Intelligence e Inteligência

O Rui, que eu prezo muito, lançou o debate e mais uma "micro causa", sintetizada nesta pergunta...

Pode o Presidente da República sff esclarecer o que pensa sobre as mudanças no Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Serviço de Informações de Segurança (SIS) e Divisão Militar de Informações (DIMIL), desde que deu posse ao Primeiro Ministro José Sócrates?.

O debate pegou e o Paulo Gorjão contribuiu com mais umas coisinhas. No entanto, penso que ambos, apesar de alguma pertinência nos argumentos (sou um democrata) passam ao lado de várias questões, essas sim centrais, que concorrem para o mesmo fenómeno.

Não penso que a subsituição da directora do SIS seja um problema em si. Este tipo de movimentações é frequente, com as sucessivas mudanças de governo. Se repararem, só não houve vassourada na PJ, porque Santos Cabral foi escolhido por Santana Lopes num clima de consenso com o PS e, segundo as habituais más-línguas, nada está garantido. Mas, voltando ao SIS, eu não conheço uma ideia que seja (e admito que possa ter muito mais do que uma) da dra. Margarida Blasco sobre estratégia, conceitos, operacionalidade, etc, de um serviço de informações. Nestes meses de mandato, a ainda directora do SIS nada disse. E não é pelo facto de ser um serviço secreto que faz com a as ideias do director, a estratégia, a definição de prioridades do serviço sejam também secretas. Como, e bem, disse o General Pedro Cardoso (para quem acompanha estas coisas sabem quem foi esta referência para a comunidade das informações)...

um serviço de informações, uma vez criado, deverá cultivar o anonimato, mas deverá saber-se que existe oficialmente.

E na actual sociedade este "existir" só se materializa se o serviço tiver um rosto que exponha publicamente (dentro das normais limitações) o que está a ser feito - no fundo, que preste contas aos cidadãos que "protege". As únicas palavras da dra. Margarida Blasco sobre o SIS foram proferidas na audição parlamentar que antecede a nomeação de facto. E podem ser lidas aqui. Um conjunto de banalidades sobre as Informações e o contexto do terrorismo global.

Para ser honesto, desconheço em absoluto qualquer relação entre o nome indigitado, o juiz Antero Luís, e as informações. Não sei se alguma vez se interessou pelo assunto, se estudo ualguma coisa, se privou com alguém com quem possa ter aprendido alguma coisa. Mas, o que me aflige não é a sua nomeação, porque será mais uma dentro de uma lógica que se arrasta há anos.

Para mim, o mais preocupante é os magistrados (judiciais e do MP) deixarem-se enredar nestes processos de nomeações e contra-nomeações ao sabor da cor política do momento.

Partindo do princípio da presunção da seriedade das pessoas, certo é que nestes casos as aparências também contam. E ao longo dos últimos anos parece que os partidos do Bloco Central - PSD e PS - têm cada um os "seus" magistrados para distribuirem pelos lugares adequados à função. Daí que, na minha opinião, os magistrados não devam aceitar este tipo de cargos, porque coloca sobre eles o rótulo de normais "boys" à espera de um cargo com direito a um bom ordenado, carro e motorista. É que as pessoas esquecem-se que as comissões de serviço têm um prazo e os magistrados regressam aos tribunais, voltam aos processos. E nunca se sabe se lhes cai em cima da mesa alguma mais "complexo"... E lá voltam as aparências, if you know what I mean

É preciso, de uma vez por todas, que se faça um debate sério sobre as Informações, colocando em cima da mesa questões delicadas, como a realização de escutas telefónicas ou a nomeação de indivíduos de carreira para cargos de direcção. Eu disse discuta-se e não decida-se neste sentido. Porque, perdoem-me a ingenuidade da pergunta, qual é a mais valia que um juiz ou magistrado do MP traz para um serviço de Informações? Respeito pelos direitos, liberdades e garantias? Mas é preciso ser um juiz ou procurador para os respeitar? E porque não apostar num funcionário de carreira, obrigando-o anualmente a prestar contas e reforçando os poderes e âmbito de actuação da comissão de fiscalização dos serviços, obrigando-a, também, a elaborar relatórios públicos periódicos?

O problema dos Serviços de Informações (SIS e SIED) não é muito diferente da PJ. E o diagnóstico traçado por quem esteve na Judiciária, João Massano (ex-sub director da PJ Porto) assenta que nem uma luva aos Serviços de Informações...
Com efeitos abrasivos por inventariar, assiste-se desde há anos a uma instabilidade e banalização institucional. Alteram-se e giram vertiginosamente os comandos, qual jogo do 'rapa, tira, deixa e põe'. Dissolve-se sem mais a ordem hierárquica interna através de uma normalização da inversão de graus e legitimidades regulares. Sucedem-se experimentalismos em trânsito, inconsequentes e com sequelas perversas.

