Subsídio à fisiopatologia do prurido provocado pelo anonimato em alguns meta-políticos

«Vê-se que o espaço público falta cruelmente em Portugal. Quando há diálogo, nunca ou raramente ultrapassa as "opiniões" dos dois sujeitos bem personalizados (cara, nome, estatuto social) que se criticam mutuamente através das suas crónicas nos jornais respectivos (ou no mesmo jornal). O "debate" é necessariamente "fulanizado", o que significa que a personalidade social dos interlocutores entra como uma mais-valia de sentido e de verdade no seu discurso. É uma espécie de argumento de autoridade invisível que pesa na discussão: se é X que o diz, com a sua inteligência, a sua cultura, o seu prestígio (de economicista, de sociólogo, de catedrático, etc.), então as suas palavras enchem-se de uma força que não teriam se tivessem sido escritas por um x qualquer, desconhecido de todos. Mais: a condição de legitimação de um discurso é a sua passagem pelo plano do prestígio mediático - que, longe de dissolver o sujeito, o reforça e o enquista numa imagem "em carne e osso", subjectivando-o como o melhor, o mais competente, o que realmente merece estar no palco do mundo.»

GIL, José, "Portugal, Hoje: o Medo de Existir", 2004, Relógio D'Água Editores, pp. 30 e 31

Publicado por Nino 22:02:00  

2 Comments:

  1. Cosmo said...
    É só descobrir quem é o branco e quem é preto.
    Acabei de ler este comentário que completa o que diz o post:
    http://cocanha.blogspot.com/2006/01/los-de-la-rollona-tragi-comdia-de.html#c113734923245449798
    Olindo Iglesias said...
    Embora esse extracto seja bom, o livro é uma merda indescritível. Há muito tempo que não lia nada tão mau!...

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