O "novo" jornalismo

Café da esquina. 8 e meia da manhã. Há várias pessoas na sala, sentadas em algumas mesas. A bebericar da chávena; a ler o jornal ou a conversar. São clientes habituais do café, que dali a pouco vão sair para o trabalho, regressando no dia seguinte, à mesma hora, para a bica da manhã.
Do mesmo modo, poderíamos descrever o ambiente numa repartição de Finanças, Câmara, bancos ou até mesmo na redacção do jornal Público. Que é que ficaríamos a saber sobre esse ambiente ou sobre o que provoca esse ambiente, com descrições destas?
Pouco. Quase nada.
E contudo, é assim que podemos ler, neste tipo de escrita, a jornalista do Público, Paula Torres de Carvalho, a mostrar “Retratos da Justiça em Portugal”. É esse estilo que podemos ler nos dois artigos, de duas páginas cada e que começou a publicar esta semana sob esse título impressivo e que promete continuar por mais dois ou três dias.
O artigo de ontem, titula “ O relógio da Boa-Hora”. O de hoje, “Os magistrados, jura por sua honra dizer a verdade?
Ambos se dedicam a descrever ambientes e personagens, narrando ao mesmo tempo pequenas histórias dos julgamentos que decorrem no tribunal da Boa-Hora.
Quem os ler, que retrato observará da “Justiça em Portugal”? Aquele tipo de relato, a aremedar o novo jornalismo, o que é que pretende mostrar ao leitor?
A presença de guardas prisionais em julgamentos de arguidos presos? Qual a novidade?
A atitude dos funcionários, na sala de audiências? Que acrescenta de especial?
O papel dos magistrados? O que pretende informar?
Tome-se nota desta passagem do artigo de hoje:
(…) o procurador da República, representante do Ministério Público, a quem compete sustentar a acusação mas não julgar, uma tarefa exclusiva dos magistrados judiciais. Muitos destes, aliás, consideram a magistratura do MP como uma magistratura menor, o que tem levado a vários conflitos ao longo do tempo.”
Para a “nova” jornalista, ainda vamos aqui, nos primórdios da compreensão e entendimento das funções judiciais.
Depois, a seguir,mesmo correndo o risco da descontextualização, peguem-se em instantâneos, ao acaso no texto e em escolha diagonal
No texto de Segunda Feira, começa por descrever uma audiência em que “(…) a juíza lê acusação apressadamente, quase sem respeitar a pontuação . (…)Levanta a cabeça do papel, olha para os réus ( sic). ´Não há factos não provados, toda a matéria se provou`, afirma, (…) antes de começar a ditar a medida das penas a aplicar a cada um deles:
Dez meses de prisão suspensa por 18 meses(…)”
Quem lê este texto, sem saber o que é uma acusação ou uma sentença ou até uma audiência, que fica a perceber?!
Que em processo penal, continua a haver “réus”. Que numa decisão em que se “ditam” medidas de penas, lê-se também a acusação “apressadamente” e que …provavelmente nem a “nova” jornalistas percebeu muito bem aquilo a que assistiu. Teria sido uma sentença? Então porque não dizê-lo e explicar como é que se chega aí?
Segundo a jornalista “ Dezenas de casos como estes são julgados, todos os dias , nas nove varas criminais da Boa-Hora”. E então, não dá para perceber melhor?! O artigo de Segunda Feira, continua com a narrativa de outra audiência. No mesmo estilo e com mais esta novidade penal: “(…) A poucos metros estão estacionadas duas carrinhas de transporte de presos, alguns dos quais respondem por ofensas corporais” (!)
No artigo de Terça.-Feira, dá-se a palavra aos magistrados e tecem-se considerações pessoais, no estilo novo-jornalístico, sobre a personalidade dos mesmos:
O juiz Renato Barros revela-se um exemplo da serenidade e da correcção que devia nortear a actuação de todos os juízes”.
Sobre a “coordenadora dos serviços da Procuradoria”, “A doutora Brites”, escreve, ao saber que esta não queria falar com a nova jornalista:
Um magistrado devia pensar de outra forma, devia defender a transparência das instituições públicas, facilitar o direito a informar e a ser informado”. Para quê esta agressividade para alguém que entendeu não atender a "nova" jornalista?
Assim?! No artigo, uma caixa, a desancar em letra de forma a atitude da magistrada, á laia de vingançazinha? Ainda se fosse num blog...
Embora não defendendo a atitude da “doutora Brites” , na medida em que já defendi que a comunicação à comunicação social é essencial para informar o Público do que se passa, acabo por a entender, depois de ler estes dois artigos.
E pergunto:
A culpa disto, deste tipo de artigos, será das leis que temos? Dos tribunais que as aplicam? Da falta de comunicação e informação dos “operadores judiciários”?
Esperemos os restantes…

