Palavras abruptas

Não leio a revista Sábado. Por causa dos cronistas e por causa da fraquíssima qualidade de escrita e temática habitual. Escusado será dizer que é revista sem futuro à vista.
Leio o Abrupto, quando o tema me interessa. O tema que lá está hoje, transcrito da revista Sábado, e intitulado “Será que o MP não consegue fazer as coisas bem uma única vez?” , é uma perfeita ignomínia. Mais uma.
Analisemos o artigo:
1.” A mediatização da Justiça foi deliberadamente procurada por um dos “agentes da justiça”, o Ministério Público.
Esta afirmação, de vulto e de tomo, precisa de factos para a sustentar. Mas não há factos nessa sentença aviltante. Opinião pura, seria pura e simplesmente riscada, por um qualquer fact checker que se prezasse. Vale zero como afirmação e sendo, na minha perspectiva, inteiramente falsa, é a primeira ignomínia. Ampliada pelos pretensos factóides relativos à politização do MP, em casos contados e apontados - MP contra PSD; MP contra CDS e MP contra PS- bastaria um exercício mais atento de análise, para perceber que o MP não poderia mudar assim tanto, com o tempo e tendo em conta que tais mudanças ocorriam com o mesmo PGR, Cunha Rodrigues. É uma opinião que nem sequer abona inteligência de quem a produz.

2. “Os políticos do PSD, do PS, do CDS e do PCP deram ao MP quase tudo que ele exigia, em particular um modelo de autonomia quase sem limites, à italiana, com medo de parecerem pouco zelosos na luta contra a corrupção.”
Esta afirmação, vinda de quem vem, tem o seu interesse. Pacheco Pereira, era um dos deputados na AR,( um político do PSD, portanto) em 27 de Fevereiro de 1992, altura em que se discutiu na mesma AR a autonomia do MP que alguns ( Proença de Carvalho à cabeça) queriam cortar cerce, escolhendo outro modelo que não o actual e que tinha sido consagrado em 1978 no Estatuto do MP e depois na Constituição, na revisão de 1989, ficando expresso legalmente em 1992.
Não me lembro de ver Pacheco Pereira falar ou escrever nesse dia ou noutros, na AR, acerca do assunto da autonomia do MP. Lembro-me bem de o ver, numa das primeiras bancadas, a questionar o presidente do hemiciclo ( Barbosa de Melo, do seu partido) para saber quem tinha deixado entrar nos corredores da Assembleia umas centenas de manifestantes ordeiros que se sentaram nas galerias e a mencionar a desigualdade dessa extravagante concessão de direito de entrada, antes da abertura da sala nobre do Parlamento e da entrada dos deputados no hemiciclo! Citou os operários da Lisnave a quem provavelmente não seria concedido tal direito...

E contudo, apesar de ficar publicamente mudo e quieto sobre o assunto, sendo deputado e político, muito teria então a dizer sobre a autonomia e o modelo italiano que na altura fazia furor. Mas então não o fez- que se saiba. Fá-lo agora, sem fundamento teórico de espécie alguma e só para dizer de substancial que essa autonomia quase não tem limites!

Será preciso dizer-lhe frontalmente, desmentindo-o, que tem limites. E muito importantes. “A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela existência de mecanismos de governo próprio, pela vinculação dos magistrados a critérios de legalidade e objectividade e pela sua exclusiva sujeição às directivas, ordens e instruções previstas no Estatuto do Ministério Público.” São esses os limites e discutir o assunto, deste modo, atirando a afirmação gratuita , não passa da demagogia e da mais rasteira, parece-me.

3. . “A instituição( o MP) estava solidamente ancorada no justicialismo”, diz Pacheco Pereira. Justicialismo?!! Mas que é isso de justicialismo? Onde foi ler tal enormidade para escrever aqui? Será o justicialismo peronista?! Alguma nova doutrina inventada a preceito para o artigo da Sábado?! E se a explicação for a que adiantou a seguir com a singular frase definidora de “atitude justicialista, ou seja, de uma política que nada tem a ver com a democracia”, confesso, com pesar, a minha profunda ignorância deste nova corrente filosófico-sociológico-normativa, a comprometer axiologiamente o MP com uma esquerda ou uma direita canhota que não se enxerga.

