O risoto e a risota

Um tribunal desportivo italiano, despromoveu alguns dos clubes mais importantes do campeonato de futebol desse país, por se ter provado a existência de várias acções ilegais e até criminais, praticadas por dirigentes, árbitros e entourage diversa que assim o justificam.

A generalidade dos comentadores, comparando a situação do “calcio” italiano com a nossa, do Apito Dourado, traça um veredicto, também ele fulminante, para a credibilidade do nosso sistema judicial, sem distinção de género. Esta é uma risota, comparando aquela a um verdadeiro risoto.

O facto fundamentador é simples, directo e sem refutação possível: a justiça italiana ( sem distinção de género) logrou apurar em tempo record, a responsabilidade penalizadora das condutas dos dirigentes do futebol transalpino e aplicou sentenças condenatórias, relativamente pesadas de consequências práticas, para os mais importantes clubes italianos e os seus dirigentes.

Este facto, a crédito da justiça italiana ( sem distinção de género) suscita admiração, louvor e um aplauso de desejo que também por cá a justiça funcionasse de modo igual e se cozinhasse com os ingredientes requeridos que proporcionassem belos pratos, cozidos à portuguesa e não o habitual esturricado que já cheira mal.

Para chegar a esses resultados, os investigadores italianos – 10 polícias, carabinieri, de Roma, três procuradores da procuradoria de Nápoles – Filippo Beatrice, Giuseppe Narducci e Franco Roberto- e mais alguns em Roma e Turim, lograram apurar indícios suficientes para a condenação dos responsáveis, tendo-o conseguido em muito poucos meses de investigação publicamente visível, após as detenções de Maio deste ano.

Antes disso, entre os meses de Novembro de 2004 e Junho de 2005, escrutinaram mais de cem mil chamadas telefónicas escutadas nos telefones desses responsáveis, tendo feito a triagem das conversas importantes e relevantes daquelas que o não eram e que foram apagadas.

Dessas escutas, emerge uma rede extraordinária de ligações e amizades entretecidas pelo então suspeito principal, Luciano Moggi e que envolvem pessoas de várias quadrantes e actividades- ministros (dois), magistrados ( pelo menos quatro) , altos expoentes das forças da ordem, dirigentes desportivos, treinadores, jogadores e também jornalistas. O auto de interrogatório do principal suspeito, ultrapassa as 200 páginas.

É muitíssimo relevante que se faça o paralelo entre a situação italiana e a portuguesa.

Mas um paralelo sem assimetrias e que englobe toda a extensão das comparações possíveis, começando pela própria lei.

Enquanto na Itália, a lei existente, não é contestada, por cá, a lei de corrupção desportiva ao abrigo da qual foram acusados os suspeitos do Apito Dourado, já foi abertamente apontada como inconstitucional, por causa de não ter sido devidamente aprovada, respeitando todos os parâmetros e preceitos da nossa legalidade, logo no início dos anos noventa! Tal alegação foi produzida por um célebre constitucionalista - Gomes Canotilho- e tem grandes hipóteses de lograr vencimento jurídico…daqui a uns anos!

Por outro lado, a montante, os métodos de investigação da polícia italiana, seguem as determinação da magistratura do Ministério Público local e do qual, aliás, dependem. Não há divergências publicamente assinaladas quanto a estratégias e tácticas, como por cá aconteceu e ninguém se lembrou de publicamente colocar em causa, como por cá se fez, a validade das escutas telefónicas que abrangeram mais de cem mil chamadas. Por cá, ainda está para se ver se o tribunal constitucional não o virá a fazer um dia, como tudo indica poderá acontecer.

Ainda a propósito de métodos de investigação, na Itália, a mesma decorreu em ambiente de equipa de magistrados( vários) e polícias, sem choques aparentes quanto à estratégia a seguir e aos métodos a utilizar.

Por cá, são públicos e notórios os problemas surgidos no seio da própria investigação.

Todos se lembram, aquando das primeiras detenções no Apito Dourado, que estalou logo uma grave crise no seio da própria PJ, porque o então director nacional, Adelino Salvado, não foi tempestivamente avisado do que se passava e por isso terá forçado a demissão do director da PJ no Porto ( o juiz Artur de Oliveira ) e desterrado para lugares no estrangeiro os principais investigadores do caso ( os inspectores Santiago e Massano).

