A crise dos que escrevem em jornais
sexta-feira, dezembro 29, 2006
Porquê mais isto, agora? - pergunta Souto Mouta, hoje no Público. Porquê? Agora? Ora, porque sim e é preciso, caso ainda não se tenha dado conta. Quem iniciou o seu mandato, mandando reabrir processos interessantes e arquivados, continuando a exercê-lo de modo exemplar no que diz respeito ao essencial da respectiva função, nunca deveria admirar-se por ter tantos amigos que o lembram sempre nas horas oportunas. Desta vez, foi na Visão, com aproveitamento oportuno do Público, sempre presente nos momentos importantes, para o agradável exercício da utilidade em (des)informar.
Nos tempos que correm, torna-se essencial esclarecer e voltar a esclarecer, quando sentimos que podemos ter razão e agimos de boa fé.
Há pessoas que acham que não há nada a esclarece quando temos razão e assim ficam, sózinhas, a acarinhar o solipsismo que os satisfaz. Não penso assim e acho que Souto Moura fez muito bem em responder ,hoje em Público, a mais uma investida contra o exercício do seu cargo de PGR.
O ponto essencial do artigo de Souto Moura, assenta no que era evidente a partir da leitura correcta da entrevista de Sara Pina à Visão: O PGR dava instruções à assessora, sobre as informações a dar aos media. Porém, como uma parte substancial do trabalho daquela, dizia respeito a contactos com jornalistas, seria compreensível que nem todas as informações resultassem de instruções. Nem tal seria necessário, se se entender o papel e a função de um assessor de imprensa.
O que Souto Moura esclarece no artigo, é apenas uma coisa que apareceu por aí difundida como mais uma malfeitoria do antigo PGR: não deu instruções específicas à assessora Sara Pina para dizer o que a apareceu transcrito das “cassetes roubadas”, mas mesmo que o tivesse dito, tal não constituira infracção alguma e muito menos penal.
Tudo o que aparece glosado a seguir ao despacho de arquivamento do processo das “cassetes roubadas”, parte de uma pecha que o jornalismo deste tipo aproveita como matéria de cacha: a distorção de uma verdade ambígua, pode dar uma boa meia verdade, inatacável na parte sã e que servirá sempre para sustentar uma mentira. No caso, aproveitaram uma parte final de um despacho de arquivamento em que se referia que "também não havia suspeitas de que o respectivo superior hierárquico desconhecesse ou se tivesse oposto à sua actuação". Esta parte do despacho precisaria talvez de aclaração. Essa aclaração podia e devia ser dada a jornalistas que assim o pretendessem. Não foi o caso do jornalista da Visão que escreveu em primeira mão sobre o assunto. E foi pena, como já escrevi antes.
Este tipo de jornalismo, logo que vislumbra uma frincha de cacha, já nem busca a verdade da mentira, publica logo a mentira como verdade, sabendo de antemão que há uma meia verdade que os respaldará e leitores ansiosos por lerem o que lhes interessa ler e que os defenderão sempre com unhas e dentes, escorados na verdade malsã que querem ler.
Este jornalismo, carente de referências éticas fundamentais e do profissionalismo da escola americana, nem sequer tem alibis na deixa sobre “não deixar que a verdade estrague uma boa história”, como por aqui se epigrafa este blog, para prevenir incautos em relação à seriedade aparente de algo que não deve ser levado a sério.
Não é o caso deste jornalismo que quer mesmo que a verdade não lhes estrague a história e assim a apresentam como a versão autêntica dos factos como os entendem. É este o jornalismo de causas, como alguém já disse e é por isso que prescinde da audição das partes envolvidas; prescinde do rigor e da precisão nos termos e prescinde fatalmente de respeitar e entender os factos. É este o jornalismo que vemos e lemos, hoje, nos jornais e revistas portuguesas, cada vez mais. A Visão não costumava embarcar nesta nau pirata. Agora, sem que se perceba exactamente a razão ( que é feito do jornalismo de O Jornal e dos princípios jornalísticos de José Carlos Vasconcelos?)desfralda as velas ao vento que passa.
