Um editorial esfarrapado
domingo, novembro 13, 2005
A justiça portuguesa demonstrou esta semana que há muito sérias razões de preocupação sobre a sua seriedade e rigor. O desfecho do "caso Paulo Pedroso", um deputado que esteve seis meses em prisão preventiva com base numa investigação inconsistente, que no início muitos de nós tentámos levar a sério, deveria merecer profunda reflexão. Após mais de dois anos de continuadas suspeições, que dificilmente alguma vez serão anuladas, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que os indícios em que se baseou a acusação "não se revestem da 'suficiência' que a lei, a doutrina e a jurisprudência exigem para que seja lavrado despacho de pronúncia". Não é, aliás, a primeira vez que a Relação se pronuncia contra o trabalho do Ministério Público. Ora, se este é um caso que o procurador-geral da República assumiu directamente, impõe-se que saiba retirar consequências. A investigação foi tudo menos rigorosa. E se isto aconteceu com uma figura política relevante, fica a interrogação sobre o que acontecerá a cidadãos anónimos sem meios para se defenderem. Se se pretendia demonstrar que a justiça portuguesa não se deixa intimidar pelo poder político, pelos poderosos, não poderia ser pior o resultado. Pior ainda se tivermos em conta que estamos perante um processo em que às vítimas da pedofilia não podemos acrescentar vítimas de uma justiça pouco escrupulosa. É evidente que nem o Ministério Público nem os juízes são infalíveis. Mas devem ser rigorosos, alheios a ajustes de contas políticos e, sobretudo, responsabilizáveis.
O desfecho do "caso Pedroso", peça importante do processo Casa Pia, surge num contexto em que os magistrados se assumem descaradamente em luta política. Usam um vocabulário pouco respeitoso. Desrespeitam-se, desvalorizam-se. E, mais grave, criam a suspeição de que os movem sentimentos políticos revanchistas. Quem leu um comunicado em que os juízes portugueses exigem que o Governo retire as "devidas consequências" de uma notícia requentada em que se aludia a um alegado comportamento pouco ético do actual ministro da Justiça quando desempenhava funções públicas há 17 anos em Macau, não pode deixar de ficar perplexo. Independentemente do que pensemos de Alberto Costa, o seu comportamento em Macau foi objecto de decisões judiciais que o ilibaram de qualquer falta. Ora, quando são os juízes os primeiros a desrespeitarem os seus actos e não olham a meios para atingir fins políticos, as razões de preocupação sobre a saúde do nosso Estado de direito não podem ser maiores.
A deriva política de alguns operadores judiciais está a fragilizar a já debilitada justiça. Há quem não perceba que a forma pouco respeitosa como se coloca na praça pública se vira contra si. Há quem julgue que os portugueses ainda não perceberam que boa parte da lentidão da justiça se deve à pouca diligência dos tribunais. E que dizer do "caso Portucale", de que a justiça fez tanto espalhafato? Seis meses decorridos, o ex-ministro Nobre Guedes ainda não foi sequer ouvido. E que dizer da misteriosa busca sem suspeita a casa de Jorge Coelho? E que dizer da forma incompetente como se tentou escrutinar os bancos? Tem razão José Ribeiro e Castro "O Estado de direito está torto." Está tão obcecado com os poderosos como impotente para qualquer investigação consequente. E, quanto ao cidadão comum, pouco se importa com ele. Os processos vão apodrecendo nos tribunais.
O editorial do DN de ontem suscita várias perplexidades e comentários avulsos. O director do DN, António José Teixeira, é um jornalista que dirige um jornal bem recheado de profissionais que se presumem competentes, do mesmo modo que os mesmos certamente terão que presumir relativamente a outros profissionais, de outros ofícios. Em qualquer país civilizado, o director de um jornal de referência que escreve editoriais para serem lidos por toda a gente que lê o jornal, merece alguma atenção.
E merece essa atenção porque aquilo que escrever, deve ser fruto de uma preparação intelectual, técnica e de suficiente densidade para que não se desista de ler ao primeiro parágrafo, por força de uma qualquer evidência demonstrativa de desacerto e de desconformidade com as realidades. Por isso, o dito editorial merece atenção. E começamos pelo…início, comentado passo a passo...
A justiça portuguesa demonstrou esta semana que há muito sérias razões de preocupação sobre a sua seriedade e rigor.
Quem duvidará desta asserção genérica, a não ser pela circunscrição ao tempo desta semana? E nas outras semanas?
O desfecho do "caso Paulo Pedroso", um deputado que esteve seis meses em prisão preventiva com base numa investigação inconsistente, que no início muitos de nós tentámos levar a sério, deveria merecer profunda reflexão”
Quem disse que era inconsistente? O Tribunal da Relação de Lisboa, segundo o editorialista. E o TRL é a “vox Dei”? Ou será até a “vox populi”?! Pergunte o editorialista então à “vox populi” real o que pensa da tal “inconsistência”… pode mesmo perguntar, numa sondagem simples (até pode pedi-la ao politólogo Pedro Magalhães), na sua própria redacção, o que pensa a “vox populi” referida ao ´homo jornalisticus` comum.
