadas, elevado número de juízes e agentes do Ministério Público e quadros da PIDE mantiveram uma colaboração recíproca. Essa cumplicidade de magistrados com a polícia política ficou denunciada em páginas vigorosas de Aquilino Ribeiro, em Quando os Lobos Uivam, apreendido pela PIDE e objecto de processo instaurado ao escritor.

    "É uma peça memorável, que honra a advocacia portuguesa", escreveu Mário Soares, a propósito da notável defesa de Aquilino feita pelo advogado Heliodoro Caldeira, ao desmontar o processo iniciado na Polícia Judiciária por Pedro Geraldes Cardoso; instruído por Fernando Lopes de Melo, como Ministério Público e que passou aos juízes António Teixeira de Andrade e Luís Filipe Teles Correia Barreto (Alfredo Caldeira/Diana Andringa Em Defesa de Aquilino Ribeiro, edições Terramar).

    Também na sua dupla qualidade de preso político e de advogado, Mário Soares, no Portugal Amordaçado e no primeiro volume da biografia dialogada com Maria João Avilez Soares: Ditadura e Revolução, ocupa-se do funcionamento dos plenários.

    Outros advogados também deixaram testemunhos impressionantes acerca daqueles tribunais e da conduta de magistrados que os integravam. Além de vários livros de Sebastião Ribeiro (Seis Casos e Confusão, entre outros) destacam-se as memórias de Alexandre Babo, recentemente publicadas.

    "No Plenário de Lisboa", escreveu Alexandre Babo, "muitas vezes os réus foram espancados pelos agentes da PIDE durante os julgamentos e arrancados dali à força, quando exigiam apresentar as suas razões. E isto com a aquiescência dos juízes que constituíam o tribunal." Assinala ainda Alexandre Babo que o Plenário de Lisboa "atingiu um grau de corrupção e de falta de vergonha com actuações claramente pidescas" (Recordações de Um Caminheiro, editorial Escritor).

    Presentemente, Alexandre Babo e Manuel João da Palma Carlos são dois sobreviventes dos muitos advogados que intervieram, primeiro, nos tribunais militares especiais e depois nos plenários de Lisboa e Porto, desde o seu início, em 1945, até 1974.

    Juízes processos e penas
    Os tribunais plenários tinham a seguinte constituição: um juiz da Relação, que presidia, e, como vogais, dois presidentes dos juízos criminais das respectivas comarcas.

    (...)

    Segundo elementos que divulgou o Livro Negro sobre o Regime Fascista verifica-se, numa estatística muito incompleta, que, dos 4792 indivíduos que, entre 1932 a 1960, foram julgados pelo Tribunal Militar Especial e pelos tribunais plenários, 3562 foram condenados em penas de prisão geralmente inferiores a cinco anos (44,1 por cento até um ano, 48,5 por cento entre um e cinco anos e os restantes com penas superiores).

    Bibliografia
    Da bibliografia existente sobre os Tribunais Plenários podemos citar Em Defesa de Aquilino Ribeiro, Processo de Quando os Lobos Uivam, edições Terramar, de Alfredo Caldeira e Diana Andringa; Recordações de um Caminheiro, de Alexandre Babo, editorial Escritor; Criminalização Política e Defesa do Estado, de José António Barreiros; O Partido e o Estado no Salazarismo, de Manuel Braga da Cruz; Salazar e o Salazarismo, de Fernando Rosas; Dicionário de História do Estado Novo, de Fernando Rosas e Brandão de Brito.

    © 1999 Diário de Notícias
    josé said...
    "Os tribunais plenários, juntamente com a PIDE, as forças Armadas, a censura, a banca, a esmagadora maioria do episcopado português e outros elementos da hierarquia da Igreja Católica foram os principais sustentáculos da ditadura que se prolongou de 28 de Maio de 1926 a 24 de Abril de 1974."

    Quem assim começa a escrever, perde a objectividade, porque denuncia uma opção política militante e que diminui a lucidez de análise, sem no entanto diminuir, antes pelo contrário, a vivacidade do relato.

    Mas...não é destas análises que aqui deixei que procuro. Estas análises e relatos, não bastam para perceber e entender e principalmente dar a perceber, toda a complexidade do regime de Salazar/ Caetano.