4. “Com a mudança do Procurador, este encontrou um MP fortalecido com poderes até ao limite da afronta às liberdades pessoais e direitos de defesa, com utilização quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas (responsável: António Costa) e da prisão preventiva como instrumento de coação”.
Vejamos: o código de Processo Penal, vindo de 1987, aprovado pelo governo do PSD,( em que Pacheco Pereira foi deputado pelo PSD) viu a sua última revisão de fundo, em 1998, pela mão do professor da UC, Germano Marques da Silva e do PS.
A lei de processo penal é o instrumento chave dos poderes de intervenção do MP. E porquê do MP? Porque a filosofia desse código, genericamente apoiada pelo professor de Direito, Figueiredo Dias ( do PSD) na qualidade de presidente da Comissão Revisora, atribui ao MP o monopólio da acção penal e da direcção do Inquérito, onde se investigam todos os crimes. Pacheco Pereira tem de saber isto, para poder escrever o que escreveu sobre estes assuntos.
E só lhe seria útil saber também que relativamente a todos os casos polémicos, Cunha Rodrigues, em entrevista ao Independente de 5.12.1998, disse que “O Ministério Público foi pressionado” e sobre os tais poderes fortalecidos do MP, o mesmo Cunha Rodrigues se queixava, como ainda hoje se queixam alguns magistrados do DCIAP e de outros lados, de que “ o MP tem a tutela funcional dos processos, mas não tem os meios. Que interessa ter a tutela funcional do processo se não são adjundicados meios ao processo ou são adjudicados segundo decisões que não são as do MP?"
Pacheco Pereira sabe o que isto significa? Precisamente o contrário do que escreveu.
Pacheco Pereira sabe como funcionava e funciona a PJ? De quem depende efectivamente e qual o sentido da noção de dependência funcional?
Saberá qual a diferença essencial que existe entre o modelo português e o italiano que tanto cita no artigo? Desconfio que não sabe, pois se soubesse não escreveria o que escreveu.
Mais ainda e bem pior: ao dizer que o MP fez uma utilização “quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas”, supõe-se que Pacheco Pereira saiba quem autoriza as escutas telefónicas num processo concreto. E saberá igualmente tal coisa, no que se refere às prisões preventivas.
E assim, como sabe que é sempre um juiz de instrução, independente do MP, sabendo ainda qual a distinção entre os poderes de um JIC e os do MP, o que resta perguntar, é: que sentido faz o que escreveu? Para quem escreve, afinal? Para bacocos ou para um público por quem é preciso ter algum respeito intelectual?

De resto, Pacheco Pereira acaba no ponto que começou: com uma acusação concreta ao MP de estar a fazer política. Por causa do "envelope nove". E mostrando ainda que não percebeu, depois deste tempo todo, qual o motivo do Inquérito.
A acusação é grave, a precisar urgentemente de provas. Que se sabe muito bem que não virão. Pacheco Pereira vive de frases soltas, como essa, em que processa intencionalmente toda uma instituição, sem qualquer fundamento credível a não ser a do palpite opinativo.
E terminando também no seu registo, “quando uma instituição central do nosso sistema de justiça é acusada sem fundamento sério, de entrar na política e essa acusação ficar impune, está posto em causa o funcionamento normal da democracia.”
Isto assim, de facto, não pode continuar e impõe-se uma intervenção de quem de direito.

Publicado por josé 00:51:00  

9 Comments:

  1. Alexandre Ferreira said...
    Eu diria que é uma opinião - a do PP - como outra qualquer, não especialmente (ou melhor, especialmente não) sustentada em nada de concreto. Afirma umas generalidades, uma colunas de fumo que rapidamente se desvanecem.
    Isto para dizer que, do meu ponto de vista, não merece um pixel da sua atenção. É um texto oco, numa imensidão de vazio.
    Bom retorno de férias.
    Migdar said...
    o texto de jpp tem muitos erros,mas reflete as ideias da opinião publica.este tipo de erros são graves, principalmente vindo de alguem com um nivel de informação superior ao dos "normais" cidadãos.contudo deve fazer refletir os senhores do M.P. porque entre a pratica e os pricipios escritos tem havido pouca coincidencia(refiro obviamente os processos mais mediaticos,já que são os unicos que conhecemos.)È preciso um M.P forte mas tambem com uma grande capacidade de autocritica e de mudança.Se estas opiniões crescem o resultado,olhando a qualidade da classe politica, é asneira.
    josé said...
    O texto de JPP não é só um compêndio de erros. É um texto que ofende a inteligência comum de qualquer pessoa que entenda minimamente como a Justiça verdadeiramente funciona.

