Os benevolentes

Um dos ícones de uma certa esquerda, Günther Grass de sua graça, anda em bolandas de parangonas da imprensa, por causa de um pormenor biográfio que empalideceu de repente a sua apregoada superioridade moral: confessou que foi soldado das SS, de uma das suas divisões blindadas. Às Waffen SS tinha também pertencido Josef Mengele, para mencionar apenas um dos monstros mais notáveis do nazismo.

Como Grass foi galardoado com o Nobel da Literatura e escreveu O Tambor, um livro passado a filme anos oitenta, por Volker Schlondorf, o seu nome tornou-se mundialmente conhecido e na qualidade de intelectual, o interesse da revelação assumiu importância mundial e ultrapassou a sua relevância enquanto escritor.

Discute-se agora a coragem e a cobardia e ainda a hipocrisia de tal atitude omissiva que se manteve durante anos a fio, precisamente aqueles que lhe contaram para a fama e o proveito.

Grass já deu entrevistas, uma delas publicada na Der Spiegel, na qual confessa objectivamente a... cobardia.

O Nobel português Saramago já o desculpou. Eduardo Prado Coelho, não. Escreveu hoje no Público que nunca leu um livro de Grass ( irrita-o) e afirma por escrito que “Não se deve recalcar, deve assumir-se um passado vergonhoso”…
Apetece perguntar se valerá a pena repescar algumas entrevistas e artigos dos anos setenta, para lembrar um certo passado esquecido, e se o cronista do Público atentou bem no que escreveu, ou se a confissão fica para mais tarde. Mas não. Não é disso que se trata, neste escrito.

A par deste assunto candente, em França celebra-se a, propriamente dita, “rentrée”.
No campo das letras, há um primeiro romance de um autor a quem os críticos não poupam elogios: Jonathan Littell, nascido em 1967, em Nova Iorque, formado em Yale e activista de programas internacionais contra a fome no mundo, actualmente a viver em Barcelona.

O romance, intitula-se Les Bienveillantes, (As Benevolentes), no qual tenta a narrativa da vida de um ofical das SS ( exactamente), culto, bem formado embora com particularidades de personalidade ( homosexualidade latente), com a humanidade de um vulgar cidadão e que ao longo da campanha guerreira participa activamente na organização do extermínio de raças, pelo regime nazi.

Segundo a crítica entusiasmada ( Dominique Fernandez do Nouvel Obs e Pierre Assouline no seu blog, La république des livres), Jonathan Littell coloca a narrativa na primeira pessoa, para tentar representar por dentro o que poderia ter acontecido na mente de um indivíduo que à partida não era um qualquer troglodita ultramontano, antes de se tornar agente activo do Holocausto.
O livro, segundo a crítica, não tem uma palavra a mais, apesar das 900 páginas, e já caiu no goto daqueles que pensam que pode fazer-se um paralelo entre o nazismo e o sovietismo, pois é isso mesmo que o autor também aborda como sujeito de controvérsia.
A rentrée em França, é assim. Por cá, parece ser (p)assado.


Publicado por josé 17:34:00  

23 Comments:

  1. josé said...
    Obrigado, Jack! V. está a tornar-se inestimável para o ego seja de quem for...

    Assim, há-de reconhecer que há "precalços" e percalços.
    Antes de evitar os seus que se afiguram cada vez maiores, pode sempre fazer um pequeno esforço:

    Vá a este sítio e corrija a informação que lá está. E vai ver que faz um figurão!

    Contudo, para sua informação sempre lhe digo que vi o filme Marathon Man e também guardei um número do Figaro Magazine dos anos oitenta ou noventa ( não o tenho aqui á mão), no qual se fazia uma reportagem sobre Mengele, na Argentina e Paraguai e até se mostravam fotos...
    josé said...
    O sítio é ESTE
    josé said...
    ...e mal por mal, prefiro que mande bojardas em vez de bujardas. Estas podem fazer ricochete...se tiverem forma de boomerang.
    zazie said...
    ehehe K.O.

    Não tenho grande atracção por este tipo de revelações mas ainda assim sempre me intriga o que faria um puto de 15 anos nas SS?

    Dizem que tinha 15, não era, o tontinho do Grass? devia andar por lá mascarado de braço esticado...
    e-ko said...
    Zazie a metro,

    Não menina, o Grass não tinha 15 anos, tinha 17. E tontinhos e tontinhas há-os muitos por aí... Se quiser verificar, leia, ao menos, o Nouvel Observateur !