O modelo de jornalismo e jornalistas de há vinte anos, para não ir mais longe, acabou aparentemente, com os seus cultores e os seus símbolos. Estou plenamente convencido que um dos modelos deste jornalismo sério e respeitável, pode muito bem ser um Manuel António Pina ou um Aurélio Cunha, pessoas que conheço e de quem conheço os trabalhos e o profissionalismo. Cito estes como poderia citar mais uns tantos, mas muito poucos.
Estes jornalistas quando erravam, não estavam errados nos métodos. Erravam porque é humano errar. Actualmente, os jornalistas de tipo corrente, como dantes se dizia do bacalhau, erram porque os métodos comportam fatalmente esse risco iminente e aceitam-no como modo de vida profissional. Jornalistas assim, serão incompetentes? Absolutamente, no meu modesto entender.
Quanto a mim, reside nisso e apenas nisso, a razão essencial para a queda da venda de jornais.
Hoje o Público e o Diário de Notícias, lamentam, com letras lacrimosas, mais uma série negra nos indicadores da Associação Portuguesa do Controlo de Tiragens. Até Setembro deste ano, os portugueses continuaram a tendência anterior de deixar de compra jornais. Compram cada vez menos, diz o Público, justificando assim, a queda abrupta nas vendas de 51 260 exemplares para 46 816 ( 8%). O Diário de Notícias embandeira um arquinho para dizer que não caiu nas vendas, mas subiu 11,6%. Passou a vender 39 744 exemplares e com isso se satisfaz.
A queda mais impressionante continua, porém, a ser a do expoente máximo daquele tipo de jornalismo que apontei: o do 24 Horas. O jornal dedicado aos “famosos, dinheiro e crime”, apologista da “verdade, verdade, verdade” ( é verdade!), vende agora menos 18,8% do que vendia. Uma queda de 50 753 exemplares para 42 336. Os famosos continuam por aí. O crime não diminuiu e o dinheiro circula como sempre de mão em mão. Só o jornal de Pedro Tadeu baixa fragorosa e paulatinamente as vendas e o intrépido Tadeu continua ao leme do barco a naufragar.
O Correio da Manhã continua a liderar o mercado: vende por edição, 116 763 exemplares. Lições? Ninguém as tira. A culpa é da crise, dos gratuitos, da internet e do raio que um dia vai partir alguém. Responsabilidades? São para os outros: para o Souto Moura, para os juízes e magistrados corporativos e para os funcionários públicos em geral que não percebem as delícias da economia cada vez mais liberalizada.
Publicado por josé 16:46:00
Ainda é pior do que isso. O aumento de 11,6% de vendas que o DN registou foi só entre os trimestres de Abr-Jun 2006 e Jul-Set 2006, porque, como vem explicado no Público, o DN começou a distribuir coleccionáveis e DVDs em Setembro de 2006. Na realidade, e também de acordo com o Público, a circulação média do DN baixou de 37 142 em 2005 para 35 870 em 2006.
O título bombástico "DN regista aumento nas vendas de 11,6%" não passa então de uma verdade enganadora como se tornou tão comum nos jornais "sérios" e compreende-se assim perfeitamente porque é que as vendas baixas: não há respeito pelos leitores.
Em 2005 de 84 mil e em 2006, diz-se, de 80 mil (era de 78 mil no 1º semestre do ano), com o perfil de "24 Horas" assumido pelos seus responsáveis, muitos deles transitando do diário generalista e de cujo perfil afiançaram pretenderem distanciar-se ou não o aplicando ao jornal desportivo em que ingressaram.
Entretanto, num ano a audiência caiu de 806 mil para 712 mil, sem evitarem a referência como se a perda de 90 e tal mil leitores fosse motivo de regozijo.
O segmento dos Desportivos não lhe dirá muita coisa, mas ainda são dos jornais que mais vendem, independentemente das razões e/ou literacia dos leitores.
Mas deve ter continua, também aqui, a queda generalizada.