“Don´t ask, don´t tell, think only”

Fazendo fé num dos sites oficiais do Ministério da Cultura, no próximo dia 1 de Janeiro entra em vigor a Lei que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva sobre o Direito de Sequência. Trata-se de uma norma que estabelece alguns princípios de regulação no mercado de obras de arte e que, no essencial, permite ao autor de uma obra de arte plástica ou gráfica original beneficiar de uma participação económica sobre o preço de cada transacção da obra e nas suas sucessivas alienações. Pese embora os textos estejam disponíveis para consulta há já vários meses, a verdade é que a proposta não provocou a mínima agitação no mercado da Arte, o que é de estranhar pois trata-se de um instrumento jurídico com elevado potencial para mexer com os agentes, sobretudo os marchants, já que a eficácia da Lei implica o registo de todas as transacções realizadas, o que não deixará constituir um obstáculo burocrático a esta actividade económica. Percebe-se que discutir este assunto não interesse a um mercado que alimenta a esperança que esta seja mais uma das leis destinada ao baú das inutilidades legislativas. Embora a aplicação da Lei possa limitar o escoamento do produto - porque haverá uma redução da sua margem de lucro ou da dos negociantes, entenda-se - compreende-se menos o silêncio de artistas que continuamente assistem à exponencial valorização das suas obras sem que daí colham o benefício que a nova Lei prevê, apesar de hoje em dia a mais valia estar cada vez mais associada ao nome do autor, o que valoriza à partida qualquer trabalho futuro, independentemente do seu valor intrínseco enquanto objecto de arte, o que, infelizmente, não os torna diferentes do que de pior existe na sociedade portuguesa. O que não se compreende de todo é o desinteresse dos ministérios da Cultura, das Finanças e da Justiça pelo interesse público da Directiva, quando deveriam agir através da aprovação de um modelo para registo obrigatório de todas as transacções de obras de arte, para assim garantir a sua efectiva aplicação. Dá-se no entanto o benefício da dúvida a estas entidades já que ainda faltam alguns dias para que a Lei entre em vigor e até lá algo de útil pode ser feito para que haja regulação neste mercado.

Adenda: Pessoalmente, tenho alguma dificuldade em aderir à opção pela tradução do termo francês “Droit de Suite” por "Direito de Sequência", pois trata-se de algo que à partida não me diz rigorosamente nada. No Blasfémias, João Miranda, optou por lhe chamar "Direito de Sucessão", o que, apesar de o poder fazer numa tradução à letra, não faz sentido no quadro da nossa lei civil, dado que o direito sucessório é o ramo do direito que regula o conjunto de relações jurídicas que se geram após a morte de alguém. Inicialmente achei que a melhor tradução seria a de direito de sequela (direito de seguir a coisa), embora aqui também me surja a dúvida por este já ser um termo que é utilizado no contexto dos direitos reais, o que também pode por em causa a sua aplicação neste âmbito específico. Presumindo que a opção por “Direito de Sequência” foi devidamente amadurecida, seria interessante que os juristas linguistas envolvidos na decisão colaborassem, explicando-a convenientemente, de modo a que este não vá ser desnecessariamente um dos motivos da discussão em torno da norma.

Publicado por contra-baixo 00:31:00  

2 Comments:

  1. formiga bargante said...
    Meu caro contra-baixo

    Para além do desconhecimento desta lei por parte dos galeristas e autores, subsiste uma fortíssima dúvida sobre a sua eficácia, quando confrontados com a sua existência.

    E não vai ser ela que vai impedir o comércio ilícito de obras de arte.

    Só para ficar um pouco mais claro, uma das mais conhecidas galerias de lisboa possue uma máquina de contar notas, dado o número de transacções efectuadas a dinheiro.

    Acha que a lei vai acabar com esta situação?

    Tenho a maior das dúvidas.
    Palpita-me que vai ser mais uma lei...
    contra-baixo said...
    Meu caro FB,

    A Lei tem potencial para isso, a questão é as autoridades quererem actuar nesse sentido, regulamentando-a da forma adequada, e aqui é que está a dúvida.

    Já agora, esclareço que a ilicitude não estará no comércio em si, mas na proveniência dos fundos envolvidos.

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