Publicado por Carlos 00:40:00  

23 Comments:

  1. Anónimo said...
    Na mouche!!!

    Agradeço-lhe que tenha partilhado esta reflexão
    Anónimo said...
    Belo post.

    Ao nível do fundador desta Loja...
    Anónimo said...
    Excelente! Isto é que é verdadeiro serviço público. Por que é que nunca se discute isto no Prós e Contras? Porque é matéria só permitida nos melhores blogues. Aprendam senhores jornalistas e já agora senhores governantes....ao menos vejam os sites institucionais antes de escreverem tantas asneiras.

    Eu dou uma ajudinha

    www.sis.pt
    www.sied.pt
    Anónimo said...
    Eu gosto mais do C.I.A. Signed: Felix Leiter.
    Anónimo said...
    Inteligen- C.I.A.
    Gomez said...
    Grande post, ven. Carlos!
    Anónimo said...
    Carlos

    A suposta neutralidade e inocuidade dos serviços portugueses de informações lembra-me sempre a argumentação dos sistémicos do futebol sobre a isenção da Comissão de Arbitragem...

    Se não são importantes, se não intervêm na política interna, para que é preciso esse "rapa, tira e põe"?

    A suspeita de que, apesar dos princípios constitucionais e da memória horrível da PIDE, os serviços de informações têm sido usados para investigar o adversário interno, tornam-se claras. Eu não acredito, nem um pouco!, na eficácia da Comissão de Fiscalização e a nomeação de comissários políticos para lugares de chefia global e operacional nos serviços deixa-me com a convicção de que os serviços de informação portugueses são manipulados pelos interesses partidários de turno no poder.
    Anónimo said...
    Os meus parabéns. Grande análise.
    Carlos disse:
    "É preciso, de uma vez por todas, que se faça um debate sério sobre as Informações, colocando em cima da mesa questões delicadas, como a realização de escutas telefónicas ou a nomeação de indivíduos de carreira para cargos de direcção."

    Concordo com a necessidade de um debate público sério que já tarda. Já agora, talvez um dos problemas resida exactamente na falta de profissionalização dos serviços. Já reparou que os serviços são os únicos do Estado que não têm carreira nem quadro privativo? Até nisto Portugal é único! Veja as respectivas leis orgânicas nos sites e ficará ilucidado: os governos preferem manter a actual estrutura porque assim podem despedir e nomear qualquer pessoa a seu belo prazer (e não é só para cargos de direcção), o que obviamente permite gerir melhor os apetites dos vários lobbies (não são só os partidos). Tenho para mim que uma estrutura profissional com carreira própria é mais resistente às "pressões" do que qualquer Comissão de Fiscalização (veja-se a PJ e a sua lei orgânica que limita os paraquedistas). Já para não falar na questão da estabilidade e eficácia tão eloquentemente descritas por João Massano.
    E said...
    Ó Carlos, sinceramente, então já se esqueceu de que a Margarida Blasco esteve 4 anos no conselho de fiscalização dos Serviços de Informação da República?

    E ainda por cima atira-se para cima dela com a acusação de, sendo directora de um órgão de informação de segurança com responsabilidades para com a Presidência, GNR, PSP, SEF, MIL, EUROPOL, Conselho de Ministros, de nada dizer ao público em alguns meses, o que supostamente não quer dizer que não tenha - tentado - fazer alguma coisa.

    Discordo - e muito ! - desta sua argolada: E não é pelo facto de ser um serviço secreto que faz com a as ideias do director, a estratégia, a definição de prioridades do serviço sejam também secretas.
    O conhecimento táctico e objectivos estratégicos de um serviço desta natureza não são tratados na praça pública, em circunstância alguma.

    Agora, se discorda de serem nomeáveis os magistrados para este cargo, qual é a alternativa que propôe? Algum advogado de uma conceituada firma com ligações partidárias? Um reputado professor catedrático de uma universidade pública/privada cronista de algum pasquim diário? Independência precisa-se, para um cargo destes, e é isso que é a mais-valia de um magistrado para um cargo destes.

    E faça o favor de não meter no mesmo saco a PJ e o SIS. São instituições e guerras diferentes - a PJ pode queimar os políticos, o SIS não.