    Não deixam de ser verdadeiras, mas são subjectivas, eivadas de enviesamentos políticos e empenhadas em militantismo.
    É possícvel escrever sobre o assunto de modo diferente e melhor, acho eu.
    FM said...
    Tem razão José. Tudo isso são análises subjectivas.
    E militantes.
    Confesso que tam~bém milito: para que tudo isso não se repita. Para que os juizes sejam independentes e não se vendam como faziam os dos tribunais plenários. Para que as sentenças sejam ditadas na base da prova produzida e não das conveniencias de uma qualquer PIDE como se fazia no tempo dos tribunais plenários.
    Pode dizer que era a mão do pc ou que estou a ser militante. Seja.
    Diga o que disser não vai apagar a infamia que foi ver juizes a subscreverem a repressão que o fascismo impôs a este país, a assinarem sentenças cozinhadas pela PIDE, a mandarem calar arguidos que pretendiam denunciar torturas a que tinham sido submetidos...
    Como dizia um anuncio há uns anos...pior que ignorar é não se inteirar a tempo...
    josé said...
    Catro acasus:

    V. conhece Ary dos Santos? Não me refiro ao poeta do Cavalo à Solta e da Tourada. Refiro-me a um advogado que escreveu, antes do 25 de Abril um livrito chamado A crise na Justiça.
    Estive mesmo, mesmo para colocar no postal, duas páginas scaneadas desse livro: duas páginas em que o mesmo fala de três sentenças de três juízes distintos e que nem eram dos plenários. Impressionante e que tomo como verdadeiras.

    Um dia destes, se calhar ponho, para que se possa ver e ler como é que os advogados que escreviam livors sobre a crise na Justiça , antes do 25 de Abril, viam os juízes e os tribunais ( onde o MP também não é poupado).
    Impressionante, meu caro e denotativo da pulhice geral que havia...e não era só nos plenários.
    zazie said...
    "Confesso que tam~bém milito: para que tudo isso não se repita"

    era esta frase que repetiam na altura: para que a "repressão não se repita" quando a estavam a repetir. Da pior forma, com perseguições, com saneamentos, até com torturas. Só com uma diferença- era por bem. E para que "isso não se repetisse".

    Foi precisamente por isso que também cortei definitivamente com qualquer luta ou ideologia política. Não havia ponte possível entre o antes e o depois.
    Era tudo ainda mais hipócrita.
    josé said...
    Zazie:

    O pior que se pode observar nos comportamentos destas pessoas ( excluo o acasus que nem conheço - por este nickname, pelo menos-desta generalização que vou fazer, por isso mesmo- porque não o conheço), mas, dizia, o pior é a capacidade de interiorização de um "bem" e de um "mal" de tal ordem que a ordem do mundo passa a ter duas cores: o preto do fascismo e o branco do antifascismo.
    Não há cambiantes de cor, porque evidentemente o preto e o branco são cores neutras. Neutras, disse?

    Exactamente- neutralizam qualquer discussão porque se recusam a conviver com a cor. Uma afasta a outra e quem não é pelo branco é necessariamente adepto do preto.

    É esse o mal dos extremos- extremamente limitado para retratar seja a realidade que for.
    josé said...
    Depois disso, há os tais idiotas chapados que referi acima ( e com as exclusões que mencionei, não incluindo os que aqui já comentaram)e que nem conseguem perseber os termos de uma discussão que fuja do estereótipo habitual que cinde a esquerda como pessoa de todo o bem e a direita como origem de todo o mal.

    Por mais incrível que isso pareça, a sociedade portuguesa, na generalidade, tem esse esquema mental como paradigma, para análise dos problemas políticos e até sociais. Basta ver o que se passa na Assembleia da República em que se nota esse paradigma de modo exarcebadíssimo. O resto, segue-lhe as pisadas viciadas.
    Mesmo pessoas que tenho por inteligentes, sempre que uma discussão com laivos políticos se anuncia, puxam sempre dos pre3conceitos ideológicos de que nem se dão conta.

    Quer um exemplo?

    Ai de quem se atrever, hoje, a dizer algum bem do Pinochet! Ai do desgraçado que leva uma roda de fascista, nazi e troglodita de três em pipa!
    O Pinochet é o mal absoluto para a esquerda que temos. E acabou a discussão.

    Daqui a uns dias, quando o Fidel se passar também, vai ver os ditirambos e as fotos de primeira página dos jornais...
    josé said...
    "exacerbadíssimo" e ainda "perceber", claro. Fica a correcção por causa das multas da polícia de costumes de escrita...
    zazie said...
    Até aqui há uns tempos, também andei com este problema mental por resolver. Precisamente o mesmo que o José acabou de enunciar.

    Melhor dizendo, andei anos a combater esse problema até que cheguei à conclusão que não há nada a fazer. Há-de ser coisa que só tempo resolverá e há-de precisar de muitas mais gerações por cima.
    Tenho ideia que trauma “revolucionário” e que todos os países que passaram por isso ficam assim marcados.

    Não encontra este maniqueísmo tão doentio e estúpido em França ou Espanha, ou Inglaterra.

    Por cá é mais do que interiorização a preto e branco de duas trincheiras opostas: é até da bondade ou maldade de quem delas faz parte.

    A diabolização do opositor. O mais caricato é que esta forma de pensar até já atingiu os descendentes de uma direita que não precisava de macaquear os mesmos tiques do PREC. Mas já há os macaqueiam, por osmose e já falam e pensam assim.


    Isto é tão verdade, que em 3 ou 4 anos de blogosfera (já lhe perdi a conta) só com o José e o Dragão é que se consegue ultrapassar esta doença

    ":O)))

Post a Comment