O mercado das memórias

Que viva o mercado! Escreveu José Manuel Fernandes, director do Público hoje, no título de editorial (já mais banalizado do que as pipocas da Lusomundo).
E viva porquê? Ora, leia-se...

Num país apático como Portugal, o choque desta operação pode ser uma excelente terapia, mas se o filme de Eisenstein Que viva México! Ficou sempre por terminar, a longa novela que vai agora por certo iniciar-se devia terminar por forma a ser, um dia, conhecia por...Que viva o mercado!
Extraordinária fé, revelada ainda há pouco, poucochinho, quando nem uma luz se abria, na cegueira do caminho, para os seguros amanhãs a cantar! O filme de Eisenstein, aliás, recorda o México em que Trotski foi assassinado a golpe de picareta, a mando do dono dos amanhãs.

Agora, a fé inabalável, voltou-se para o sagrado Mercado, um embezerrado ícone do progresso geral. Supõe-se que será um mercado livre, comum, globalizado. Um mercado que é sinónimo de capitalismo, em concorrência livre e empresas formadas numa hora, com empregados à hora em regime de segurança mínimo e porta da rua sempre à espreita.

Basta ler o incenso que outro turiferário dispensa, no 'Espaço Público'. No"Diz-se", cita-se Sérgio Figueiredo...
Belmiro, pois claro!, o (sic) maior empresário português dá-nos, antes de tudo o resto, uma bela lição de vida. Uma lição que serve a todos, mas especialmente a quem ainda não percebeu onde se formam os verdadeiros campeões nacionais: no mercado - não nos corredores dos ministérios.
A gente que não incensa mercados a torto e a direito, lê isto e espanta-se! Então, de onde têm vindo sempre os mais importantes executivos dos ministérios? Mas não é exactamente do Mercado, mesmo que o seja dos valores (i)mobiliários ou da banca pública e gabinetes de estudos sobre... o Mercado?!

Haverá alguma dúvida, nestes últimos vinte anos, sobre a importância que o Mercado assumiu no panorama da economia pobre que nos oprime? É por isso extraordinária, a Fé que estes neo-convertidos depositam nos novos shamãs e gurus dos tempos modernos: os empresários! Os patrões! Os antigos vilipendiados por todos os males do mundo e arredores, são agora incensados como os salvadores de pátrias e nações e repositores de orgulhos perdidos. Até um Gates, William, teve direito a comenda e recepção ministerial au complet!

Dantes, ainda nem há muito tempo, alguns dos que lhes cantam loas, imputavam-lhes, com o mesmo fervor neófito, a exclusiva responsabilidade de confiscarem as saborosas mais valias àqueles que de seu tinham apenas a força do braço e o vigor da perna, dispensando-lhes , em troca, amendoins e um pouco de água pé. Figuravam então os agora incensados, com chapéus de coco e barriga lata, a fumar habanos, antes de terem sido nacionalizados, para bem do povo e desgraça justa dos horrendos exploradores de roças. Desconfia-se que bem lá no fundo, persiste o velho preconceito e só mesmo o odor intenso a dinheiro vivo e a saltar, apresentando promessas de nozes em vez de amendoins, os distrairá da velha aspiração de orientar o mundo pela bitola da razia igualitária, submetendo à força os refractários. De vez em quando lá afloram as tendências recalcadas mas permanentes e será por isso, que o foguetório laudatório aos antigos inimigos é mais intenso em ocasiões destas.

Ao menos, estes bravos guerreiros, verdadeiros lutadores pelos amanhãs que ainda lhes cantam sonoramente ao ouvido interno, não têm papas na língua e escrevem no seu sítio internético, girtando nos lugares do costume...
(...) enquanto os grandes interesses, as grandes empresas e grande capital financeiro vão vivendo à "tripa forra" com lucros nunca antes vistos e impostos pagos, quando os pagam, a preço de saldo». Jerónimo de Sousa alertou também para «a paulatina transformação da matriz constitucional do Estado de Direito Democrático ao serviço do povo, em Estado mínimo ao serviço dos grandes senhores do dinheiro que sonham com o dia em que haverá um orçamento a financiar apenas os seus projectos e os seus negócios, sob a eufemista designação de despesas de desenvolvimento».
Ora assim é que se vê, a força ...do PCP!

E estes melífluos maquisards, também já escrevem indignados, lá da sua trincheira...
O Bloco de Esquerda não aceita a concentração monopolista, nomeadamente na área das telecomunicações, porque esta prejudica os consumidores, gera super-lucros que são inaceitáveis e atrasa a criação de capacidades tecnológicas no país.
Assim se nota, a força...do Bloco!

Resta por isso, ornamentar as dúvidas sobre a conversão dos neófitos. E ponderar se há espaço político, em letra de imprensa, para tanto bloqueador de progresso instantâneo! É que a contradição gera sínteses imprevistas, já sugeriam os antigos trotsquistas, afilhados dos marxistas e legatários da dialética. Ou será, afinal, tudo uma questão de Mercado?!

Para tomar o pulso a um mercado, neste caso livreiro, merquei a revista 'Os meus Livros', deste mês de Fevereiro que me prometia na capa, O jogo do Amor e outras loucuras, para além de uma entrevista com Rui Tavares que descobri ser o mesmo que animou por aí um blog e continua a animação noutro.
O entrevistador (João Morales) desta revista graficamente bem feita, mas com densidade elevada de nomes em bloco, cita o referido Tavares, a propósito de um livro pomposamente intitulado "Pequeno Livro do Grande Terramoto", como dizendo o seguinte...
...Pascal diz que "a memória é necessária a todas as operações de raciocínio".
E continua o mesmo entrevistado a dizer...
Mas a acção necessita de esquecimento... e os políticos têm essa característica, de tentar controlar o nosso esquecimento, certos políticos só estão na liça porque conseguiram fazer com que as pessoas esquecessem. Se as pessoas se lembrassem não estavam lá...

Rui Tavares, para quem não saiba, e na revista fica esclarecido, foi autor de uma petição "online", para...
"a libertação de uma mulher que considerava em prisão perpétua, desde os 14 anos. Nada mais, nada menos do que ...a Irmã Lúcia" .
Perante a perplexidade de uma tal petição a favor de alguém que nada lhe pedira e que se calhar nem soube do altruismo de tal benemerência, alguém lhe terá perguntado se não podia fazer o mesmo pelo Dalai Lama! Que não! "Que não era preciso",- pois "este era livre e andava pelo mundo todo a falar sobre as suas crenças"...

O Mercado tem memória?

Publicado por josé 16:23:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    ahahahha grande post!

    e de caminho ainda disse umas verdades ao menino historiador e libertador das freiras oprimidas. Estava a precisar.

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