Código 'Morangos com Açucar'

Constança Cunha e Sá assina hoje, sexta-feira, um belo texto no Público. Formalmente fala da Igreja Católica, do "Código da Vinci" e do seu impacto, mas na essência está a falar de 'tudo'. De tudo aquilo que é o país dos Morangos com Açúcar. Afinal a reverência dada à obra de Dan Brown não é diferente da dada a um qualquer Marcelo, Pacheco ou Zé Castelo Branco. Valem pelo share, pelo 'espectáculo', não pela capacidade de construir um qualquer futuro mas pela simples capacidade de 'animar' o presente (imediato). Não se pensa, não se reflecte, declama-se e representa-se. Conta a imagem, a presença e nada mais.

A recta final do texto, bem que pode ser lida mais ou menos assim... Afinal a "verosimilhança" que grande parte dos (e)leitores encontra nos nossos comentadors, opinion makers, e demais 'personalidades', para além de mostrar o grau de estupidificação e de superficialidade a que se chegou, entre nós, confirma uma confrangedora ignorância sobre o mundo, a política e a sociedade, a vida, e os mecanismos que a regem. O problema não está no desconhecimento, ou falta de acesso, a visões alterantivas ou diferentes : está no desconhecimento absoluto de tudo; Afinal, em tese, qualquer ser razoável, com uns rudimentos de história, de cultura geral, de experiência de vida, desconfiaria imediatamente de muito do que por aí se diz e escreve, como se verdade/realidade absoluta fosse. Sucede que os factos per se não interessam. Interessa é o momento, o 'espectáculo' - mistela esotérica que oscila entre o simplismo,o fantástico e o populismo que tem animado o mundo e as primeiras páginas de todos os jornais e as aberturas de todos os telejornais. Infelizmente, vivemos numa sociedade infantil que precisa de ser distraída com sociedades secretas, grandes máximas de gurús de ocasião, conspirações tenebrosas, cabalas, cassetes e envelopes, segredos que abalem a humanidade e heresias inconsequentes que se esquecem de um dia para o outro com a estreia de um filme, uma micro-causa, ou unas férias de Verão. Fica, no entanto, o essencial: a imensa distância que existe entre a realidade e os interesses que parecem reger as sociedades ocidentais, e em particular a nossa. No fundo, a realidade é já hoje um corpo minoritário num mundo que ainda não desistiu de influenciar. Parafraseando o cardeal Ratzinger: "Talvez as pessoas possam sentir que a oposição à ideologia banal que domina o mundo é necessária e que se pode ser moderno, precisamente quando se é antimoderno, ao opor-se ao que todos dizem."

Não, cara Constança, não foi a Igreja (composta por homens) que falhou. O que está a falhar é todo um modelo de sociedade. Mas temos os Morangos com Açúcar.

Publicado por Manuel 05:28:00  

2 Comments:

  1. formiga bargante said...
    Caro Manuel

    É bom saber que está de volta, e para ficar.

    É bom para todos nós.

    Já agora, uma questão:

    Nos Estados Unidos o que aconteceria se o jornalista de um jornal semanal (marcelo+expresso) se ocupasse a inventar "factos políticos" para, a partir daí, construir toda uma lógica de análises políticas?

    Acabava, como marcelo, comentador "respeitável" da comunidade jornalística, ou era expulso da profissão ?

    Cumprimentos.
    fado alexandrino. said...
    Pergunta interessante, mas a questão é que Marcelo é professor universitário, doutorado em Direito e nunca foi jornalista sendo muito apreciado nos seus pareceres (os jurídicos)

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