Escaparate de blogs

José Pacheco Pereira( JPP) volta ao assunto dos blogs, recorrente e desta vez em artigo de jornal, no Público de hoje, onde tenta destapar os bidões de ácido, cal, vidrões e caixotes de lixo que entende estarem aterrados nesse lugar mítico e virtual chamado blogosfera.
Mais uma vez, JPP chama a si a tarefa ingrata de andar a cheirar esterco e a apontar o dedo espetado: “é ali, ” , “é aquele!” , "vejam acolá!".
A essência do seu argumento, desta vez, é a comparação entre os blogs disponíveis no espaço virtual e um quiosque que vende letra de imprensa e o lixo que ambos atraem.
O processo agregador já não é novo nem suscita admiração: “ Se abrir as folhas ao acaso, como se consultar blogues ao acaso, coisas sinistras estão sempre a cair dentro das folhas : notícias falsas, especulações, falsidades anónimas, plágios, voyeurismo, egos à prova de bala, ignorância, erros, invejas, ajustes de contas, presunção, arrogância, esquemas diversos, banha de cobra, cobras.”

Lendo isto, a tentação imediata, dado o potencial ofensivo genérico que estas afirmações comportam, insustentadas, gratuitas e com efeito terrorista, (ao aterrar o leitor desprecatado), seria entrar imediatamente num registo de irrisão e gozo, também ele potencialmente ofensivo da consideração do autor, eventualmente imerecido embora justificado na troca de argumentos em polémicas, mas que se tornaria deletério e acabaria por reforçar a razão de que o mesmo se considera imbuído. Sempre imbuído desse auto-convencimento, aliás, nunca concedendo margem para dúvida, para equilíbrio de posições argumentativas ou para uma grande elasticidade de análise.
Vamos então pelo lado claro e da argumentação com a seriedade e respeito intelectual possíveis.

Em primeiro lugar, poderá comparar-se o universo virtual dos blogs com um quiosque de jornais? Será aperfeiçoada, justa, a metáfora?
JPP elenca uma série de publicações em que denota estarem à vista as ofertas de maldades, algumas nefandas outras simplesmente de pôr a cara à banda e ainda outras sem ponta por onde se lhe possa pegar, assimilando tudo e paralelizando com os blogs onde tudo se encontra também, segundo assevera.
Simplificando, JPP acha que noventa por cento do que aparece na rede, é lixo. Tal como na imprensa de quiosque. E acha que será importante analisar o lixo para chegar ao luxo, em esforço de análise para “entender o que está a mudar no conjunto do sistema comunicacional”.
A diferença a favor do lixo, para JPP, é quantitativa: agora, há milhões a despejar no contentor virtual, dejectos escritos que ficam à vista de quem passa.
E continua a sua epistemologia sumária desses blogs, recorrendo a dois exemplos: o que aconteceu precisamente com Eduardo Prado Coelho e com Miguel Sousa Tavares, em que dois bloggers desconhecidos publicaram aquilo que JPP entende como tendo sido “acusações e falsificações anónimas”, exemplificando o fenómeno como o paradigma “da selvajaria blogosférica”.
JPP acha que os jornais não deveriam ter noticiado o alegado plágio de Sousa Tavares porque a notícia seria o plágio mesmo e não a sua alegação anónima. Terá alguma razão, a meu ver. Esquece porém, uma outra coisa importante: sendo a fonte anónima, nesta como noutras notícias, os jornalistas não são inocentes ao dá-la. Nunca podem ser inocentes, neste trabalho de escolha. Aliás, os jornalistas do Público mencionaram a semelhança entre as escritas , (por exemplo, pois os do 24 Horas não o fizeram, limitando-se a noticiar, dando a ideia de que defendiam o autor, numa perversão noticiosa ainda mais interessante) o que incomodou o autor que disso deu conta na sua coluna no Expresso.
Assim, a razão de JPP neste caso, sai algo enfraquecida, ao não ponderar o juízo que os jornalistas fizeram sobre a alegação em causa. E fica sem razão de todo, a meu ver, quando é certo que não foi apenas um blog anónimo que publicitou o aparente plágio, mas sim um outro, animado por um jornalista com nome ( Frederico Duarte de Carvalho) pelo menos, que até se deu ao trabalho de comparar passagens concretas dos dois livros em causa e que publicou o trabalho em causa numa revista de circulação geral ( a Focus). O blog de FDC que não é anónimo, como o próprio vincou, e o próprio autor, foram completamente obliterados nas considerações inflamadas e algo suspeitas, daqueles que se apressaram a defender o autor ofendido, esquecendo o óbvio à vista de todos: uma acusação de plágio será fácil de provar, com os elementos à vista, se estes forem apresentados correctamente, como me parece ter acontecido no caso de FDC. Ou seja, discuta-se então se há verdadeiramente plágio num caso como esse. Discuta-se porque tal noção não é pacífica e admite interpretações a vários níveis: legal, ético e de costumes. Alguém o fez, na blogosfera ou fora dela? Não, não fez. O que se fez e agora JPP continua a fazer, é o costume: tomar partido. Pessoalizar, ver quem fala e tomar partido. A favor ou contra, sem apresentar razões.A discussão série e desapaixonada, neste como noutros casos, não existe. E podia existir, facilmente. Bastava que alguém comparasse objectivamente as passagens; explicasse o que se deve entender por plágios literários; como se distinguem dos científicos que também os haverá, como se faz noutros países em casos destes e toda a gente ficaria a perceber melhor se o autor plagiou ou não e se o fez em certa medida, se isso é condenável ou não em modo de opinião pública. MST não o fez e nem se percebe porquê,
se tiver razão. Mas o modo como se defendeu, foi a meu ver o pior possível num caso destes. Armar em vítima, depois disso, não lhe devolve a razão que tenha.

