O Teseu Crato e o labirinto

Confesso: de Educação sei pouco mais do que aquilo que me ensinaram. O que aprendi em exercício autodidacta, foi-o ao longo dos anos e pela observação dos efeitos nefastos produzidos em série por este sistema instituído, alimentado e protegido por alguns práticos, em exercícios governamentais.
O que me é dado ver, pelos resultados à vista, é um desastre sem culpados conhecidos. E nisso, nem preciso de me esconder em pretensa sabedoria de cátedra, pois até os catedráticos convergem nessa apreciação: o sistema de ensino, delineado ao longo dos anos pelo Estado, em Portugal, não presta o que deveria prestar e tem sido um sorvedouro imparável de dinheiro dos Orçamentos.
Como habitualmente, não há responsáveis à vista e as tentativas de os topar para lhes travar os intentos em que continuam a porfiar, cavando o fosso maior da nossa desgraça, revelam-se inglórios ou inúteis.
Pouco adianta revelar os nomes dos nossos ministros magníficos que orientaram o sector durante mais de trinta anos. Pouco adianta denunciar os métodos e a filosofia que erigiu o pedagogês em símbolo máximo do eduquês. Virão, pressurosos e desdenhosos, os atingidos, apontar estes neologismos como reveladores de ignorância e assim continuam convencidos da sua razão, afastando Cassandras que só incomodam no remanso das prebendas das comissões, cargos e viagens oficiais.
Basta ouvir, ler ou ver qualquer debate em que intervenham “os do costume” e que ao longo dos anos marcaram o ritmo da nossa valsa lenta para o fosso da desgraça, para perceber a inutilidade de argumentos que os contrariem. Ciosos da suas opiniões e autistas nas suas razões de poder, prosperam nos gabinetes ministeriais e secretariados vários, gerando um monstro invisível de contornos feitos de atitudes e armando um labirinto complexo, com leis e regulamentos que alimentam e protegem o monstro que devora incautos e estralhaça ao afoitos que ousam enfrentá-lo por escrito.

De há uns meses para cá, porém, agregam-se vozes independentes e iconoclastas, prontas a entrar no labirinto das direcções-gerais e secretarias governamentais e a pegar o bicho pelos cornos virtuais.
Houve quem já chegasse ao ponto de atacar o mito, defendendo o desmantelamento puro e simples da estrutura vigente, assestando-lhe com um decreto de dissolvência. Debalde, porém. E o que não mata o monstro, engorda-o cada vez mais, afagando-lhe a petulância de atitudes autistas.
Há alguns meses, um iconoclasta, armado em mais um Teseu dos tempos modernos, Crato de apelido e académico das matemáticas, por isso mesmo insuspeito de ignorância, arremeteu em letra de forma contra o monstro das direcções gerais e das pedagogias correntes.
As suas armas: um livro - O Eduquês em discurso directo, “uma crítica da pedagogia romântica e construtivista” e artigos em jornais e revistas.
Nas prosas armadas contra o mito, o autor, tem glosado conceitos para esboroar as defesas estruturantes dessa linha maginot do nosso ensino imaginário. Com ideias simples, combate os tanques da burocracia enquistada nos manuais pedagógicos e as torres filosófico-pedagógicas onde se entrincheiram os defensores do status quo que são muitos e bons, incluindo catedrátidos com curricula a toda a prova, mesmo à do ridículo.
A última das investidas, desta vez com escopeta de mira telescópica, foi contra o Estatuto da Carreira Docente, mais um dos disfarces do mostrengo.
O sniper Crato, vendo aparecer o vulto tenebroso, disparou e atingiu ao de leve, um órgão vital do monstro escondido, ao dizer que “curiosamente a palavra ´ensinar`, não aparece uma única vez no documento que tem 55 páginas”.
Esta frase-bala, feriu o conceito elevadíssimo onde o monstro se acoita e suscitou a reacção pavloviana de quem o protege, criando labirintos onde aquele pernoita. A oficiante, erigida em vestal e no lugar de ministrada Educação, deu entrevista a uma Visão, disparando dardo envenenado em direcção ao sniper que apareceu de peito feito.
Disse em discurso directo que tal não era verdade e que tal palavra até aparecia “várias vezes”. Em poucas palavras, a rosa, defendendo o lugar do monstro, chamou aldrabão ao cavaleiro andante.
Ora este, habituado a conferir documentos e ao rigor matemático das equações, fez o que se impunha: verificou palavra por palavra, as 55 páginas em pdf. E que descobriu então?
Que essa palavra maldita e substantivamente activa, “ensinar”, não aparece, de facto, uma única vez!
Em vez do verbo, princípio de tudo, aparece o substantivo, o “Ensino”! E em função determinante, como em “estabelecimento de ensino” ou “ensino básico”.
E não se fica por aí. Em vez de “ensinar”, singela palavra de compreensão difícil para o monstro educativo, escondido no labirinto oficial, a nova encarnação do mostrengo propõe “aprendizagem” repetindo treze vezes, para que não haja dúvidas das verdadeiras intenções em papar o que resta de esperança num futuro melhor no sistema.
É por isso que o iconoclasta académico, recalcitra hoje no Público, num artigo na pág. 22, intitulado “ A importância da palavra ensinar”, numa resposta àquela protectora do animal horrendo que nos vai devorando a esperança.
Uma vez mais, entrando no labirinto, desafia o sistema de linguagem, arma preferida do inominável, disfarçado agora em Estatuto da Carreira Docente. Em vez de “ensinar”, pode ler-se “identificar saberes e competências-chave dos programas”; “desenvolver situações didáticas”, e criar “situações de aprendizagem”. Entre os deveres do docente, estão o de “Trabalhar em equipa”, “colaborar com as famílias”, “conceber respostas inovadoras às novas necessidades da sociedade do conhecimento”.
Quem se atrever a entrar neste dédalo, sem guia ou fio condutor, perde-se fatalmente e será devorado mais cedo ou mais tarde, pelo “sistema”, outro nome da rosa.
Assim, temo bem que mais esta investida do Teseu Crato, tenha o mesmo efeito que as restantes: o olvido olímpico no labirinto perfeito.