    DC
    Anónimo said...
    As raparigas sao guerreiras...
    Carlos said...
    Para o DC:

    A "argolada" a que se refere não é minha, mas sim do general Pedro Cardoso que, presumo, saiba quem foi este militar.

    Eu não me atirei para cima da dra. Margarida Blasco, apenas limitei-me a constatar factos - que, obviamente, podem merecer discórdia.

    Por fim, achei a sua última frase deliciosa: "São instituições e guerras diferentes - a PJ pode queimar os políticos, o SIS não."

    Das duas uma: ou revela um ingenuidade de bradar aos céus ou apenas simples desconhecimento....para não dizer ignorância.

    Bem haja!!
    E said...
    Não atire as postas de pescada para o Piranha Cardoso, se foi você que o citou, logo concordou com o que ele disse.

    Uma instituição como o SIS não é o local para ganhar protagonismo ou prestar contas aos cidadãos, como pensa vossa senhoria. Logo, é perfeitamente natural que desconheça uma ou várias ideias da directora do SIS. Num ponto, teve razão, em apontar o dedo para a dança das cadeiras. É tão só mais um caso de job for the boys.

    Carlos, eu não sou nem parvo nem ingénuo. Quanto à PJ/SIS, este governo bem que pode ir abaixo se se tornasse notícia que estaria a tentar branquear casos como o de Felgueiras, para proteger a imagem do PS, nomeando novas chefias para os Directorados.

    Porquê? A PJ têm um maior impacto público e nos políticos que o SIS. O Paulo Pedroso não foi recandidato pelo distrito de Setúbal devido ao caso Casa Pia, o Ferro Rodrigues apanhado numa escuta - "Eu estou-me lixando para a Justiça." - recambiado para Paris. Se houver mudanças de topo, serão geridas com pinças.

    E aqui vai mais uma frase para se deliciar:
    Eu não tenho culpa, não fui eu que votei no PS.

    DC
    Carlos said...
    DC:

    Só uma correcção DC (mais uma...): Não é "estou-me lixando para a Justiça", mas sim "estou-me cagando para o segredo de justiça".

    Depois, concordo consigo quando diz que o SIS não é um local para protagonismos, mas reafirmo que é um local (na sua expressão) para prestar contas. Isso é! Como qualquer cargo público, o director do SIS também deve prestar contas aos cidadãos que, no fundo, ele protege. Alías, a máxima do SIED, inspirada com sabedoria nos Lusíadas, aplica-se ao SIS: "adivinhar os perigos e evitallos". Ora, os perigos que se adivinham não são para o SIS, mas para o Estado, para a sociedade, portanto, o SIS, utilizando a máxima dos tribunais, administra as Informações em nome do povo. Logo, deve prestar contas.

    E deve também prestar contas porque estamos no "mundo das sombras" (como descreve José António Barreiros em mundodassobras.blogspot.com). E os excessos deste mundo só serão prevenidos caso haja um efectivo escrutínio às actividades que aí se desenrolam (não obstante a particularidade das mesmas).

    Com toda a sinceridade lhe digo que o argumento do "protagonismo" não colhe. Porque é a primeira desculpa para quem, no fundo quer ter protagonismo, mas não quer prestar contas.

    Bem haja!!!!!
    Anónimo said...
    Brandy Soberano....é coisa de homens.....
    Teófilo M. said...
    Este assunto, para mim é mais micro do que causa...
    E said...
    Desculpe lá, Carlos, mas o SIS não é a normal administração pública. Não pode ser um órgão transparente. Para a tal prestação de contas aos cidadãos, existe o conselho de fiscalização do SIR, ao qual a Margarida Blasco fez parte antes de ingressar no SIS como directora. Um gajo qualquer não chega ao pé do SIS e pergunta-lhes o que é que andam a fazer com o seu dinheiro, mesmo que para tal se dirija à A.R. . É por isso que o SIS não presta contas aos cidadãos. Nem deve.

    Porquê? Olhe, por uma razão óbvia, porque se o SIS mexe com segredos de estado e investigações de ex-deputados e diplomatas frequentadores do Parque Eduardo VII sobre o propósito de poderem afectar a boa imagem da República como representantes eleitos, é claro que isso não pode ser tornado público por iniciativa do SIS, pois não? Mas pode perfeitamente ser fiscalizado por quem lhe fôr confiado essa tarefa - e essa fiscalização acaba aí. Agora, se o caso cai na PJ e há processos movidos pelo MP, aí já não há desculpas - e ainda bem...