O que este episódio do plágio revela e JPP não menciona ( et pout cause) é outro fenómeno, a meu ver mais grave, pernicioso e notório na imprensa e media portugueses: quem a controla efectivamente ao nível da opinião publicada; quem detém as chaves do discurso corrente e “politicamente correcto” e quem distingue o que é publicável do que o não é, denegrindo quem sai desses parâmetros inefáveis que os próprios estabeleceram, aparentemente em defesa de causa própria.
Esse poder de intervenção na sociedade portuguesa, através do exercício de opinião, em multimédia, como é o caso de JPP, é muitíssimo mais relevante e muitíssimo mais significativo do que o de todos os blogs do lixo. Os comentadores dos media e da imprensa em particular, assumem uma importância certa para quem lê sem querer pensar ou informar-se devidamente acerca das ideias que lê.
As falsificações, invenções, distorções, manipulações, desentendimentos, aleivosias, erros graves, abundam nos artigos de opinião, particularmente daqueles de que aqui se fala. A meu cargo ficaram já alguns exemplos, em que procurei fundamentar. Quanto a MST ( e já agora ao próprio JPP), por exemplo, aquilo que o mesmo tem escrito sobre assuntos de justiça, matéria em que posso sentir-me um pouco mais à vontade por ser jurista, ronda muitas vezes o inadmissível , ao nível do piorio e do lixo dos blogs.
Aliás, quem dá importância ao lixo, ao ponto de o promover ao prime time, numa contradição com o que escreveu acerca da notícia do plágio ( e não do plágio em si mesmo) parece ser o próprio José Pacheco Pereira.
No auge da investigação policial do processo Casa Pia, alguém se lembrou de manipular informação e lançar boatos graves sobre a honorabildiade de pessoas e instituições.
Num blog, sem autor conhecido, intitulado muitomentiroso, foram produzidas afirmações graves atentatórias de diversos direitos de pessoas concretas. Esse blog, foi aproveitado para uma jornalista com carteira, mencionar expressamente na TV, o mesmo, associando-o sem margem para dúvidas a este blog onde escrevo, deixando passar a ideia de que estavam no mesmo nível de lixo e eventualmente ligado a este. JPP, em dois artigos, fez o mesmo, denegrindo o que aqui se escrevia, tendo obtido, aliás, resposta que ficou em silêncio (consentido portanto).
Um tal blog, tal como acontece hoje com outros de idêntico teor que existem por aí, deve ser mostrado e propagandeado na tv, para que milhões que nem conhecem a blogosfera, fiquem a conhecer o que nele se contém, sob o pretexto de o condenar publicamente pelo que contém?
É uma pergunta à qual JPP respondeu afirmativamente, fazendo exactamente o que fez o 24 Horas com o blog anónimo do plágio: mostrou-o dizendo “isto é inadmissível”.
A pergunta que coloco em boa lógica a José Pacheco Pereira,( pergunta retórica, à qual julgo não irá responder, em face de acontecimentos passados) é esta: para quê?