    O MP merece críticas, como todas as instituições.
    Merece que se diga que funciona mal, em termos organizativos. Que não investiga suficientemente os crimes de corrupção.
    Merece que se diga que o DCIAP precisa de um novo fôlego, com outra direcção e outra dinâmica.
    Merece ainda que se lhe aponte uma grave difiduldade em comunicar à opinião pública e aos jornalistas, o que tem e deve ser comunicado, sempre que tal se jusitifica.

    Mas as críticas de Pacheco Pereira, são outra coisa. São ignomínias, sem qualquer rebuço.

    O responsável pela Reforma Penal, RUi Pereira, deveria responder-lhe. No Público, de preferência, tal como fez a Fátima Mata Mouros.

    Pacheco Pereira envergonha uma certa classe política com este texto.
    Pacheco Pereira não se distingue de...Jorge Coelho.
    É uma pena.
    josé said...
    Jack:

    V. estrangula toda a tentativa de reposição de justiça na crítica à opinião publicada, ao barricar-se na posição de situacionista, ao lado do governo. Por isso, ao lado do poder efectivo e real.
    V. é um lacaio, voilà!

    Os magistrados que por vezes se defendem por aqui, só se defendem porque são injustas as críticas que se lhes dirigem, vindas dos lacaios armados em estranguladores de laparotos.

    Os magistrados, no meu entender, não podem mudar as leis que são obrigados a cumprir, os prazos que são obrigados a respeitar e as condições de trabalho que lhes foram impostas.

    O sucesso ou insucesso de investigações criminais, devem-se a vários factores e centrar a responsabilidade pelo resultado, no trabalho dos magistrados é, simplesmente...estúpido. O que o verdadeiro estripador não era...
    odete pinto said...
    "O efeito mais pernicioso da corrupção é destruir a competitividade de uma economia, travando a sua capacidade de modernização."
    _
    Paulo Morgado, administrador-delegado da Capgemini.

    Sou leiga em matérias de Justiça mas, como cidadã, gostava de perceber (mesmo que seja só um pouco, se alguém tiver a generosidade de explicar) porque há tantos "indiciados" de corrupção, peculato, etc., há tanto tempo, e depois... nada. Ficamos sempre no "deixa-andar-até-que esqueça ou até que se mande arquivar ou que prescreva".
    josé said...
    Jack:

    Não lhe chamei estúpido. Disse apenas que é uma estupidez atribuir aos magistrados a responsabilidade exclusiva pelos males do sistema, e, já agora, andar a catar tudo o que se diga por aí que sirva para propagandear essa ideia...que é estúpida, do meu ponto de vista.

    Se o sistema de saúde funciona mal e a Associação Nacional de Farmácias é um lobby poderoso, a culpa será dos médicos?
    V. parece perceber do assunto...

    Quanto ao sistema de Justiça, também nada me custa a admitir a responsabilidade própria dos magistrados no disfuncionamento do sistema. Mas não é nos aspectos que vejo escritos. É mais naqueles que o Manuel escreveu em postal: a preguiça profissional;o desinteresse e o abandono e falta de brio; A rotina instalada em procedimentos; a falta de organização interna de grupos de magistrados que cooperem entre si em casos difíceis; a exposição pública das dificuldades em prosseguir determinadas investigações devido a falta de meios e recursos e a falta de comunicação adequada, no tempo próprio, ao público que é o "povo", em nome de quem se aplica Justiça.

    Essas são as minhas críticas, mas de tão singelas e precisas, parece-me escusado andar aqui a repisar, porque quando escrevo sobre este assunto, é para tentar reequilibrar a balança que os Pachecos e quejandos se esforçam por desequilibrar.
    josé said...
    Ora cá temos uma pérola jurídica do nosso inspector das horas vagas! E apresentada como exemplo da mais refinada racionalidade!

    Ilicitude=culpa de quem provocou a acção ilícita!

    De uma assentada, a teoria geral da infracção criminal, é cilindrada e os princípios que excluem a ilicitude e a culpa em certos casos, são arredados para a irracionalidade, nesta novíssima teoria.
    Temos agora novos conceitos para a acção, tipicidade, ilicitude, culpa e erro!

    "Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?"
    josé said...
    Há ainda outra causa de exclusão de ilicitude e até de culpa: a palermice, filha do irrelevante.

    Geralmente aplica-se aos seus comentários escritos...
    josé said...
    Filha do irrelevante e da esterilidade.

    Escreva algo que se possa ler!

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