A nova cabala
domingo, dezembro 04, 2005
O Expresso da semana passada titulava na primeira página que o “PS quis afastar Souto Moura”. E referia-se explicitamente a escutas telefónicas que assim o comprovavam. Essas escutas envolviam directamente alguns políticos de topo, do PS e do CDS e ainda um assessor da PR. Não referiam qualquer crime; não mencionavam qualquer malfeitoria grave. Apenas as conversas entre amigos da política e não só, com um desígnio comum: verem o PGR pelas costas quanto mais cedo possível.
Tal notícia, apesar de tudo, causou “frisson” nos meios político-jornalisticos.
Tanto, pelo menos, quanto uma outra notícia, veiculada pela Visão duas semanas antes que informava os leitores fiéis e depois o público em geral, de que “Judiciária faz busca na casa de Jorge Coelho”.
Apenas essa informação simples, complementada depois, no interior com um esclarecimento sui generis do próprio Jorge Coelho que confirmou o facto ( falando sobre algo que estava em segredo de justiça…) e ainda uma fonte anónima ( solicitado pela fonte…)que esclareceu que a busca tinha pouco a ver com investigações ao político. Não obstante, isso bastou para que o próprio Jorge Coelho, se declarasse publicamente impoluto e incorruptível e exigisse esclarecimento público à PGR- que aliás, o deu e atestou para esse caso.
Essas notícias saíram de violações de um segredo que se chama de justiça e que se destina a proteger investigações criminais. A lei penal pune com uma peneca de dois anos de prisão tal infracção ou, menos ainda, com uma pena de multa.
É uma pena tão pesada como a que uma de condução de mota, sem cartão da Câmara. E ao crime que se lhe associa impropriamente e que é o de difamação, a lei penal também dá a importância correspondente, ao afinfar-lhe com uma pena de prisão até…seis meses, ou multa!
Como se pode ver, o legislador distinguiu essas infracções como sendo das mais graves do sistema democrático e por isso, tornam-se tremendamente compreensíveis as preocupações avulsas de comentadores com foto em jornal. Há um, no DN de ontem, um tal Paulo Cunha e Silva que se arroja ao chão da indignação ao saber que haverá para aí 40 mil escutados em Portugal, em processos judiciais! Claro que não foi perguntar a que processos se refere o número e por isso, este só lhe diz o que quer ouvir e que é o terror de poder estar no rol. Daí o alarme, pela segurança dos cidadãos desprotegidos pelas leis penais. Neste caso, como nos demais, é notório e público que a culpa reside mais uma vez no malfadado sistema de justiça, “com pinças articuladas com interesses corporativos das próprias instituições que as utilizam” .
Se uma alma caridosa lhe disser que as escutas fazem-se por quem muito bem as quiser fazer, usando sistemas muito mais eficazes e complexos do que os disponíveis no parque tecnológico das polícia judiciária, leva um choque, de certeza. Assim, prefere chocar basbaques.
Este recado de terror difuso encontra igual eco, nas crónicas de outros iluminados pelo sistema político mediático e que dele vivem: Miguel Sousa Tavares e José Pacheco Pereira.
Na ausência de referências concretas e conhecimento preciso sobre o como, quem, quando, onde e porquê se fazem escutas telefónicas legais, em Portugal, atiram para alguns responsáveis directos, na orgânica do sistema de Justiça, o ónus da prova negativa daquilo de que abertamente os acusam: abuso de poder! Nem se dão conta da enormidade do gesto, e muito menos da pequenez de raciocínio que comporta e da lama que dispersa.
Em tempos idos, foi o SIS o bode expiatório de escutas ilegais; o SIEDM, a seguir e simultanamente. Nem lhes ocorre de quem dependem, de facto, esses organismos. Nem lhes ocorre quem eram as majestades que no devido tempo recolheram relatórios oficiais sobre pedofilias e afins e também apanharam com as acusações de escutas ilegais e não se livram das suspeitas de saberem a Verdade.
Agora, na sua suficiência de raciocício brilhante, calham-nas ao Sistema de Justiça e à PGR em particular, atribuindo-lhes as despesas desta nova campanha triste e de arrogância mediaticamente feita. São eles , assim, os novos mensageiros, da nova cabala em marcha! Os comentadores encartados, não medram sem cabalas à vista.
Aproveitando o andamento deste comboio malandro em marcha acelerada e a propalada gravidade dessas infracções, o governo em peso, em majestade ofendida, torna-se compungida e hipocritamente solidário no medo e apresta-se a rever pela enésima vez os códigos penais e até cria uma unidade missionária para reformar o sistema penal.
