Supérfluo
terça-feira, janeiro 03, 2006
Confesso: as crónicas de Vital Moreira no Público atiram-me para um limbo de indiferença, quase sempre. Não consigo ler os arrazoados muito para além de dois ou três parágrafos.
Além do mais, porque batem quase sempre numa tecla anquilosada pelo tempo e porque fazem jus, quase sempre também, ao preconceito mais previsível em relação a quem vislumbrou uma luz democrática, já no dealbar do séc XXI, depois de passar mais de cem anos num estranho obscurantismo.
Hoje, no Público, atiçado por metáfora futebolística que prometia piruetas argumentativas, atirei-me ao escrito do dia.
Logo no segundo parágrafo, mais extenso que o primeiro, estanquei subitamente ao esbarrar na leitura de uma expressão algo familiar mas que me soou bastarda ao ouvido interno: “super partes”. ´Super partes`?!
Deve dizer-se que o contexto da expressão, reconduzia a mesma a uma noção do autor sobre o papel a desempenhar por um presidente da República, no nosso actual quadro constitucional. Escreve Vital Moreira que “Até agora, a referência consensual do papel presidencial entre nós era a de “árbitro” (…) que “é necessariamente exterior ao desempenho dos agentes do jogo político, competindo-lhe designadamente regular de forma imparcial, super partes [assim mesmo, escrito em itálico], as relações entre eles(…).
Julgando estar desactualizado na semântica da língua pátria e tendo em alta conta o teórico constitucionalista, além do mais, escritor de manuais, refugiei-me da dúvida: será assim que se escreve, em português corrente, a noção plana de algo ou alguém que deve estar “ acima de”, “por cima de”, “além de”, no sentido posicional do termo e não abrangente?!
O escrito vem assinado pelo “Membro da comissão política da candidatura de Mário Soares”. Ora, se fosse escrito pelo próprio candidato ( ou até por qualquer um dos outros, incluindo o poeta) nem estaria para aqui a especular sobre particularidades linguísticas. Porém, é um escrito “ de autor”. De um cientista do Direito. De um professor de cátedra rigorista dos conceitos constitucionais. Aliás, é assim que o escrito se desenvolve, com a procura da definição do papel jurídico- constitucional do mais alto magistrado da nação.
Logo, “super partes” não soa bem.
Depois de uma breve indagação, pode concluir-se que não se deve escrever assim, para significar o que ali ficou escrito.
“Super” é palavra que remete para um excesso, não para uma posição de princípio. A posição deste, deve ser assumida pela palavra “supra”, parece-me pelo que li e ouço.
Em latim, “super” e “supra” significam o mesmo, a acreditar no que diz o velho Torrinha dos anos trinta. Mas em português corrente e semanticamente evoluido, derivado daquela raiz, a consonância já não pode ser a mesma, pois não é assim que soa ao ouvido comum. “Supra” remete para uma noção imediata de algo que se coloca “acima de”, conjugando melhor com “as partes”, com o sentido indicado, do que a outra expressão que nos agiganta as mesmas, sem necessidade…
“Supra partes”, é super fashion. “Super partes”, é super piroso, parece-me.
Publicado por josé 10:20:00
Logo, a meu ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, não exerce um poder "supra", "super" ou "infra" partes, exerce o poder que a Constituição lhe reserva - o poder que cabe à "parte" presidencial, se se quiser encarar a divisão de poderes como a sua distribuição pelas "partes", in casu, os órgãos de soberania.
Nessa perspectiva não me parece razoável ou correcto o texto em causa, mais virado para a luta política conjuntural do que para a análise do texto constitucional.
1. Sem dúvida que o PR deve zelar pelo bom funcionamento das instituições democráticas - mas esse é um dever que incumbe também a todos os restantes agentes políticos, designadamente aos órgãos de soberania; não é um dever exclusivo do Presidente.
2. A meu ver, numa democracia ninguém está acima das instituições democráticas.
3. Num sistema de pesos e de contrapesos (checks and balances, na acepção anglo-saxónica) cada órgão político pode ser um peso numa ocasião e ser um contrapeso noutra, dependendo do caso concreto - pretender que um desses órgãos seja sempre o fiel da balança parece-me irrealista e é desmentido pela prática política (vide, p.ex., discursos "tomba-Governos" de Ramalho Eanes e Presidências Abertas de Mário Soares).