Publicado por josé 14:56:00  

8 Comments:

  1. Paulo said...
    "olivio olímpico no labirinto": que maneira mas subjectiva de terminar seja o que for.
    Sorry

    Paulo
    josé said...
    Paulo:

    Este postal pode ter final alternativo.

    Pode ser assim: o olvido num perfeito labirinto olímpico. Ou assim: a perfeição de um labirinto olimpicamente olvidado.Ou até assim: o olimpo dos labirintos perfeitos.
    A ideia é que permanece a mesma: seria bom que ligassem ao que Nuno Crato diz. Mas não ligam...
    Cosmo said...
    Fio de Ariane.
    Procuro.
    Anónimo said...
    É Ariadne.
    Arrebenta said...
    Excelente texto.
    Ó, Lurdes, querida, junta-te aos pedófilos... e vai-te embora
    Bayushiseni said...
    Um mau profissional vai para professor. Um mau professor vai para pedagogo.
    james said...
    Corroboro inteiramente o post do sniper.
    Independentemente do mérito de Crato, ele é totalmente inofensivo, o que aliás, se comprovou na RTP-N, aqui há algumas semanas atrás.
    De facto, a Besta tem que ser tratada com brutalidade e não com falinhas mansas de deuses esclarecidos, como parece ser caso de Crato e José.
    Arrebenta said...
    O Trabalho Liberta

    Dedicado à Beta


    Suponho que, naqueles manuais de lineu, a definição de "obsessão" vem como uma permanente fixação num determinado objecto, como se nada mais existisse em seu redor.

    Volto aqui, porque me dá vómitos a criatura e o tema: diariamente, a Lurdes, a Mulher-a-Dias da Educação, obcecada, tem de se sair com uma nova, e, hoje, saiu-se com mais uma, desta feita a de querer recolocar ao serviço pessoas que piraram no exercício da Docência.

    Até aí, tudo bem, porque parece que nos manuais estalinistas da bruxa, e como era voz corrente, na extinta União Soviética, os comunistas também punham velhinhas de oitenta anos a calcetar ruas; em Portugal, acabaremos por tê-las nas mesmas tarefas, e se estiverem com com a cabeça perfeitamente desregulada, tanto melhor, porque nem sequer se aperceberão do estado em que estão a fazer aquilo que as puseram a fazer.
    Assim, a Lurdes vai pegar em quem não pode dar aulas, e foi reconvertido em executor de outras tarefas, através de sucessivas decisões de juntas médicas, e irá aplicar -lhes um milagre das rosas: submeter-se-ão a uma sumária bateria de testes, para saber se estão mesmo em estado vegetativo, ou se poderão ir, entrementes, vegetar, para outro ponto da Função Pública. Ora, como toda a Função Pública, excepto ao nível dos regiamente pagos assessores de Gabinete, se encontra hoje num estado de pré-coma, é bem possível que os traumatizados do Sistema ainda se traumatizem mais, ao chocarem, de frente, com o Muro do Já-Não-Há-Qualquer-Lugar-ou-Esperança-para-Vocês.
    Como são inúteis, passarão imediatamente ao estado de supra-numerários, e, logo, de reformados compulsivamente. A dúvida, uma das sinistras dúvidas, é se serão reformados compulsivamente, de acordo com as regras do tempo em que assinaram o seu contrato com o Estado, ou de acordo como novo jogo do Vale-Tudo Socratiano.

    Já sabíamos que a senhora tinha lido Goebbels. A sua determinação, é também a de "Mein Kampf". Sabíamos que era cobarde, e se atirava com força aos fracos. Sabemos agora que a criatura também aprendeu bem a lição das dinâmicas de massas, velha como o "divide ut regnes", de Maquiavel, mas moderna como Hitler, que a ensaiava ainda melhor, através do Discurso do Medo, Estaline, que adorava empregá-la, em todas as suas formas do Terror, Bush, que a banalizou, enquanto Pânico, como um dos dialectos da miserável Globalização "Democrática", e, aqui, a socrática Lurdes, que a traduziu para o miserabilismo do ai-jesus nacional.

    Portugal não passa, hoje, do estalinismo aplicado da Dona Lurdes, a mulher que entrará para a História como a curandeira que quis pôr os doentes a trabalhar.
    Faz bem, "Arbeit macht frei", e ela devia ser já transposta da Pasta da Educação para o Ministério da Saúde.

    Pena é que estes doentes, e os fracos sindicatos que os representam, não aproveitem a deixa, para lhe moverem um valente e exemplar processo, junto do Tribunal dos Direitos Humanos.

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