Esperemos pela indicação dos dez por cento de “boa moeda” nos blogs, para comentar a seguir.
( segue dentro de algum tempo).
Ps. A fim de não dará azo a argumentos sobre anonimatos em modo de pseudónimo, fica o meu e-mail: jmvc@sapo.pt

Em tempo:
Li agora no Jornal de Notícias, a crónica do habitualmente excelente Manuel António Pina, sobre este mesmo assunto, a qual intitula de "Amordaçar a Internet".
Fica aqui uma passagem significativa:
"A questão da liberdade, da perigosa liberdade, da Net começa a pôr-se também em países como Portugal. Ao lado dos inevitáveis abusos - não mais, nem decerto mais graves, do que os que diariamente se vêem nos jornais - o anonimato com que alguns "bloggers" se protegem, entre eles os jornalistas que publicam na Net factos que são impedidos de revelar nos seus jornais, tem sido, entre nós, o principal pretexto. Como se boa parte da informação hoje publicada na Imprensa não tivesse origem em fontes anónimas. A Net é (ainda) um país livre e plural. Para alguns, livre de mais. E, sobretudo, plural de mais. Há, pois, que amordaçá-la rapidamente"

Manuel António Pina, além de escritor e pessoa de cultura, é jornalista profissional. O que o mesmo dá conta, por aqui, na crónica de hoje do JN, transcende e conjuga de outro modo, o problema apresentado por JPP. Aliás, permite que nos comecemos a interrogar sobre o que pretende realmente José Pacheco Pereira, com estas análises.
A censura? Mesmo em subconsciência? O regresso ao respeitinho? Ao direitinho e alinhadinho, em nome do combate a uma execrável libertinagem, aliás já denunciada também por Sousa Tavares?
Quando as contradições surgem, as respostas acabam por se impor. Explícitas ou implícitas.

Publicado por josé 11:21:00  

15 Comments:

  1. Cristina said...
    JPP tem um problema com os blogs.
    os blogs têm um problema com JPP, talvez 90%...o lixo portanto :)

    talvez fosse um bom tema para JPP reflectir....se o Ego lhe permitir.
    JV said...
    O Pacheco não tem hoje nenhuma credibilidade ( já teve, reconheça-se). Hoje não passa de um pateta. Ocupar o tempo com o que ele escreve é um despredicio. Aliás é uma perversão.
    zazie said...
    cá para mim está-lhe no sangue...

    Só que agora está tramado: Pedros e Ineses são aos milhares e fazem-lhe um bom manguito

    ":O))))
    Dr. Assur said...
    Amigo José

    Está a ficar famoso (última página da Sábado) :)

    Até amanhã ;)
    Anónimo said...
    A simplicidade com que Grenouille encara a vida é desarmante, e embora saibamos que se trata de uma aberração da natureza, consegue pôr em causa o conceito de vida e o porquê de viver. Enquanto os outros se entretêm em existências superficiais procurando apenas garantias materiais e sociais, ele quer saber quem é, e mesmo a adoração de todos de nada lhe serve quando chega à conclusão de que nunca se poderá descobrir. É a procura infrutífera da razão da existência que é debatida, pondo a nu inconsistências e perguntas por responder.