    Eu ainda me lembro do caso triste de um parlamentar que violou o segredo de confidencialidade e entregou listas de pessoal afecto ao SIEDM à comunicação social. É isso que pretende que aconteça às secretas? Então de nada vale continuar a ter instituições desta natureza.

    Eu faço uma clara distinção entre accountability e a missão do serviço. Francamente, um serviço de informações não pode publicamente prestar contas, e aí o Carlos têm que concordar comigo, se tiver um mínimo de bom-senso.

    DC
    Anónimo said...
    SIS debe investigar a "papagaio nonó".
    Carlos Rodrigues Lima said...
    O (ou "a") DC revela uma fé desmedida no tal conselho de fiscalização. Sabe como funciona esse conselho? Só actua se houver bronca. Isto é, para dar um exemplo, se os jornais derem conta que o SIS tá a fazer isto e aquilo, e até revelarem uns papaleinhos, o tal conselho de fiscalização vai lá, escolhe aleatoriamente (e não o caso em concreto) um dossiers e, normalmente, conclui que não houve violação dos direitos liberdades e garantias...

    Chama a isto fiscalização?

    Eu nunca disse que o escrutínio ao SIS deveria obedecer aos parâmetros de uma normal direcção geral. O que disse é que, se se quer valorizar o papel dos serviços, então aposte-se em indivíduos de carreira nas informações para os liderar. Ao mesmo tempo que se faça uma fiscalização a sério, para prevenir eventuais abusos.

    Qual é o problema de, com alguma regularidade, o director do SIS informar a população do "estado das coisas"?


    E olhe lá....esta sua frase sintetiza o Portugal dos últimos 30 anos: "porque se o SIS mexe com segredos de estado e investigações de ex-deputados e diplomatas frequentadores do Parque Eduardo VII sobre o propósito de poderem afectar a boa imagem da República como representantes eleitos, é claro que isso não pode ser tornado público por iniciativa do SIS, pois não?"....O problema é sempre esse, a tal Razão de Estado....
    E said...
    Pois, pois, Carlos Lima... Eu só disse que o SIS não faz esse trabalho, mas a PJ sim. E sim, tenho fé - bem medida - de que as instituições e órgãos de fiscalização sabem desempenhar bem o seu papel. Em certa medida já informam o público, por relatórios anuais, mas cabendo ao C.Ministros e Presidência agir ou não para publicação do que acharem conveniente. E quanto ao conselho de fiscalização, é claro que voçê não sabe o que diz. Se têm dúvidas, tire-as aqui ou então arranje um compadre do PS.

    Bom fim-de-semana.
    Anónimo said...
    Bom, Carlos Rodrigues Lima - conhecido jornalista do DN, assumiu-se aqui nos comentários como o 'Venerável' Carlos da Grande Loja. Muito Bonito, escreve sobre as secretas de dia, no DN, opina sobre as secretas, à noite, pela calada, na Loja. Razão tinha, toda, o meu amigo João Pedro Henriques.
    Anónimo said...
    Bom, Carlos Rodrigues Lima - conhecido jornalista do DN, assumiu-se aqui nos comentários como o 'Venerável' Carlos da Grande Loja. Muito Bonito, escreve sobre as secretas de dia, no DN, opina sobre as secretas, à noite, pela calada, na Loja. Razão tinha, toda, o meu amigo João Pedro Henriques.
    Carlos Rodrigues Lima said...
    Opinar é crime? Escrever num registo informativo é uma coisa...é o que faço...mas - e acho que ainda é permitido - ter uma opinião sobre as matérias. Ou não? Ou será que o "amigo" não tem opinião sobre as matérias que escreve. Pode ser....
    Anónimo said...
    Carlos, não se deixe intimidar pelos comentários do moralista AC/DC. Claro que tem todo o direito de expressar a sua opinião, independentemente da sua profissão. Ainda para mais quando a sua análise ajuda a perceber os problemas sérios de uma área que raramente se discute em Portugal, por ignorância ou medo das classes jornalísticas e políticas. Quem acha que por serem "secretas" impera o silêncio total está muito enganado. Vejam o site http://www.loyola.edu/dept/politics/intel.html
    e leiam os relatórios anuais de outros serviços como os canadianos e os holandeses. Há muita matéria que pode e deve ser discutida publicamente (estrutura do sistema, profissionalização dos serviços, seus objectivos, escutas, etc). O resto (métodos, fontes, operações) não pode nem deve ser discutido, mesmo com as tutelas políticas.
    Continue Carlos e traga o debate par a o discurso nacional que bem falta faz.

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