O sentido da autonomia

Como resposta, ainda que atrasada, a quem vilipendia gratuitamente e por ignorância pura, aqui fica uma passagem de um discurso, extraído daqui:

"(...)Como referi noutra oportunidade, a organização da justiça no Estado Novo era uma boa réplica daquilo que Montesquieu classificou de "poder nulo".
Os tribunais eram, no essencial, independentes.
Mas tudo o que constituía relação de poder estava-lhes subtraído.
O valor hermenêutico e a própria ideia de constituição eram deficientemente assimilados pelos aplicadores do direito. As jurisdições administrativas contavam-se pelos dedos de uma mão e correspondiam a um contencioso de mera legalidade retido pela Administração. A justiça tributária era exercida, em larga medida, por funcionários do fisco. E a justiça criminal raramente se aproximava do poder.
Neste caso, por uma tríplice ordem de razões: os crimes contra a segurança do Estado eram investigados pela polícia política e julgados por tribunais plenários; os crimes praticados por agentes da autoridade estavam sujeitos a garantia administrativa; e a criminalidade económico?financeira conotava-se com infracções bagatelares ou, muito episodicamente, com um ou outro caso de maior relevância explicado por razões de dissidência.
Se a justiça parecia mais eficaz (hipótese sujeita a caução se se compulsarem os relatórios da época), é porque o fenómeno da massificação não tinha ainda atingido nada nem ninguém.
O sistema penal estava calibrado para uma delinquência de tipo essencialmente rural. E, nesse contexto, os meios de investigação criminal podiam concentrar-se nas grandes cidades e deslocarem-se apenas, já então pesados e lentos, quando esta "ordem" era violada."

(...) Cunha Rodrigues

Publicado por josé 17:27:00  

2 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    "E a justiça criminal raramente se aproximava do poder."
    Este texto é sobre a justiça no Estado Novo ou sobre a Justiça no tempo actual?
    josé said...
    Bem observado.
    E dá que pensar, de facto.
    Quando lemos altos intelectuais de generalidades, a debitar inanidades sobre um sistema juridico constitucional que manifestamente nem conhecem como deve ser, a pergunta simples a fazer é esta:
    Querem repetir o sistema do Estado Novo, de garantia administrativa?
    Querem capar a autonomia do MP, para permitirem ao GOvernos o controlo directo das investigações sobre eventuais membros desse governo?
    É o que MST quer, objectivamente!

    Ao menos, no Estado Novo, havia uma coerência e uma série de valores que agora foram completamente abandonados.
    Um exemplo?
    Salazar pagava o gás que gastava na parte da casa que habitava e que era no mesmo edifício da Presidência do Conselho.
    As contas bancárias e os bens materiais que acumulou durante 48 anos de ditadura e de poder quase absoluto, não tem comparação com as fortunas de alguns políticos recentes e a quem não se conhecia fortuna por aí além, antes de o serem.
    O mesmo se pode dizer de Marcelo Caetano.
    A seriedade e a honestidade verdadeiras, definitivamente, não são valores de Abril.
    E não se venha com o paleio do fassismo e da repressão fassista e que estas ideias são de extrema direita.
    Observem com olhos de ver! Deixem a perspectiva política e partidária e ponham os pontos nos ii.
    Um partido não tem de ser um grupo de devoristas que aproveitam frinchas da lei para sacar milhões, em proveito próprio e do grupo.

    HONESTIDADE era um valor. Deixou de ser.

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