Aditamento de 14.6.2006:

...e já temos as restantes, de hoje. Escrevendo sobre os funcionários, “É sempre o funcionário a levar pancada”.
O funcionário tem um papel na mão e lê alto o número do processo, o nome dos arguidos e dos advogados. Depois anuncia que o julgamento foi adiado para o mês seguinte. Ouvem-se exclamações de desagrado, um coro de protestos. Há pessoas que vieram do Porto e de Bragança e ficaram com o ´dia estragado`. Reclamam directmente com o funcionário, elevando a voz. ´Isto é uma vergonha! Parece impossível, é a justiça que temos`.
É sempre o funcionário que leva pancada. Muito raramente os juízes dão a cara por esta situação.”

A grande maioria [dos funcionários] esquivou-se a qualquer contacto com a jornalista e os que acederam a falar fizeram-no sempre soba a condição do off.”
“O cenário em que os funcionários judiciais trabalham é muito semelhante nas nove varas criminais do tribunal da Boa-Hora.” (…) Compete-lhes a notificação das pessoas para comparecer em tribunal e a requisição de expedientes e de despachos até à fase dos julgamentos. Desempenham, além disso, um papel essencial na sala de audiências. São os responsáveis pelo registo de toda a produção de prova feita em julgamento: as declarações de arguidos, testemunhas, advogados, de todos os intervenientes no processo. Compete-lhes ainda fazer a chamada das pessoas que estarão na sala e esclarecê-las sobre as regras de conduta que têm de seguir durante as audiências
.”
os equipamentos obsoletos são outro problema com que os funcionários se debatem todos os dias. Dificultam a gravação de prova e as reproduções.”

É esta a essência do escrito de hoje, retratando os funcionários. “Amanhã: os advogados”.


Ainda a tempo, junta-se aqui o comentário do colaborador esporádico desta Loja, Gomez:
Gomez said...
É a fruta da época...A reportagem ligeirinha e gasosa, estilo "silly season", parece ter ido à Boa Hora porque o tempo não está para praias e os tribunais têm agora lugar cativo na agenda mediática. Croniquetas do quotidiano judiciário não deviam ter lugar, com foros de reportagem, naquela secção do jornal. Ainda por cima sabem a pouco, quando comparadas com a maestria dos textos do Rui Cardoso Martins (aos domingos na "Pública"). O "Público" e a jornalista em causa são capazes de muito melhor e devem muito melhor aos seus leitores. O atarantado Director parece ainda não ter percebido que não ganha nada em afinar pela mediocridade que vai reinando, a menos que esteja disposto a bater-se, taco a taco, com o "24 Horas".Quanto à "doutora Brites", se o relato é fidedigno, a crítica é mais do que justa!!Em todo o caso, na pele da Senhora Jornalista, teria tido algum pudor em fazê-la tão cruamente. No fim de contas, uma classe que tem rejeitado mecanismos de sancionamento disciplinar das infracções deontológicas e que goza do privilégio da última palavra, não está particularmente bem posicionada para clamar pela "accountability" de quem quer que seja.

