Leituras em dia

Por estes dias, apanhar uma montra de livraria com novidades em barda, é banal.
Supostamente, com a aproximação do Natal, as pessoas ficam com mais vontade de ler…ficam?!
Não. Recebem o subsídio do mês e os livros são apenas mais uma hipótese para prenda de sapatinho. Por isso, as editoras apostam em lançar novos títulos e repescar outros de fundo de catálogo.
A bem dizer, a maior parte das obras publicadas, ficam nas estantes e armazéns dos livreiros, para enfeitar feiras do livro, em Junho.
E, na verdade, quem é que no seu perfeito juízo, vai querer ler a nova opus magnum de JPP sobre o falecido Cunhal, quando tem mesmo à mão e ao lado, uma outra sobre um codex e mais uns códices secretos?
Quem é que vai escolher a scripta de um Lobo Antunes quando pode ler os escritos intimistas da Filomena Mónica? Por mim, já estou a ler o Bilhete de Identidade desta última, para entender um meio que nos deu valentes cronistas e frustrados escritores.
E o último de Saramago?! Para dizer a verdade, comprei-o. 11 euros e pico. Num intervalo lúcido pensei que tinha feito uma asneira. A escrita tem uma pontuação esquisita e leva o seu tempo a perceber. Foi exactamente por isso que esportulei a nota: para ler. E perceber se deve alguma coisa a uma certa aventura de Martin Milan, da minha adolescência, como li por aí. Se dever, prometo dar conta.

Em Portugal, se quisermos saber o que vai saindo nas edições que devemos fazer? Ouvir o professor Marcelo, ao Domingo? É uma hipótese, porque nem há muitas mais. Mas é muito mais produtivo parar numa montra e espreitar. Pelo menos, temos sempre a possibildiade de acertar em alguma coisa interessante.
Em Espanha,para nos orientarmos nas leituras, sempre poderemos folhear a Leer. Em Itália, podemos consultar a Italia libri.
Na Inglaterra, há muito que se publica o Times Literary Supplement, semanalmente aliás.
Em França, para além da snob Magazine Littéraire, que alimentou a nossa intelectualidade estruturalista e sessentista, temos uma mais popular, a Lire que perfez há pouco 30 anos, publicando um número de antologia e que apetece folhear mesmo sem ler.

E em Portugal, sobre autores portugueses, em particular?!
Para além da LER do Círculo de Leitores, cujo site triste é este que podem ver, sem ler seja o que for, o que podemos procurar para pesquisar o que vai saindo?
As editoras podem estar catalogadas. Até podem trazer as novidades. Mas falta-nos um vade mecum. Falta-nos quem nos diga se o livro presta, depois de nos dizer do que trata e de nos fazer reflectir sobre o tema.

Falta-nos uma Lire, já que nunca chegaremos a ter a Magazine Littéraire e muito menos um arremedo sequer de um Times Literary Supplement.
Não há ninguém que arrisque?!

Publicado por josé 23:42:00  

9 Comments:

  1. josé said...
    Blog interessante.

    Mas não vale a pena. VPV disse tudo na crónica do Público de ontem, chamada Delírios.

    "Cavaco, como toda a gente sabe, ganha á primeira volta. (...)
    Cavaco representa bem o silêncio de Estado, como quem engoliu, para impressionar o povo, toda a respeitabilidade e responsabildiade do mundo. Mas, quando desce da altura etérea onde subiu, a pobreza é quase absoluta."
    Cavaco anda por aí a espicaçar, e da pior maneira, a esperança dos portugueses. Se depois não mudar o país de ponta a ponta, não o espera a homenagem da pátria agradecida. Ele que repare nas linhas com que se coseu."

    Aquilo que li no blog, é exactamente aquilo que me lembro de ter pensado em 1995, quando Guterres ganhou.
    Cavaco estava desacreditado. Mesmo assim, que tivemos depois?!
    Tivemos pior, em termos económicos.
    Agora, vamos repescar um indivíduo que traz na sua cola, precisamente aqueles que o desacreditaram: Dias Loureiro et al.

