Sinais

A nomeação de Carlos Blanco de Morais para a assessoria jurídica de Cavaco Silva é um primeiro sinal substantivo do que podem vir a ser as posições da Casa Civil na muito sensível matéria dos poderes presidenciais. Muito mais do que a leitura das folhas de chá que tem sido feita nesta matéria a propósito de declarações mais ou menos deliberadamente equívocas de Cavaco Silva, acrescente-se.

Não se põe me causa o currículo académico, que é muito amplo, nem a capacidade de abordar as questões da política corrente, tendo em conta que o novel assessor transita da PCM, onde esteve algum tempo.

O que se questiona é o entendimento que Carlos Blanco de Morais tem feito -e publicado extensamente - sobre a actual Constituição da República.

Esse entendimento é muito crítico do actual texto e das soluções nele contidas (sendo corrente o confronto com a Constituição de 1933).

Por exemplo, no contexto do chamado "arrastão" e da subsequente discussão sobre a Lei da Nacionaladide Carlos Blanco de Morais escreveu no DN (arquivo) um texto exemplar do seu posicionamento.

E o que diz o mesmo autor sobre os poderes presidenciais? Bom (arquivo), diz isto, que é bem revelador:

"Qual será, pois, o alcance máximo dos poderes presidenciais permitido pela Constituição e tolerado pela lógica do sistema? Tudo dependerá de uma combinação de cinco variantes competências presidenciais na Constituição; leitura que delas faz o Presidente; existência, ou não, de um cenário de coabitação; sustentação do Governo numa maioria absoluta; e o facto de o Presidente ser, ou não, o "líder natural" do bloco maioritário no poder.(...)".

E retira destas considerações uma espécie de plano em duas fases. Uma primeira de coabitação forçada com uma maioria de esquerda e uma segunda de liderança efectiva de uma maioria de direita.

Assim, numa primeira fase temos um:

"«cenário de coabitação» (em que o Presidente e o Governo pertencem a blocos políticos diferentes), o Presidente tenderá a limitar os seus poderes ao exercício de funções "moderadoras", ante um Governo reforçado com uma maioria parlamentar absoluta. O apreço "genético" de Cavaco pela estabilidade governativa não faz prever que venha a desestabilizar o Governo ou a colocá-lo sob tutela. Isto, sem prejuízo do exercício de poderes de impedimento em relação a leis estruturantes (através do veto ou do controlo preventivo da constitucionalidade) e de uma decisiva magistratura de influências passível de uma mobilização colectiva em torno de objectivos nacionais de ordem política, económica e estratégica."

Na segunda fase a coisa fica mais complicada.

"Tudo poderia mudar num futuro "cenário de confluência", em que Presidente, Governo e uma maioria parlamentar absoluta emirjam do mesmo bloco político. Se o Presidente não for um mero "notável" (como Sampaio), mas o "líder natural" da maioria governante, o sistema poderia gerar um "semipresidencialismo de pendor presidencial", nunca antes ensaiado em Portugal."

Nunca antes ensaiado em Portugal nestes estritos moldes, mas essa acumulação de poderes foi experimentada no âmbito da Constituição de 33, que Carlos Blanco de Morais tão bem conhece.

Eu, por mim, estou preocupado.

Publicado por irreflexoes 11:38:00  

1 Comment:

  1. FM said...
    Preocupa-se em vão. Só pode estar preocupado quem tinha ilusões e começa a sentir que foi enganado. Não é o caso de muitos portugueses que já não vão em cantigas...

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