relatórios minoritários
terça-feira, novembro 15, 2005
Todos os anos e desde há muitos, a PGR, publicita o Relatório anual de actividades do Ministério Público.
Nele se dá conta do estado geral da justiça, no país, em termos de números e referências ao estado dos serviços, naquilo que respeita ás atribuições do MP.
Esses relatórios, se lidos com olhos de ver o que lá está, por vezes escondido, revelaria aos demais poderes, mormente o executivo, o que é preciso fazer e onde será mais actual e relevante qualquer intervenção. A sua análise competente, dispensaria discursos na AR e leis a convocar o PGR para "prestar contas".
De acordo com os costumes ancestrais da burocracia reinante, os relatórios servem para entreter alguns funcionários de ministério e depois de circulados pelas comarcas do país, ficarem arquivados até ao ano seguinte se substituírem por novo volume, igualmente destinado ao olvido certo.
Este ano ( e já no ano passado…) alguém dos jornais deu por eles! Ainda bem, porque se existem e contém números, deveriam ser estudados.
Quem os estudou, agora? Ora bem, um jornal de referência, com fontes seguras e jornalistas de assuntos judiciários de primeira água como é o Correio da Manhã, fez a conta aos números. E ao demais…
O artigo que ocupa duas páginas interiores, com foto adequada de polícias em pose de subúrbio, debita números de dois quadros do Relatório.
Os números dizem à jornalista Manuela Guerreiro, que assina o artigo, algo curioso.
Numa caixinha em cima do artigo, podemos ler sob a epígrafe de um título –crimes participados- que “ Em 2004, chegaram às autoridades policiais menos notícias de crime: 8062, uma diminuição de 1,6%”
No quadro junto em baixo, percebe-se que no ano de 2004, se movimentaram 722 693 processos de Inquérito.
Ora o Relatório da PGR tem algumas centenas de páginas. E perceber estes números não é fácil, a olho nu.
Assim, o que é que se fez para digerir as mais de 400 páginas? Foi-se buscar a descoberta bombástica e de efeito seguro e fez-se o título de primeira página para encher olho ao passante:
“Souto Moura arquiva metade dos processos”!!!
Em caixinha, escreve-se que PGR “revela que, em 2004, 51% dos inquéritos não chegam a acusação”.
Alguém se lembra já da primeira página do Correio da Manhã de ontem?! E antes de ontem?
Ainda assim, o que fica no sentir colectivo da populaça leitora de escaparate, já está seguro e é uma variação do mesmo tema de sempre: esta justiça está de rastos! Querem lá ver?! O Souto ( subentende-se “esse malandro incompetente”) arquiva metade dos processos!!! E é o Souto que os arquiva a todos, ouviram? Leram bem?!
Enfim... Com este jornalismo de pacotilha informativa, à busca da cacha como de pão para a boca, que adianta dizer que os relatórios da PGR são elaborados, pelo menos desde 1993, segundo regras específicas que abrangem diversos itens?
E que adianta dizer, no que respeita a Inquéritos, o número dos entrados e dos findos, só por si, não nos esclarece seja o que for de relevante; e ainda que adianta dizer que se em cem inquéritos uma dúzia deles vai para julgamento e no fim, sete dão condenação, isso é um número normal e que nada tem de extraordinário?!
Que adianta dizer que teria muito mais interesse saber quais são exactamente aqueles que são arquivados e porquê?!
Repare-se apenas com atenção, nesta conta simples que o Correio da Manhã faz:
Processos de Inquérito investigados em 2004- 722 693
Processos de Inquérito arquivados em 2004- 370 197
Conclusão lógica do jornal: metade são arquivados!
Vai-se a ver melhor o quadro que o próprio jornal publica- e que temos?
Processos de Inquérito movimentados durante o ano 2004- 722 693
Processos de Inquérito findos durante o ano 2004– 506 729, dos quais, 370 197 são arquivados; 86 153 são acusados e 50 379 têm outro destino ( juntos a outros, remetidos aqui ou ali, etc.)
Sobram para o ano seguinte (e portanto ainda não se sabe se serão arquivados ou acusados) – 213 201.
Conclusão lógica e simples do CM:
"MP arquiva metade dos processos"!! O "Souto Moura", entenda-se...porque toda a gente sabe que ele despacha num ano 700 mil processos- ou mais! Eureka! Fantástica contabilidade!
Agora, vamos nós propor a manchete no Correio da Manhã de amanhã:
CORREIO DA MANHÃ NÃO SABE FAZER CONTAS!
Que tal?! Vendia mais do que hoje, caro João Marcelino?
Retirei daqui uma frase de que me arrependo de ter escrito e peço desculpa. Mesmo a brincar, pode haver quem leve a sério...
Publicado por josé 23:47:00
As contas não são do Correio da Manhã, mas sim do próprio relatório da PGR:
"O número de inquéritos arquivados foi de 370.197, o que representa aproximadamente 51% do
valor dos movimentados" (pag 11)
Há uma palavrinha que muda o sentido:
"movimentados". Não quer dizer acabados. Até porque desses 722 693, cerca de 213 201 mais 2763, ficaram para o ano seguinte- e não se sabe se vão ser acusados ou arquivados.
Se reparar nas estatísticas dos anos recentesm o que pode ser visto no Relatório, reparará que a oscilação é sempre mais ou menos pendular e regular.
Não quer dizer a mesma coisa que "investigados" nem muito menos que MP arquiva metade dos processos oui ainda "Souto Moura arquiva metade dos processos".
O curioso é que a jornalista até citou a palavrinha do artigo. Mas depois não contextualizou.
Os números até dão uma percentagem muito superior a 51%:
Se acabaram 506 729 e desse número foram arquivados 370 197...
O importante, não era a denúncia dos arquivados ( o número até é superior).
O importante é saber o que foi arquivado e como.
Por exemplo, qual o número dos processo de furto contra incertos?!~
O número de desistências de queixa?
O número de falta de indícios? E dentro destes, porque é que houve falta de indícios?!
Isso é que conta.
Numa linguagem mais moderada...