    O Perfume, estreia hoje!
    astrid said...
    Venho da Cristina
    Olá
    Acho que estão a ser injustos com o Pp.
    O "quiosque" que simboliza a imprensa escrita é 100 por cento Bom?
    PP não o afirma.
    Mas afirma que os B são 10 por cento, Bons.
    Nos B não há filtros, não há redes é o domínio da liberdade ( eis que nasce um simpático Monstro, a Blogo)
    E este não se pode domesticar!!O quiosque tem um limite físico,uma zona murada.Lá no meio está o Prado Coelho a tomar banho em intlectualidades com aromas:que querido!
    Esperemos que haja uma próxima oportunidade de contacto QL
    Saudações
    astrid said...
    Venho da Cristina
    Olá
    Acho que estão a ser injustos com o Pp.
    O "quiosque" que simboliza a imprensa escrita é 100 por cento Bom?
    PP não o afirma.
    Mas afirma que os B são 10 por cento, Bons.
    Nos B não há filtros, não há redes é o domínio da liberdade ( eis que nasce um simpático Monstro, a Blogo)
    E este não se pode domesticar!!O quiosque tem um limite físico,uma zona murada.Lá no meio está o Prado Coelho a tomar banho em intlectualidades com aromas:que querido!
    Esperemos que haja uma próxima oportunidade de contacto QL
    Saudações
    james said...
    Mas quem é o JPP para moralizar?

    Em que qualidade é que ele actua?
    rb said...
    E porque é que aqui nesta loja também não se faz esse tal trabalho, que faltará fazer, de comprovação do suposto plágio de MST?
    josé said...
    ricardo batista:

    Nesta Loja, chamou-se à atenção de quem assim quiser, para dois lugares onde as comparações e análises se podem fazer.

    Na Portadaloja, blog da minha inteira responsabilidade e Ali, no blog para mim tanto faz, de Frederico Duarte de Carvalho.

    Que eu saiba, mais ninguém pegou no assunto desta maneira.
    Foram, antes, seguidas as vias ad hominem: culpado ou absolvido, à maneira do antigo circo romano e conforme o goto de cada um.
    rb said...
    Sim, mas o porta da loja o que tem é uma teoria sobre o plágio. Faltou subsumir a teoria ao caso concreto. A tal comprovação.
    josé said...
    Aplique então essa teoria, ao caso concreto, lendo as comparações efectuadas pelo blogger do para mim tanto faz...

    E depois diga alguma coisa.

    Por mim, digo já:

    Não é por aí que se poderá dizer que existiu um plágio do livro francês ou que a obra de MST é um plágio rematado.
    Mas pode dizer-se- e deve dizer-se- que há várias passagens, no que se refere aos episódios sobre a Índia, que são pura e simplesmente plagiados. Sem desculpa, a meu ver. Leia se puder, as comparações que Pierre Assouline fez para a revista Lire, em 1992 e que coloquei no blog.

    A revista traz mais duas ou três e até refere os plágios de teses universitárias.
    rb said...
    Por acaso até li e fiz um comentário naltura em que o José linkou esse artigo, duma revista francesa, se não estou em erro. E o meu comentário foi justamente o de que segundo os critérios dessa teoria, nomeadamente, o relacionado com a citação das fontes, reforçavam, se é que alguém tinha dúvidas, a ideia que não há qualquer plágio.
    josé said...
    Meu caro ricardo batista:


    Eça de Queirós, na Relíquia, copiou uma frase de uma obra de Renan, sobre a vida de Jesus Cristo. Copiou mesmo e pode ser acusado de plágio nessa parte.
    A frase era "mieux vaut la mort d´un homme que la ruine d´um peuple".
    Era de Renan e foi transposta para Relíquia.

    Estamos a falar de Eça que Queirós...e de uma simples frase.
    Ninguém diz que Eça plagiou o livro de Renan e até o Novo Testamento, fonte de ambos.
    Diz-se que copiou Renan. Será mentida se assim for?
    josé said...
    Ah! E eu plagiei de um lugar na net que não fixei...

Post a Comment