    Cumprimentos,
    Sylvie Vartan
    zazie said...
    Stripper por ripper , aqui fica uma muito mais agradável , só para o José

    ................
    os 15 anos foram ditos por muita gente
    eu não leio "ao menos". Leio se me apetecer e não ia ser por historieta tão bacoca. Sejam 15, sejam 17, que raio é que o rapaz fez por lá?
    Só isso é que importa.
    Há muito matulão que se mascara de Hitler pelo carnaval...

    por mim só não gosto de ser aldrabada por quem gosta de apontar o dedo aos outros.
    .............
    Zazie dans le metro (do Reymond Queneau) deve ter feito confusão com a stripper
    e-ko said...
    Nunca senti nenhuma atracção pela prosa do Grass, o mesmo não posso dizer da de Peter Handke, mas essa é outra história e já deixou a actualidade. A actualidade, agora, alimenta-se do erros dum adolescente de 17 anos e d'un homem que não teve a coragem para não omitir esses erros.

    Como diz Cohen Bendit, o "russo" (le rouquin) de Maio de 68 que virou deputado europeu, pelos verdes, ora alemães, ora franceses (vantagens da bi-nacionalidade e do bi-linguismo) será que seria exigível a Grass, aos 17 anos, num país como a alemanha da época, que se tornasse um resistente ?

    Rushdi, dá como exemplo de Céline (Louis Ferdinand Céline), escritor francês, que nessa época, já adulto e até bem tarde, não escondeu as suas opções e, mesmo textos, racistas e anti-semitas e, que no entanto nos merece grande respeito e admiração como escritor, apesar de codenarmos as ideias do homem.

    Ao menos, o Grass já fez o seu mea culpa. O Celine, nunca !
    zazie said...
    Que grande anormalidade essa acerca do Céline. Vá dizê-la ao Dragão que nem sabe a corrida que leva.

    O Céline foi um escritor genial. A França tratou-o a pontapé. Fez a guerra, viveu uma vida de médico de subúrbio e foi livre de pensar como todo o ser humano.

    Só os inquisidores é que não aceitam que as pessoas possam ter convicções difrentes das suas.
    Misturar o Céline com esta treta do Grass é a maior prova de indigência mental que se pode dar.
    zazie said...
    Que me culpa é que um homem coerente a vida inteira devia fazer? mea culpa devia fazer a puta da França que não lhe reconheceu o valor e tratou nas palminhas tanto colaboracionista de carreira!
    zazie said...
    opções racistas... há cada papagaio... e anti-semitas. Anti-semita até o Einstein era, já agora. A lista oficial de anti-semitas ou self hating jews está online e há lá de tudo. Anti-semitas até são os judeus ortodoxos!
    zazie said...
    e o pedófilo do seu Cohen Bendit também tinha muita coisa para fazer mea culpa, já agora...
    e-ko said...
    O problema é que a Zazie nem idade mental tem para fazer mea culpa... infantilismo é pelo menos um dos males de que padece. Ou má fé ! o que é mais grave.
    e-ko said...
    José,
    Jack,

    Já podem vir para o podium.
    É a vossa vez! Ou já acabou ?
    james said...
    e-konoclata,

    gostei dos seus comentários
    zazie said...
    pois eu acho que só a esquerdalhada com espírito pidesco é que prefere um hipócrita a um homem consequente.
    Mas isto são gostos meus. O Céline nunca se fez passar pelo que não era e muito menos andou uma vida a apontar o dedo aos outros. E não ganhou Nobel. Viveu esquecido e estropiado por ter dado o corpo na guerra.


    Mas para os que vivem de palavras conta mais saber-se se viveu do lado certo ou errado da História.

    Para eles o Grass viveu do lado certo, o Céline viveu do lado errado e depois ainda têm a lata de atacar o que foi coerente e nunca ganhou nada com isso.
    e-ko said...
    Agora, que a tempestade já "passou" vou voltar ao post de José.
    Como ninguém teve uma palavra para o livro de Jonathan Littell "Les Bienviellantes" eufemismo erudito (As Benevolentes). Li, Achei interessante, e fui à procura do texto do PAssuline, que já tinha lido, um pouco à pressa.
    Espero encontrá-lo à venda na FNAC da próxima vez que la passar. É certamente um candidato sério para os prémios literários de "la rentrée" em França, claro.
    Um primeiro livro, vertiginoso, aos 40 anos. Um autor fascinante, americano de origem que escreve directamente em francês, que pede a nacionalidade francesa, por duas vezes recusada, mas que no fundo apenas gostaria de ser europeu, porque não gosta de particularismos nem de nacionalismos. E não se sente nada bem na pele dum americano.
    Um tema difícil, tratado duma forma muito pessoal. Viveu a guerra por dentro, para descrever todos os seus horrores. Passou anos em pesquisas para escrever as suas 900 páginas em poucos meses. O horror banalizado do nazzismo, na primeira pessoa, no lugar dum alemão que vive a sua vida e que conta.
    Não sei mais, mas vou ler.
    Há outro livro que aborda o mesmo tema num outro lugar, com outro olhar:

    A Flecha do Tempo de Martin Amis, ainda não traduzido para português, penso.

