O Sol nascente já brilha

Ontem, apanhei o Sol logo pela manhã e peguei-lhe com cuidado, com algum receio de queimar as expectativas.

A bem dizer, a última vez que tal aconteceu, foi por causa de ter apanhado um Independente, num dia de Maio de 1988. E a penúltima, foi já num outro dia de Maio, de 1975, dessa vez por causa de um O Jornal. E isso, porque cheguei um pouco atrasado ao primeiro número do Expresso, de 6 de Janeiro de 1973

As aventuras dos semanários portugueses, em papel de jornal, assumem por vezes facetas épicas e vibrantes, quando dão à costa da primeira página, cachas de escândalos de interesse geral.

Em 2 de Maio de 1975, O Jornal, decidiu cachar em primeira página que o Conselho da Revolução decidira que a Intersindical já era Confederação e que em Luanda havia recolher obrigatório e luta nas ruas. As páginas seguintes, dividiam uma entrevista extensa de Rosa Coutinho para quem a campanha eleitoral lhe parecia um “destlilar de veneno de lacrau”.

O primeiro número de O Jornal, era um primor gráfico. O “lettering” e a paginação era um gozo visual, acrescido pelos cartoons de João Abel Manta, um prosélito do PREC e um magnífico artista gráfico, cujo álbum de cartoons dessa época se encontra indesculpavelmente esgotado. O Jornal, pretendia, na altura e em editorial, dar o seu “apoio à proposta socialista do MFA e aos partidos progressistas”, mas com “uma posição crítica e um amplo debate de ideias “. No aspecto gráfico, nestas três décadas de semanários, o mais inovador tem um nome breve e uma ideologia de esquerda em bloco: , aparecido em 21 de Março de 1996. A direcção gráfica era de Luís Carlos Amaro e a paginação de Pedro Costa e Faustino Fernandes. Brilhante é o adjectivo que me ocorre e a que nem o conteúdo do jornal, algo fosco, retirava cor.

O Independente de 20 Maio de 1988, era já outra coisa. Graficamente pobre, as capas explodiram desde o início com fragor nos meios políticos, por causa dos escândalos de primeira página. Era essa a noção, à época, de “uma nação a falar consigo mesma”, no slogan feliz de Miguel Esteves Cardoso que fez com os seus colaboradores um jornal de paixões e entusiasmos que com o tempo esmoreceram e desapareceram.

Dos três jornais semanários, o Expresso foi sempre o mais conservador, ponderado e equilibrado. Talvez resida aí a razão do seu sucesso, porque as pessoas não são genericamente estúpidas e reconhecem o pulsar da vida em sociedade, porque vêem, ouvem e lêem.

O actual director do Sol, José António Saraiva, escrevia em Janeiro de 1988, por ocasião das comemorações dos 15 anos de Expresso, que o jornal “não se colocava em nenhum dos dois campos em que até aí se dividia a Imprensa portuguesa: não se apresentava nem como um jornal da situação nem como um jornal da oposição tradicional.” Isto, em 1973. Apresentava ainda um trunfo na manga: era independente de grupos económicos e de forças políticas organizadas, apesar de vinculado a personalidades de um quadrante político de oposição democrática e liberal. O Expresso introduziu outra noção nova: fazia investigação para apresentar aos leitores notícias novas e exclusivas.

O novo Sol, parece seguir as pisadas do velho Expresso- e ainda bem, porque o antigo, definitivamente, perdeu o rumo e o sentido. O Sol nascente vai provocar o ocaso do Expresso decadente.

Os semanários em jornal valem o que vale o seu primeiro caderno. Foi assim com O Jornal e foi assim com o Independente. Os suplementos, por atacado, marcam uma tendência cultural, actualmente superficial, irrelevante e de curiosidades caleidoscópicas.

Parece actual e relevante a noção primordial do Expresso de 1973: é essencial a investigação “para apresentar aos leitores notícias novas e exclusivas”. E é também essencial obter boa informação, com fontes bem informadas e seguras.

O Expresso nos melhores tempos, tinha boa informação eventualmente por ter bons jornalistas, competentes na escrita e rigorosos em certos detalhes que acreditam as mesmas.

O Sol, em duas ou três notícias aparenta as mesmas características. O Expresso actual é sombra do passado e reflecte uma falta de informação relevante e interessante.