Se fossem eliminados os conflitos pessoais, com o puro prazer de espezinhar, a discussão correría, provavelmente, melhor.
Quanto à questão de fundo, percorri algumas das anotações da Constituição anotada pelo V.M. e G.Canotilho, edição de 1993.
No artigo 123º na anotação final, pode ler-se esta pérola:
" COmo representante da unidade da República e como garante do regular funcionamento das instituições o PR assume especialmente um papel de arbitragem de conflitos institucionais e de fiscalização da condução do Estado por parte do Governo e da maioria parlamentar."
Aposto que isto, em 1993, permitia a Vital Moreira sustentar o contrário do que agora escreve.
COmo já devem ter lido por aqui, o Professor Orlando de Carvalho, dizia ( disse uma vez ao Público)que "o Direito é uma aldrabice secante".
É isso que Vital melhor sabe fazer, algumas vezes. E estou pronto para a demonstração.
Por isso, concordo com o teor do último comentário do Alfredo Bruto da Costa. E aposto que se tivesse um pouco mais de tempo, descobriria algures uma crónica do Vital Moreira a defender exactamente isso. E o contrário também, como agora.
E se o Soares ganhar, voltar a defender o oposto.
A porra toda é que agora há memórias que ficam escritas...
Isto significa o quê, exactamente?!
Vital e Canotilho dizem naquela obra que a interpretação de tal "conceito vago" sobre o que significa verdadeiramente a noção de "emergência grave", suscita "grandes dificuldades."
Espera-se que essas dificuldades sirvam para justificar...tudo.
Pois são eles mesmos quem na notinha na pág. 591 ( da edição de 1993) dizem que " (...) existe, porém, uma larga margem de discricionariedade política do PR, quer para decidir quanto à existência de "emergências graves" que justifiquem pronunciar-se e para individualizar os pressupostos objectivos da sua tomada de posição ( problemas de anormalidade constitucional, situações económicas excepcionas, etc.) quer para escolher o momento e a forma de se pronunciar."
Como é que alguém que co-assnou estes comentários vem agora escrever o que anda a escrever?!!
Julga que somos todos parvos?!
Em latim, "super" e "supra" significam a mesma coisa...contudo, há na linguagem um elemento que nenhum Torrinha em 1937, poderia adivinhar para dali a 50, 60 ou 70 anos: qual o sentido da evolução semântica!
E esta evolução não me parece que permita dizer que as partes são "super"!!
Ahahahah!
Quem foi a besta incompetente que escreve dois parágrafos com três interpretações possíveis? Espero que já tenha sido despedido...
"super-
[dal latino super, sopra]. Prefisso usato in vocaboli di formazione dotta o moderna nei quali si alterna con sovra- e sopra-; indica genericamente superiorità. In particolare esprime: addizione, sovrapposizione (superinfezione); eccesso rispetto alla misura, al limite normale (superaffollamento, superalimentazione, supersonico); preminenza (supervisione) e preminenza assoluta (superuomo); più raramente conserva l'originario significato di sopra (superumerale). È presente in molti vocaboli moderni nei quali esprime l'idea superlativa (supercinema, supermercato ecc.), specialmente nel linguaggio pubblicitario (supercolosso). Si usa autonomamente con valore di agg. e, più raramente, di s.: benzina super; il super, il non plus ultra."
Sintomático, aliás que numa consulta ao Google a expressão "super partes" venha quase exclusivamente associada ao italiano...
Não sei como explicar, mas talvez esta passagem de Shakespeare ajude a compreender:
Shakespeare's quote from Henry VI: "THE FIRST THING WE DO, LET'S KILL ALL THE LAWYERS."
Tenha porém, muito cuidado na interpretação...pois há por aí, na net, quem considere esta frase assassina, um preito de homenagem ao Direito e à lei...o que só vem confirmar o pior receio.
Ahahahahah!
A "ilucidar" e a citar o artº 120º da CRP quando já havia sido citado o 123º ( equivalente de 1993 e com idêntica redacção), parece-me que não vai merecer a atenção, desta vez.
Ou se entender por bem, releia o postal, antes de acometer com provocações, mesmo que sejam bem dispostas...:-)
Super ou supra- escolha à vontade! Uma será fashion; a outra, pirosa.
É uma questão de gosto...