Publicado por josé 01:06:00  

9 Comments:

  1. josé said...
    O comentário da jornalista é pertinente. E concordo com o essencial do que critica na tal magistrada.
    O estilo do comentário é que parece indicar impertinência por causa da ideia que transmite de que se trata de uma "vingançazinha" contra a impertinência da tal magistrada. Começa logo por tratá-la de "doutora Brites". Não sendo ofensivo, retoma provavelmente o tratamento em "off" de quem a informou.
    Se lermos o artigo, aquilo que a jornalista pretendia da "coordenadora da Procuradoria" era apenas a indicação de elementos estatísticos.
    Ora, estes elementos, estão disponíveis no Relatório anual da Procuradoria.

    Por outro lado, os artigos são fraquinhos para quem pretendia dar um "retrato da justiça", para além de conterem alguns erros inadmissíveis hoje em dia, para quem trata de assuntos judiciários.

    Uma pena, mas ainda assim, aquém do director do jornal que ontem mesmo se aventurou a criticar o poder judicial por este se imiscuir na esfera do poder executivo, sem sequer discutir se a lei dos Tribunais administrativos e Fiscais, de 2003, assim o autoriza.

    Mas, de JMF, já nada há a esperar. Nem sequer boa vontade.
    Gomez said...
    É a fruta da época...
    A reportagem ligeirinha e gasosa, estilo "silly season", parece ter ido à Boa Hora porque o tempo não está para praias e os tribunais têm agora lugar cativo na agenda mediática.
    Croniquetas do quotidiano judiciário não deviam ter lugar, com foros de reportagem, naquela secção do jornal. Ainda por cima sabem a pouco, quando comparadas com a maestria dos textos do Rui Cardoso Martins (aos domingos na "Pública").
    O "Público" e a jornalista em causa são capazes de muito melhor e devem muito melhor aos seus leitores. O atarantado Director parece ainda não ter percebido que não ganha nada em afinar pela mediocridade que vai reinando, a menos que esteja disposto a bater-se, taco a taco, com o "24 Horas".
    Quanto à "doutora Brites", se o relato é fidedigno, a crítica é mais do que justa!!
    Em todo o caso, na pele da Senhora Jornalista, teria tido algum pudor em fazê-la tão cruamente. No fim de contas, uma classe que tem rejeitado mecanismos de sancionamento disciplinar das infracções deontológicas e que goza do privilégio da última palavra, não está particularmente bem posicionada para clamar pela "accountability" de quem quer que seja.
    josé said...
    Grande comentário, Gomez!

    Este é que devia ser o postal.

    E deixe lá que leva outro aditamento...afinal amanhã pode haver ainda mais outro.
    zazie said...
    olha o nosso Gomez em grande forma! que saudades. A ver se posta um bocadinho, sff

    ":O))
    Gomez said...
    Caríssimos,
    Também só tenho tempo para estes comentários ligeirinhos :) que não almejam a post.
    Amanhã vão os advogados ao castigo. Que S. Ivo lhes valha!
    Cosmo said...
    Que bom que era que toda a gente deixasse de falar mal sobre Justiça!

    A Justiça em Portugal é divina!

    Vejam só como a Justiça funciona bem: sete (7) anos para descobrir que não há provas de que os falsos atestados médicos de Guimarães são falsos!

    Diz-se que dentro de dez anos vão ser anulados os exames dos (poucos)alunos que não apresentaram atestado. Os respectivos pais tambem serão castigados.
    josé said...
    Ah Inês! Que bom que era se essa coisa feita mostrengo a que alguns chamam "Justiça", fosse descodificada e traduzida de modo a que não ficasse reduzida por antonomásia aos poucos que ainda a vão fazendo, contra ventos e marés...
    Cosmo said...
    "aos poucos que ainda a vão fazendo, contra ventos e marés... "

    Só pode estar a referir-se aos de Fafe ... ahahah
    CarLoS said...
    Saúde (OMS): "estado de completo bem-estar, físico, mental e social, e não mera ausência de doença". Depois disto, como é que se define uma atestado médico "falso" ou uma "falsa" doença? Se até o Ministro fala no serviço "centrado" no utente? ...

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