O Sol , no entanto, tem um amplo sector de irrelevâncias com destaque para os cantinhos de opinião. Só espero que António Pedro Vasconcelos escreva sobre livros, nada mais. E que Cid desenhe e ilustre como sabe, nada mais também. Mas o jornal tem uma lacuna grave quanto a informação cultural de qualidade acima da média. O Sol neste campo, está muito atrás do Times e parece querer alinhar com o The Sun. Sem a página três...

Seja. Do mal, o menos.

Publicado por josé 20:48:00  

8 Comments:

  1. e-ko said...
    josé,

    Então, não há comentários ? Quanto a mim, os habituais comentadores ainda estão a digerir o Sol e a ver o DVD do Expresso. Só fui ao site, uma porcaria, por enquanto.

    Depois, meteram-se a possibilitar a abertura de blogues, outra porcaria... sim, porque fui lá dar uma voltinha e fiz um blog, nem os do sapo são tão maus... mas ao menos dão algum destaque a este tipo de informação e de interactividade. O que se esconde por tràs de tal abertura, ignoro;
    mas como diz um provérbio árabe, "notícias que pagas hoje, amanhã serão de graça", portanto, vou ver o que posso ler, à borla, no site do Sol.
    al said...
    Obrigado pela "apresentação não oficial" do novo jornal, já que também não consegui comprá-lo.

    Zed - Um tipo que gosta de sol. Não necessariamente deste...

    P.S. - Com todo o respeito: tem alguma alergia às vírgulas no sítio certo?
    josé said...
    zed:

    não gosto da pontuação certa.
    josé said...
    Bolas! Devia ser assim:
    "não, gosto da pontuação certa."

    Tem toda a razão, zed. Para a próxima tento ser mais cuidadoso.
    Pedro Cruz said...
    Falhou dois importantes semanários, contemporâneos dos referidos:
    «O Tempo», que a dada altura, antes de uma prolongada e merecida agonia, chegou a dar cartas ao «Expresso» e o «Semanário», que nem sei se subsiste.
    josé said...
    Pois falhei mesmo- e de propósito.

    O Tempo, lembro-me de ter comprado o primeiro número e perdi-o.
    COntudo, a linha editorial de Nuno Rocha, de resistência à maré alta da esquerda totalitária com compagnons de route do O Jornal e da maioria das publicações da época, deve ser assinalada.
    Nunca gostei do jornal e por isso obliterei a memória, selectivamente.

    Quanto ao Semanário, idem aspas, embora referido aos anos oitenta. Apesar de Cunha Rego e da Olá que via com gosto.

    No fim de contas, parece-me que há uma certa direita portuguesa que não me convence; nunca convenceu e sinto uma certa orfandade de valores que costumavam ser "de direita", mas que a "esquerda" também cultivou, misturando-os numa amálgam ideológica que me afastou desde sempre desse sector.

    Serei por isso um não-alinhado, como sempre fui.
    E sinto-me cada vez melhor nessa identidade.
    e-ko said...
    José,

    Então, um não alinhado à direita... e eu nem me alinho à direita, isso é certo, mas também não me alinho à esquerda... mas muito nos separa... ainda!
    Pedro Cruz said...
    Sinto precisamente o mesmo que descreve nos últimos dois parágrafos.
    Quanto aos Jornais, cresci a «ler», semanalmente, o «Tempo» e o «Expresso», que o meu pai comprava e recordo-me que, na minha juvenil perspectiva, alternavam nos altos e baixos.
    «O Jornal» também era comprado e lido, com regularidade. O Semanário não.
    Do «Independente» fui, já jovem adulto, comprador e leitor fiel, até que me desiludi, aliás tal como a maioria dos outros leitores. No seu primeiro número, entre outras coisas, apreciei a forma desassombrada como não esconderam o seu posicionamento, ao contrário de toda a restante imprensa, que (sem senso do ridículo e tomando os leitores por estúpidos) se dava ares de independência e neutralidade.
    Tem razão no que escreve quanto ao primeiro caderno dos semanários. Devo no entanto confessar que ainda guardo pilhas de «Revistas» do «Expresso» e uma ou duas do «Independente». A «Única», tirando um ou dois artigos é, cada vez mais, um verdadeiro lixo.
    Desejo-lhe continuação de boa inspiração para bons postais.

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