Depois, na Itália, aquando das detenções dos dirigentes desportivos, não se vislumbrou sequer, como por cá aconteceu, uma reacção do tipo grunhesca, dos guarda-costas formais e informais desses mesmos dirigentes, nem se leu em artigos de imprensa e blogs, inflamados panfletos a clamar inocência dos inocentes presumidos e castigo para os abusos de autoridade, traduzida na detenção para interrogatório dos suspeitos.

Na Itália, depois das detenções, acusações e sentenças condenatórias, ainda não se viram os culpados a esgrimir ameaças públicas de retaliação pessoal indemnizatória, contra os investigadores, pelas afrontas, sem que tal causasse qualquer escândalo ou estranheza.

Na Itália, não se assistiu a declarações de políticos, prévias ao Campeonato do Mundo, a tentar desdramatizar e amolecer a investigação, pressionando directamente os dirigentes policiais, no sentido de acalmarem os ímpetos em nome do interesse nacional. Em Portugal, se alguns ainda se recordam, foi o que se viu e temia-se o descalabro da integridade nacional se se confirmassem suspeitas de esboroamento do sistema organizativo do futebol nacional. Embora se confirmassem, tudo ficou com dantes e o quartel general continua... nos lugares habituais.

Em Itália, mesmo em vésperas do jogo da final do campeonato do Mundo que a equipa azurra venceu com mérito, temia-se o resultado da investigação que agora é público.

O terramoto que se anunciava, não impediu que a equipa italiana jogasse para ganhar, ganhando.

Por cá, se o Benfica ou o Porto, ou mesmo o Sporting, ( ou até o GIL Vicente, pelos vistos) estiverem alguma vez em dificuldades graves, com risco de descida de divisão, e principalmente os seus dirigentes se virem acossados pela justiça, podemos ter a certeza que ninguém vai querer a eficácia da justiça desportiva italiana e continuaremos a ser…portugueses, patrioteiros de gema!

De bandeira e cachecol em riste, ainda veríamos o nosso professor televisivo a apelar ao bom senso e à moderação costumeira. Veríamos também o indigitado patrono da pátria que temos, a clamar pelo habitual est modus in rebus e todos, a começar pelas mais altas figuras do sistema judicial que aí vem, se curvariam a esse mito real no nosso bom modo de ser colectivo: os sagrados e vetustos brandos costumes! Isto é uma risota.

Publicado por josé 14:54:00  

17 Comments:

  1. valmoster said...
    Por cá temos um tribubal político a fazer a fiscalização sucessiva da constituição, acolhendo ou não pareceres de fenómenos jurídicos que descobrem falhas legislativas anos depois destas acontecerem. De facto tudo pode acontecer num sistema destes..
    josé said...
    jack: You´re a rip-off. You can´t even read.
    Don´t you fear (the reaper)?
    james said...
    Não houve para aí um juíz qualquer que se sentiu entalado e se demitiu duma cena futebolística?

    Ou foi uma "descardonização" serôdia?



    E. T. : O postal vale pela belíssima incursão em termos de metodologias e investigações comparadas.

    Ainda Existe o Gabinete de Direito comparado ou só temos GRIEC?
    José Maria Martins said...
    Em Portugal o sistema está tão podre que o Pinto da Costa foi recebido na AR.

    E já antes, em 1989 o safaram no Processo de Tráfico de Droga - compra de cocaína para tratar os jogadores - em que era arguido com Teles Roxo, na comarca de Aveiro, era juiz presidente do Colectivo o Presoidente do Conselho de Justiça da FPF na altura.

    O que deu brado nos media e era advogado o Dr. José Maria Martins.
    maloud said...
    Por cá, José, chegamos ao ponto de eu ter sido "informada" num evento social ocorrido em Março de 2004, que alguns dos senhores posteriormente envolvidos no Apito Dourado estavam a ser investigados. A pessoa que o disse acrescentou que já havia elementos suficientes para uma acusação, mas eventualmente só seria formalizada depois do Euro, para não perturbar o evento. Como julgo que sabe onde moro e essa pessoa também sabia, não lhe parece extraordinária esta confidência? A mim pareceu-me. Obviamente que não fiz uso dela. É a primeira vez que a revelo.
    james said...
    Viva Maloud,

    Folgo imenso em saber que está bem.