O mel caiu-lhes na sopa, cozinhada por esta espécie de idiotia inútil, porque não é impunemente que se vem a saber publicamente que um dirigente de um grande partido com vocação de governo, diz abertamente que para ele, o segredo de justiça vale exactamente o que lhe sai pelo buraco dos fundos. Nem poderia passar sem revisão, a lei que não assegura punição condigna a quem permite que sejam escutados parceiros de clubes secretos ou discretos que por isso mesmo nunca deveriam ser ouvidos.
Não será assim de estranhar que ao ouvir e ler políticos e comentadores encartados e de avença posta, os ouçamos falar da extrema gravidade da mais hedionda das infracções, cuja punição nunca seria satisfeita com menos do que a flagelação pública num pelourinho, se estivéssemos ainda no tempo do Senhor D. José. El-Rei, no tempo do terramoto.
Nessa perspectiva anacrónica, aliás, verificamos a evidência de uma repristinação ajustada do antigo crime de “lesa-majestade” que fazia furor em qualquer ancien régime. O crime de lesa majestade era então comparável à lepra e por isso temido com terror, por todos os cortesãos e almocreves da corte, como agora o continua a ser, pelos mesmos.
É por isso que vemos hoje, em Portugal, um movimento disperso mas uniforme, em jornais e artigos de opinião, formado pelos encartados do costume e de avença posta, a reclamar pelourinho e desprezo públicos, para os atentados à majestade instituída; a forca do opróbrio aos ofensores dos bonzos do regime e o cadafalso da demissão, aos que atentem contra os imperadores dos pequenos poderes.
Como este ritual de sacrifício aos pequenos deuses caseiros se tornou norma em jornais e revistas, mesmo de referência, talvez se torne necessário um pequeno exercício de correcção de perspectivas e actualização de lentes de observação de factos.
Aquelas notícias , alguém as forneceu aos jornalistas. E das duas, uma: ou os jornalistas as pediram, pelas vias usuais de ir com o cântaro à fonte; ou a fonte procurou o cântaro e despejou a inquinação em forma de escrita na água que se escoa pelo ralo do anonimato, depois de coada pelo jornalista.
Estes por seu turno, protegem as fontes com o escudo cioso do seu próprio segredo profissional que ninguém ousa beliscar. São os mensageiros! Logo, são neutros, não participam nos factos e por isso as fontes ficam a aguardar nova ocasião.
E como se não bastasse, passa a ideia generalizada de que são as fontes que vêm ter com eles, pelo que poupam no cântaro e na jorna.
Assim, limitam-se a recolher o que lhes trazem, coitados, sendo as fontes que os obrigam a publicar o que lhes dizem. São as fontes que os obrigam a guardar a água inquinada e são as fontes quem os incita a dar de beber a outros. São vítimas das fontes.
Por isso é que escrevem na água. Nunca são responsabilizados por isso, porque a escrita não é deles- é das fontes.
Compreende-se até este jogo de cumplicidades. Oa aguadeiros ficam aliviadas da água-childra e os jornalistas aliviam-se no público da responsabilidade pela divulgação dos aguaceiros. Fazem-no através do chamado direito à informação do público leitor.
É essa a normalidade de uma redacção que se preza: ter aguadeiros anónimos que trazem aguadilha para transformar em água-forte.
O que já se torna verdadeiramente interessante, para não dizer sumamente hipócrata, é o cinismo, a roçar desfaçatez com que o mesmos órgãos informativos, às vezes nos mesmos números em que se publicam os escândalos de lesa-majestade, também publicam artigos de opinião a apontar os aguadeiros, a eito e sem cerimónia e a apontar-lhes as vergonhas de venderem a honra ao desbarato, exigindo pelourinho pelo crime antimajestático.
Assim, no mesmo Expresso que publicava a notícia sobre as manobras do PS, aparece esta semana, um cronista de Zapping , emailado no sapo como panunciacao , a escrever o seguinte:
“(…) Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo , depois de acentuar o excesso de escutas telefónicas que se fazem em Portugal, virou-se para Jorge Coelho e afirmou:
Você não tenha dúvida nenhuma de que está ser escutado.
Coelho admitiu logo que sim e adiantou que os altos cargos do Estado já contam com isso quando falam ao telefone.
Os jornais divulgam as escutas de políticos com conversas que nada têm a ver com processos investigados.”
Os jornais, caro panunciacao?!! Os jornais?! Diga antes: “Este jornal Expresso- que me paga para andar aqui a escrever estas baboseiras”! Diga, que lhe ficaria muito melhor!
E diga também que o Pacheco Pereira deve ter cá umas fontes e peras! Para fazer afirmações daquele calibre que são de extrema utilidade para a democracia que lhe deu quase tudo o que tem, - só pode ter- fontes- e peras!