A inconsistência jurídica apontada pelo TRL pode não ser tão consistente como parece. E só uma análise de todo o processo o poderá dizer, sem falhas. Análise que o próprio editorialista não fez. Ele próprio confessa que “no início” tentou levar a sério. No início, quando? Pode muito bem perguntar-se se esse início acabou no momento em que o deputado foi preso…
Não é, aliás, a primeira vez que a Relação se pronuncia contra o trabalho do Ministério Público”.Pois é claro que não é! As decisões dos tribunais superiores a analisar e avaliar as decisões dos tribunais inferiores são muitas vezes assim: contra! E isso significa o quê? Que o trabalho dos “inferiores” foi desprezível e inconsistente? Poderia significar, mas para isso, terá sempre que se saber tudo o que se fez no patamar inferior; como se fez; o que se poderia fazer; se se fez ou não e se não, porquê. Não é a essas perguntas que os tribunais superiores respondem. E o editorialista deveria sabê-lo.
A investigação foi tudo menos rigorosa. E se isto aconteceu com uma figura política relevante, fica a interrogação sobre o que acontecerá a cidadãos anónimos sem meios para se defenderem”
Ora bem. Para se afirmar uma coisa destas com toda a tranquilidade de um editorial de fim de semana, escrito no remanso de uma redacção ou gabinete particular, é preciso saber que investigação se fez e como se fez. O editorialista sabe?! Não sabe. Tira apenas nabos da sua púcara… para dizer a seguir uma enormidade - “se isto aconteceu a uma figura política relevante…”
Como isso? Então, dá-se de barato que se diferenciou o tratamento do arguido por ser quem era?! É assim que o editorialista acha que é o normal procedimento?! Não me lembro de ler algo escrito pelo editorialista, sobre o conteúdo das escutas que apanharam conversas entre o então ex-ministro António Costa e Ferro Rodrigues. Mas toda a gente que sabe disto, as leu. E pelos vistos pesam nada, nesta apreciação em prognose póstuma daquilo que foi o tal tratamento.
Essas conversas tornam evidente uma coisa: quem diferenciou desde sempre o caso, tornando-o político, foi a força política que apoia o deputado arguido! Essa verdade é insofismável. E sobre isso, talvez haja por aí uma linhazinhas a lamentar a manifestação apoteótica à sombra do Parlamento, etc etc.
É evidente que nem o Ministério Público nem os juízes são infalíveis. Mas devem ser rigorosos, alheios a ajustes de contas políticos e, sobretudo, responsabilizáveis.Que é que isto quer dizer? Que houve ajuste de contas?! De quem contra quem?! Da Justiça de primeira instância contra a política de instância socialista? É isso?! Se é, lamentável se torna escrevê-lo, porque a seguir se vitupera esse comportamento aos magistrados que o insinuaram.
Há quem julgue que os portugueses ainda não perceberam que boa parte da lentidão da justiça se deve à pouca diligência dos tribunais.Mas é nisto que o editorialista acredita como sendo a causa “de boa parte da lentidão”?! Não me admira muito pois foi isso mesmo que foi escrito pelo politólogo Pedro Magalhães. Mas é assim que um director de jornal vê os problemas da Justiça em Portugal? Uma simples questão de calaceirice?!
E que dizer do "caso Portucale", de que a justiça fez tanto espalhafato? E que dizer da misteriosa busca sem suspeita a casa de Jorge Coelho? E que dizer da forma incompetente como se tentou escrutinar os bancos?Vejamos bem isto que se escreveu: quem é fez o espalhafato ? Foi a Justiça, ou foram os jornais, violando o segredo de justiça, objectivamente, fazendo-o passar por baixo do critério do interesse em informar?! Concordo com essa ordem hierárquica de prioridades, mas, por favor! Não se diga depois que o espalhafato foi organizado pela “Justiça”!!! Aliás, se a informação fosse mais rigorosa, pelo menos tanto como o editorialista exige aos operadores judiciários, talvez este espalhafato não o fosse tanto. Porque toda a gente perceberia que o sensacionalismo da “cacha” não se mostra na maior parte dos casos condicente com a realidade prosaica dos assuntos em causa. O jornalismo em Portugal precisa de facto de ser mais rigoroso; competente e analítico. Mas para isso, é imprescindível que haja jornalistas que saibam separar o trigo do joio. Que não embarquem na primeira notícia bombástica que lhe propõem e que saibam escolher as fontes, fazendo o competente fact-checking.
Mas como se pode pedir tanto, se o director do Diário de Notícias escreve o que escreve?! Pode bem dizer-se - às vezes, ri-se o roto do esfarrapado... e o sujo do mal lavado…
Publicado por josé 17:00:00
3 Comments:
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O seu editorial figurará nos exemplos máximos de alinhamento político cego dos media do início do terceiro milénio com o poder socialista português que os manuais de História documentarão quando passar o tempo canónico doa distância da ciência.
O seu editorial é a evidência máxima da vergonha absoluta da maioria dos media portugueses.
António José Teixeira, apesar de claramente conotado com o PS, faz normalmente análises equilibradas; embora sempre “a puxar” ao amor que tem ao PS, se se lhe der o desconto que se dá às paixões políticas, o resultado é normalmente aceitável.
Desta vez perdeu a tramontana, ao escrever o editorial de 12/Nov/2005 do Diário de Notícias, intitulado “Justiça irresponsável”.
Produzindo processos de intenções sobre a acção das magistraturas e discreteando sobre os respectivos objectivos, AJT consegue dizer em curtas palavras enormes disparates sobre a justiça.
No blog Grande Loja do Queijo Limiano consta já uma resposta ponto por ponto aos vários aspectos do editorial, para a qual remeto.(...)