    Como sou de intermitências há muito tempo que não sentia a sua presença.

    Apraz-me saber que continua na sua melhor forma.

    hefastion
    james said...
    O tema deste postal convoca-me para um outro, conexo com este, que nunca vi tratado decentemente na blogosfera: o das icompatabilidades.
    josé said...
    Hey, jack:

    What´s your style? How do you get your kicks for living?
    It seems that you, too, can´t live without blogging a bit, don´t you?

    Leave the chamber, man, and see the light of day...
    Piotr Kropotkine said...
    corolário... estamos feitos... é uma verdadeira indecibilidade de Godel...
    josé said...
    A breve trecho, não vejo maneira de "isto" mudar.

    Podem vir os PGR todos que muitos anseiam, para substituir este que apesar de pouco ter feito, fez muito mais do que todos os anteriores, em certo aspecto importantíssimo: a efectiva igualdade de todos os cidadãos. Ainda vai deixar muitas saudades em quem acha que esse aspecto é um dos mais importantes da autonomia do MP.

    Podem vir ainda medidas avulsas que "isto"continuará os seus trâmites de descalabro assegurado.

    A Itália apesar de ser uma pátria com pouco mais de 60 anos, é uma região com uma cultura de milénios.E alta cultura.
    A nossa tem apenas umas centenas e apesar de termos sido influenciados por eles, aprendemos apenas a desenrascarmo-nos.

    Nesta terra, o herói é o Valentim!
    Que disse em voz afirmativa que "tinha muito poder"!
    E tem. Porque o deixaram ter.
    Todos nós.
    António Viriato said...
    Razão tinham os britãnicos quando criaram aquele célebre provérbio, verdadeiro como punhos na face : Comparisons are odious / As Comparações são odiosas, podem suscitar ódios, pelos contrastes que estabelecem, quando são formuladas.

    Nós outros, que amiúde gozamos com a Itália, com a sua imaginada inultrapassada corrupção, com as suas infindáveis máfias e demais comentadas chagas sociais, deveríamos corar de vergonha com a comparação que neste caso se pode fazer, no que respeita à actuação da Justiça.

    Presunção e água benta poderemos continuar a tomar, na medida que mais nos aprouver, mas credibilidade é que não ganharemos nunca, com tais fantasias, por muito garbo que as nossas supostas elites assumam, quando se pavoneiam nos elegantes salões de Bruxelas.

    Comecemos por adquirir a comezinha credibilidade caseira nas funções básicas, fundamentais, de qualquer Estado Democrático decente, com actos concretos, reais e convincentes e deixemos de nos comportar como empertigados sujeitos, sem espinha, nem vergonha.

    Depois disso, pensemos em ser respeitados.
    maloud said...
    Na minha opinião, António Viriato, só os portugueses parolos gozam com a Itália. O problema é existirem demasiados em Portugal.
    maloud said...
    Olá Hefastion
    Apesar da sua intermitência vou-o lendo. Sempre com o maior gosto.
    josé said...
    Bem...devo precisar que a Itália unificada tem um pouco mais de cem anos.
    A República é que terá 60...

    Diletâncias.
    Zé "Prisas" Amaral said...
    Sobre Justiça sou suspeito.
    No entanto, entendo-a. Que remédio.

    Vim só por aqui, José.
    maloud said...
    Eu, e penso que muita gente, "conheceu" o Zé "Prisas" Amaral apresentado pelo José. Ainda bem que valeu a pena.
    DJ ORAÇÃO said...
    Em Itália houve e há juízes que cumprem com o seu dever expondo-se à vingança...

    Procurei no www.citador.pt

    Não existe nobreza sem generosidade, assim como não existe sede de vingança sem vulgaridade
    Fonte: "A Cripta dos Capuchinhos"
    Autor: Roth , Joseph Tema: Nobreza

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