    Estamos bem servidos...
    António Viriato said...
    O tema era sobre as revistas de livros, capazes de dar orientação ao público leitor, que não tem tempo, nem dinheiro, para adquirir tudo o que se publica e que é imenso, para um país, que se caracteriza por um baixo índice de leitura. O Carlos Pinto Coelho dava bastante informação no «Acontece», ainda que lá levasse maioritariamente «compagnons de route». O José Encarnação Viegas também tem feito algum trabalho nessa área, até com maior abertura, mas é pouco, de facto. No Público, o EPCoelho vai dando conta, sobretudo, das novidades parisienses ou da produção dos amigos esquerdistas, mas lá vai fazendo alguma coisa. E o resto ? O JPPereira e o VGMoura, principalmente este, poderiam contrabalançar a hegemonia esquerdista nas rubricas de Livros, mas esgotam-se na picardia política. O João Carlos Espada, no Expresso, poderia igualmente contribuir para o pluralismo cultural, se saísse da órbita popperiana, do Isahia Berlin ou do vellho Churchill, demasiado citados e endeusados, pese a sua reconhexcida importãncia. E o pior de tudo é a pobreza da cobertura da edição de cultura científica, com uma honrosa excepção para o papel do Nuno Crato, também no Expresso. Como mudar isto, sem promover os padrões culturais da população, sem aumentar a exigência cultural no Ensino e sem insistir na cultura científica da mocidade escolar ?
    av said...
    desculpem lá, mas estao a fazer uma grande desfeita às escolhas do professor Marcelo

    nao se faz uma coisa dessas
    josé said...
    António Viriato:

    Verdade que o tema não é político stricto sensu. Mas é culturalmente político.

    COmo diz, o Carlos Pinto Coelho era uma mais valia na tv. Tomava-se um pouco por um Bernard Pivot dos tempos áureos de Apostrophe da Cinq francesa. Tenho saudades do programa que tinha um estilo e um cunho próprios.

    Mas falamos de revistas e de papel e nesse sentido, do tacto.
    O tacto que temos à disposição, é pouco notório.
    Podemos julgar que um Pedro Mexia que lê aparentemente como quem respira, e tem algum sentido de humor desprendido de si mesmo, poderia dirigir uma revista literária de divulgação.

    O Independente de Miguel Esteves Cardoso, em tempos fez isso, com um suplemento do jornal, mas esgotou-se a inspiração... ou o dinheiro.

    O Independente, aliás, foi um bom viveiro de inovações culturais e populares.
    Acabou o espírito. Sobra a politiquice e ficamos mais pobres.
    Para além disso, a malta da geração de setenta, alinha mais nas Maxmen e outros sucedâneos da Playboy da minha adolescência.
    Mesmo que estas tivessem que ser lidas( e compradas) às escondidas ( e sempre, sempre, por causa dos artigos...), não substituiam a presença de outras revistas dedicadas ao tema de ler/ouvir escritores; de ler críticas e crónicas; de ver ilustrações.

    Temos por isso um défice cultural importante nesta área.
    Teremos neste momento, porventura, pessoas capazes de o suprir?!

    Não sei.
    Sei que apesar do tema ser livros e leituras através de revistas, a questão cavaquiana tem muito a ver com este estado de coisas.
    Aposto o qeu quiserem que Cavaco nunca deu, muito menos leu a Lire. Ou, se calhar o TLS.
    Se leu, terá sido por causa da mulher. Mas mesmo assim...duvido.
    Eduardo Pitta said...
    Caro José: como o compreendo! Qualquer assinante português do TLS ou da NYRB vive no permanente desconsolo do vazio à sua volta. E ninguém arrisca por variadíssimas razões: mercado curto, pouco poder de compra, iliteracia generalizada, idiossincrasias «de grupo» (as antigas capelas), elevados custos de produção. Como sabe, as duas únicas revistas que persistem são propriedade de duas fundações: a Colóquio-Letras, da Gulbenkian; e a LER, da Fundação Círculo de Leitores (externa «ao» Círculo de Leitores). Questão de cash flow, naturalmente. A C-L é uma revista de estudos literários, com um grau de «especialização» que a afasta do perfil que refere. A LER, sejamos justos (sei que sou suspeito por ser o mais antigo dos seus colaboradores no activo), vai fazendo por cumprir a função. Mas sai de três em três meses e, nesse intervalo, a actualidade dilui. Ambas têm custos de produção elevadíssimos, e ambas estão longe de remunerar os colaboradores por padrões equivalentes aos do TLS ou da NYRB (à escala da nossa economia, evidentemente). Contudo, ambas escoam mais de 90% das respectivas tiragens. O modelo português de «recensão» jornalística praticamente desapareceu, porque «a crítica», aqui como em toda a parte, se tornou um feudo da Universidade. A diferença é que «lá fora» a Universidade escreve para todos, e aqui, salvo as raras e honrosas excepções da praxe, escreve para os patanas. Isto levava-nos longe. Ocasionais «abertas» não asseguram cobertura geral. Eu, por ex., mantenho na LER a mesma coluna de crítica de poesia há cerca de 12 anos; com essa longevidade não há nada parecido para a ficção. Para ser viável, uma revista literária, mensal, terá de vender nunca menos de 10 mil exemplares por número, à volta de 8 ou 10 euros por exemplar. Só assim poderá garantir um staff mínimo (três pessoas) e remunerar «decentemente» os colaboradores que entenda convidar. Não se fazem omeletas sem ovos...
    josé said...
    Caro Eduardo Pitta:

    Não quero ser injusto para com a Ler do CL.
    Graficamente, parece-me uma maravilha. Comprei uma vez um número por causa do arrumo gráfico.
    Mas ainda não é o que gostaria que fosse.

    A última Magazine Littéraire traz um artigo sobre Platão com ilustrações sobre a alegoria da caverna. Quem se atreveria a tal no nosso meio, sem medo de ser ridicularizado?

    O suplemento Actual do Expresso faz alguma coisa para colmatar o vazio. Talvez seja por isso que ainda compro o Expresso.

    Mas, para mim, uma revista deste género, tem de ser multicultural, no sentido de não se enfeudar a capelinhas, sejam elas universitárias ou de tertúlia amiguista.

    Escrever sobre o Bilhete de Identidade da Maria Filomena Mónica exige um conhecimento de época e uma abordagem "multidisciplinar".
    Se houvesse um único crítico capaz de o fazer, já me dava por satisfeito.
    Não pode ser um Mexia. Não deveria ser um Pulido Valente, já que a escrita seria sobre ele próprio.

    Mas para entender o que quero dizer, lembra-se do artigo do mesmo Vasco Pulido Valente sobre o Cunhal, publicado no Público quando aquele ícone comunista morreu?
    É disso que falta.
    Escritos sobre assuntos que se percebam e tenham relação com a vida. Mesmo que sejam ficção...

    Conhece um livro de Tom Wolfe chamado Hooking up?
    Tem um pequeno texto sobre os "Three Stooges"

    O NYTRB fez assim a recensão, nessa parte:

    "''Hooking Up'' has only one previously unpublished essay, ''My Three Stooges.'' Not since Mary McCarthy and Lillian Hellman have we had such an amusing literary catfight as the one that began when John Updike, Norman Mailer and John Irving trashed ''A Man in Full.'' Wolfe bites back, calling Updike and Mailer ''two old piles of bones,'' ''two old codgers'' and ''exhausted carcasses.'' ''I was 68,'' he writes, venomously, recalling the Grumpy Old Men spleenfest that his book sparked. ''I knew how it must have drained them. . . . In interviews Updike was already complaining about his aging bladder. Mailer, I noticed, was appearing in newspaper photographs supporting himself with two canes, one for each rusted-out hip.''

    He says his three attackers were ''encapsulated in their neurasthenia,'' and had ''wasted their careers by not engaging the life around them,'' by ''turning their backs on the rich material of an amazing country at a fabulous moment in history.''

    IN defending his own brand of reported novels, which he says are in the tradition of Dickens, Theodore Dreiser, Sinclair Lewis, Balzac and Zola, Wolfe -- who probably could have predicted the new rage for ''Survivor''-style reality programming -- offers this polemic: ''Instead of striding out with a Dionysian yea-saying, as Nietzsche would have put it, into the raw, raucous, lust-soaked rout that throbs with amped-up octophonic tympanum all around them, our old lions had withdrawn, retreated, shielding their eyes against the light, and turned inward to such subject matter as their own little crevice, i.e., 'the literary world,' or such wholly ghostly stuff as the presumed thoughts of Jesus.''