E continua o mesmo avençado: “ Os magistrados portugueses devem perder demasiado tempo numa espécie de orgias de voyeurismo auditivo e a seleccionarem partes para partilharem com o público. É uma velha guerrinha que mantém com a política e que vem mais ao de cima quando são espicaçadas.”
Esta afirmação primorosa também só pode provir de aguadeiros. Porém, a interrogação que se segue já o nega: “ Será que uma reforma do processo civil, através de um pactos de regime e muita formação profissional, resolveria estes problemas”?
Não sei, por mim, não sei. Sei, porém, que nenhuma formação profissional fará de panuncaicao um comentador atilado destes assuntos. Isso, é certo. Tão certo como ter cuspido na própria sopa de letras do Expresso.
O caso da revista Sábado, porém, atinge todos os píncaros da pouca vergonha nesta matéria!
Em 6 de Maio de 2005 ( na verdade, 4 de Novembro de 2005…) a revista noticiava novidades provindas de fontes anónimas sobre o caso de Jorge Coelho e acrescenta a expressão “fontes policiais” para dizer quem lhes dá a água da escrita. Na pág. 32, noticiava mais novidades das mesmas fontes sobre o caso do furacão aos bancos, com indicações concretas sobre o teor das buscas realizadas.
Pois bem! Na edição de 25 Novembro, depois de uma “local” pitoresca, sobre um tal Reis Martins, inspector da PJ, escreve-se assim no editorial:
“ (…)se este é um processo [caso relatado pelo Expresso das escutas divulgadas] que estava na posse do Ministério Público, como é que Souto Moura pode, de forma ingénua e inocente, vir desculpar-se com a violação do segredo de justiça por parte dos jornalistas? Esse segredo só pode ter sido violado por alguém que teve acesso ao processo: quem ordenou as escutas, quem as vigiou, quem as fez ou quem as passou cá para fora. Não precisa de mudar a lei. Basta-lhe mandar averiguar e punir os culpados.”
Isto é que é o cinismo e a desfaçatez maiores! A direcção de uma revista que se serve declaradamente de aguadeiros anónimos da PJ para elaborar notícias com novidades em segredo de justiça, vem armar-se em mensageira da pureza das águas límpidas trazidas a caneco, e sujar o nome de instituições e pessoas que nelas trabalham! Como quem diz: Eh pá! Eu ando aqui a violar o segredo, mas não tenho culpa nenhuma disso! Vocês guardem-no como deve ser que nós assim já não o violamos! Nós somos jornalistas! Mensageiros! Não somos reles violadores de segredos alheios! Segredos, para nós, só o nosso! E além disso, vocês são uns crápulas, a violar assim os segredos que nos servem a nós - não como água límpida, mas como o próprio maná- para prosperarmos no negócio! O que você mereciam era ser despedidos! E já tarda, seus incompetentes!
É este o discurso da Sábado do grupo Cofina-Investec! Secundado, em modo mais subtil pelo próprio Pacheco Pereira, no próprio número em causa e que agora, ao contrário da Quadratura, já não sabe muito bem quem será o responsável pela divulgação das famigeradas escutas. Escreve que talvez seja importante dar atenção ao que elas revelam, passando por cima do segredo de justiça e outras miudezas éticas. E cita, como exemplo, o caso de Laurentino Dias que foi apanhado em conversa comprometedora com outro grande do futebol: Pimenta Machado! Diz PP que nesse caso talvez seja caso para dar importância ao assunto, dado tratar-se de um secretário de Estado ( na altura não o era, porém). Laurentino Dias é do PS…
Logo, este segredo é menos importante do que outros que atingem os companheiros de luta de Pacheco. É um segredo relativo e o crime já não lesa majestades, mas apenas almocreves. E isso, é assunto de estrebaria, como toda a gente percebe.
Como toda a gente já percebeu, “quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré”!
Publicado por josé 14:33:00
É que se não estava, perdeu uma bela ocasião para deixar de acusar os aguadeiros do costume...
Manual de boas maneiras de como atender, educadamente, o seu telefone
Como atender o telefone (telemóvel), quando este toca;
Diga;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. Sr. dr. Juiz;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. Sr. Magistrado do Ministério público;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. Sr. Agente da PJ;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. Sr. Funcionário da Administração da Justiça;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. Sr. Jornalista;
Bom dia (tarde, noite) Exmo. a toda a redacção do Jornal/Revista, para onde esta conversa poderá ir ter;
Bom dia (tarde, noite) a todos os leitores do Jornal, ou revista, que vão ler esta transcrição;
Bom dia...
Olhe ligue mais tarde que estou a ficar sem a porra da bateria no télélé