A corrosão democrática

Ainda a propósito da organização do poder político e do fenómeno da corrupção adjacente, na sequência das declarações continuadas de João Cravinho, de Euclides Dâmaso, de Maria José Morgado, do próprio procurador-geral da República actual( no discurso de tomada de posse) , fica aqui um pequeno excerto da entrevista de Paulo Morais, antigo vereador na Câmara do Porto, ao JN de hoje.
A claríssima radiografia do fenómeno efectuada por João Cravinho, ainda há pouco tempo, aquando da apresentação de um plano legislativo de combate, em nome de um partido, deve completar-se com outros retratos que perfilam a corrosão da nossa vida pública.
Este pequeno esboço que por aqui se deixa, da autoria de Paulo Morais, permite mais um pouco de luz nessas sombras persistentes da democracia.
O retrato perfeito do fenómeno não se torna fácil de delinear, porque no mundo das sombras todo o recato é pouco. Assim, as achegas de quem sabe, tornam-se fundamentais para que todos fiquem a saber. E o acrescento de Paulo Morais, neste ponto, é importante: a ligação das pequenas estruturas intermédias dos partidos aos fenómenos de corrupção séria e persitente, não deve ser desvalorizada. E a explicação quase sociológica para a ascensão e permanência no poder nos partidos, é algo de que habitualmente não se fala nem comenta. Porém, parece essencial para aquele retrato.

Jornal de Notícias (J.N.)- Temos alguns "Salazares" na política?
Paulo Morais (P.M.)- Temos. Com a Revolução, as corporações organizaram-se por forma a assaltar os partidos. A democracia é pouco participada não porque os portugueses recusem participar mas porque não os deixam. O espírito de Salazar mantém-se e todo um conjunto de salazaretes de segunda que andam aí a dominar o sistema fazem com que estejamos a ficar quase irremediavelmente afastados do desenvolvimento.

J.N.- Esses "salazaretes" são os líderes dos partidos?
P.M.- São alguns dirigentes intermédios dos partidos. E estão mais ao serviço de quem financia a sua vida política e até pessoal.

J.N.- E os grupos de pressão de que fala no Urbanismo?
P.M.- Normalmente, o planeamento é uma gestão de bolsa de interesses. Criam-se mecanismos de tráfico de influências e corrupção.

Publicado por josé 10:14:00  

8 Comments:

  1. Kane said...
    Quando é que os munícipes percebem que é melhor para eles e para as autarquias onde vivem, votarem em cidadãos vertebrados, de que Paulo Morais é um exemplo?
    Vida extremamente difícil para estes autarcas, verdadeiros resistentes, “ignorados” ou até ostracizados pelo poder político…

    No pasa nada?
    josé said...
    Kane:

    Não foi meu propósito, ao mencionar a entrevista de Paulo Morais, anunciá-lo como "cidadão vertebrado" ou até promover a sua imagem (que notoriamente pretende).
    Propósito foi o de anunciar uma denúncia pública feita pelo mesmo: " Normalmente, o planeamento é uma gestão de bolsa de interesses. Criam-se mecanismos de tráfico de influências e corrupção."
    Por outro lado, a corrupção aparece onde o terreno é propício e adubado para tal.
    Os municípios são um latifúndio de interesses vários, mas a Administração Central, politicamente marcada, também terá os seus coutos bem fortificados.
    Isso, segundo João Cravinho, Saldanha Sanches, etc etc.
    Kane said...
    Percebo e concordo consigo, José.
    Trata-se apenas de um caso. O que interessa observar, será sempre o tal “ mecanismo “.
    AisseTie said...
    Ele disse o que toda a gente sabe, talvez com conhecimento de causa, mas é o que toda a gente sabe. Dizer apenas o que disse não é rigorosamente nada, não produz quaisquer efeitos. Se quer realmente ser um cidadão activo, zeloso do interesse público, pois que o diga às autoridades, que só isto é muito pouco.
    valmoster said...
    De conversa toda a gente sabe muito. Autenticos catedráticos. Factos é que está pior!!!
    Maria said...
    "Ele disse o que toda a gente sabe, talvez com conhecimento de causa, mas é o que toda a gente sabe."

    Eu não sabia. Normalmente quando se fala nestes assuntos é para dizer que todos os políticos são corruptos, é tudo a mesma corja, etc. Nada que possa ser levado a sério. Mas ao ouvir o que Paulo Morais tem para dizer, podemos realmente acreditar numa rede de corrupção que envolve "alguns dirigentes intermédios". Bom trabalho José... como sempre.
    Cosmo said...
    "Mas ao ouvir o que Paulo Morais tem para dizer, podemos realmente acreditar numa rede de corrupção que envolve "alguns dirigentes intermédios""

    Só não percebo porque é que Paulo Morais esteve tão caladinho enquanto esteve na Câmara do Porto e só começou a falar em corrupção quando perdeu o lugar por o CDS/PP não o ter indigitado para novo mandato.
    Maria said...
    Seja. Não é por isso que acredito menos nele.

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