    ''The American novel is dying, not of obsolescence but of anorexia,'' he declares. ''It needs . . . food. . . . It needs novelists with the energy and the verve to approach America the way her moviemakers do, which is to say, with a ravenous curiosity and an urge to go out among her 270 million souls and talk to them and look them in the eye.'' I'm not sure we should be aiming to achieve the artistry of moviemakers, since Hollywood can barely seem to turn out any movies anyone wants to see. But I agree with the general pulse-of-the-beast idea. And any time Tom Wolfe wants to take a fresh bite of our lurid carnival, I'll be there. "

    Alguém seria capaz de escrever por cá, deste modo e sobre, por exemplo Saramago?!
    Sem dó nem piedade?!
    av said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    Eduardo Pitta said...
    Caro José: há coincidências do diabo! «My Three Stooges» é o texto que me ocorre sempre que, entre «nós», surge o fantasma da literatura canónica vs literatura não-canónica. Impressionante. Bastava mudar os nomes e estava feito o retrato da vida literária portuguesa dos últimos 60 anos. Quem, hoje, lê Maria Judite de Carvalho ou Joaquim Paço d'Arcos? Ninguém. Hot spot mesmo é Mafalda Ivo Cruz. Não por acaso, Tom Wolfe é olhado com desdém pelas luminárias indígenas. Pudessem elas escrever algo como «Hooking Up», e outro galo cantaria. O Pulido Valente apanha bem o tom, e usa-o quando lhe dá, mas nem a agenda de historiador, nem a de cronista metido nas baias dos caracteres pré-definidos, lhe permitem ir mais longe (como ia nos tempos da Kapa; e foi outro dia a pretexto do Cunhal). Aquilo que me diz sobre exigência de abordagem «multidisciplinar», no caso de recensão à autobiografia da MFM, encaixa perfeitamente na noção de sociobiologia (a teoria organismal que Wolfe imputa ao Steinbeck das «Vinhas da Ira»). Pode ser que o João Pedro George, que tem as ferramentas adequadas (em sociologia da literatura), lá chegue. Quanto ao Expresso, deve ter reparado que o Millennium BCP é sponsor do caderno Actual. Isso, que devia permitir largueza de meios (contratar os melhores, por ex.), traduz-se na perpetuação da mediocridade e do nepotismo: escrevem sobre os livros uns dos outros, deixando de lado quase tudo o que importa; a omissão, por simples «birra», de certos autores, tornou-se norma. Dava um tratado... Havia a revista da Tereza Coelho, que agora tem outra direcção e perfil. Longe das suas equivalentes espanholas ou francesas, a começar pela magreza, era uma revista «profissional». Veja como é pobre a área de recensões críticas da Atlântico. Uma recensão a sério, leva tempo a fazer. E um autor «reconhecido» não sai barato, salvo se quiser fazer um jeito a um amigo (mas isso faz quando o rei faz anos). Por aquilo que os jornais hoje pagam, só por amor à camisola, ou para fazer currículo (rapaziada em fase de mestrado) é que alguém perde tempo a recensear literatura. E já não falo em obras das ciências sociais, ou de ensaio político, onde o vazio é total. Por uma recensão de duas páginas, o NYRB paga «a partir de» USD$2500. É outro mundo. Nós somos poucos, somos pobres, e parece que há vida para lá das reviews... Pegando na sua última pergunta: «Alguém seria capaz de escrever por cá, deste modo e sobre, por exemplo Saramago?! Sem dó nem piedade?!». Se calhar, sobre o Saramago, haverá. O Saramago não tem cargos institucionais, não preside a júris de prémios (ou de bolsas), não influencia editores e altos funcionários da tutela cultural, etc. Mas se pusermos Eduardo Prado Coelho em lugar de Saramago, temos a resposta.
    josé said...
    A Atlântico?!
    Vamos falar da Atlântico?
    Quando saiu, ocorreu-me que poderia ser uma revista de largo espectro para combater a ignorância.

    É nada. Já comprei uns tantos números, sempre ao engano de tentar descobrir artigos de luxo, originais no conceito e nas ideias.

    Até agora, é só material de segunda escolha.
    No outro número dei em ler um artigo sobre a descolonização. Perda de tempo.

    A Atlântico não ultrapassa o diletantismo de um João Miranda ( do Blasfémias).

    Para mim, é uma espécie de revista blog. Escreve-se por lá n´importe quoi. COmo por aqui, aliás.
    Mas no que me diz respeito, a opinião é grátis e tem o valor efémero de um postal.
    E por aqui não há patrocínios de bancos e seguradoras ou empresas públicas prósperas...

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