    Depois, com uma perspectiva totalmente diferente, recomendo-vos:

    O Líder Sedutor de Clara Pracana, editado na Climpsi Editores, já há uns 6 anos, sobre Albert Speer, o ministro/arquiteto de Hitler.
    zazie said...
    continuo sem perceber nada:

    mas afinal há aqui alguém que já tenha lido as 900 páginas do Jonathan Littell ou apenas a meia dúzia do que se diz dele no Nouvel Observateur.

    Eu não faço ideia o que seja um autor excepcional a descrever os horrores do nazismo em 900 páginas sem ter lido uma, mas enfim.

    Acredito que a intenção do José foi chamar a atenção para uma rentrée muito mais entusiasmante que a nossa.

    E o José não disse que o escritor era maravilhoso sem o ter lido

    ":O)))
    e-ko said...
    Não o li eu, e não o leu o José. Quanto aos autores, podemo-nos entusiasmar, com uma entrevista, um encontro, uma biografia ou um artigo ou crítica, bem feitos, como, entre outros, o de Dominique Fernandez no Nouvel Obs que encontrou o autor.
    O josé, que para si vale tudo, sabe tudo e de forma incondicional (já agora peça-o em casamento é a única forma de alimentar a sua paixão desenfreada) tem o direito de dizer mais ou menos a mesma coisa do que eu, mas para si, é para ilustrar a docta tese duma "rentrèe" ´mais animada que as nossas, mas no meu caso é para ocultar o facto que não li as 900 páginas e por isso não posso ser credível. E não é isso má fé ? Então o que é ?
    Vá ler os artigos que o seu amigo sugere, talvez aprenda alguma coisa...Já chega de tanta asneira!
    josé said...
    Ó e-konoklasta! Afinal, V. é ele ou ela?
    Não leve a mal a pergunta, mas a dúvida acabou por se instalar e como costumo ter mais um pouco de respeito pelas mulheres que me merecem isso mesmo, por educação e gosto, permito-me a interrogação.

    Quanto à zazie, V. não percebeu mesmo o que foi escrito.

    O que a zazie escreveu foi exactamente o que pretendi dizer com o postal- que a nossa rentrée, comoparada com a francesa é uma tristeza do passado e que há um autor que merece muita atenção de quem gosta destes assuntos.
    O resto, foi um paralelo entre Grass e Littell.

    Aliás, tenho a zazie como uma magnífica leitora- seja de quem for.
    Apreende sempre a essência dos escritos, ao contrário de muita gente que lê por alto, treslê e depois comenta a latere.
    Aprecie qualquer escrito em que ela se pronuncie sobre o que leu, não só aqui na Loja, e vai ver se não tenho razão.

    De qualquer modo, obrigado pela referência a Martin Amis, cujo livro não li, mas fico a saber.
    josé said...
    E fui ver o seu blog e gostei do que vi.
    Já ouviu Modern Times?
    Independentemente das críticas formatadas dos media, gostou?

    Há por aí em mp3, edição pirata, na net. Estou tentado a ouvir, para comentar.
    António JP Soares said...
    Quando é que alguém entende de vez, que tudo o que "sabemos" sobre o período do século XX que terminou em 1945, não nos foi transmitido por historiadores suficientemente distanciados e isentos, ou seja credíveis, mas teve proveniência em desinformação, publicidade pseudo-histórica e aldrabice pura?
    A História não se faz em Hollywood, nem nos grandes media que são a voz do dono (por coincidência o mesmo em ambos os casos). Mas acabará por fazer-se.
    A.S.
    e-ko said...
    Já fui à rádio onde o Dylan faz um programa ao vivo em Los Angeles. É uma rádio satélite, com acesso pela net, paga claro, com uma possibilidade de acesso livre por três dias (estive às voltas dentro do site, um labirinto, mas excelente o que ouvi, têm canais para todo o tipo de música) e onde foi lançado o CD antes da venda ao público. O programa passou ontem, mas não tive oportunidade de o ouvir, por exigências alheias à minha vontade. A Fnac já o deve ter à venda e em escuta destacada, penso.
    Tudo isto para dizer, afinal, que ainda não ouvi. É como a leitura do Littell, estou à espera de ir à Fnac (não gosto de ler traduções).
    Bem percebi que a referência ao livro do Littell era um paralelo entre os dois escritores citados, só que, como ninguém tugiu nem mugiu sobre o dito, resolvi fazê-lo.
    Já agora, diz que gostou do que viu, no meu blogue, mas não é só para ver, é também para ouvir e, até, ler. Embora eu não esteja muito virad(a) para a opinião.
    António JP Soares said...
    Continua a não perceber-se que no período do século XX que terminou nos anos 50, em rigor ainda se não fez História. Os que as pessoas são levadas a consumir mentalmente, é apenas uma versão dos acontecimentos desse período: a versão dos vencedores da II Guerra. A verdade histórica necessita de distanciamento e contraditório. Não se faz em Hollywood nem nos grandes media, que actuam como voz do dono, por coincidência, que até é o mesmo.

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