O mundo que nós perdemos
quarta-feira, setembro 21, 2005
Continua a "novela" entre o governo e os militares, agora com um capítulo encerrado pela promulgação dos diplomas em causa (aumento da idade de reforma e serviços de saúde) pelo PR. A chamada à colação das mulheres dos "associativos" acrescenta à situação um tom vagamente patético. A ideia de andar pelas ruas de Lisboa "a caminhar com amigos" e, depois, a de se promover "um encontro" no Mercado da Ribeira para a rapaziada "no activo", é sensivelmente mais do mesmo. Ou seja, da mesma impotência perante a "realidade". Não tendo nada a ver com este assunto, lembrei-me de um livro, já antigo, de Peter Leslett, sobre os efeitos da industrialização da sociedade inglesa na transição para o século XX, "O mundo que nós perdemos". Entre nós não se cultiva a ideia de "mudança" e teme-se mexer seja no que for. Tirando o betão, algumas "estruturas" e o impulso europeu, traduzido na feliz entrada na "moeda única" logo de início, a "cabeça portuguesa" é avessa à mudança e à transfiguração. Há momentos na nossa vida pessoal e colectiva em que precisamos de "morrer" para podermos continuar com algum sentido e com um módico de dignidade. Instituições como as forças armadas ou a magistratura "vivem" do hábito, da rotina e, acham elas, de "valores". Não percebem que estamos num tempo em que nada, a começar nos "valores", é sólido ou promete estabilidade. Por isso, custa - e esse é o termo adequado, custa - perdermos o nosso mundo e, no limite, a nossa razão de ser. Na sua quixotesca aventura contra o "poder", sendo parte "armada" dele, os militares perguntar-se-ão muitas vezes como chegaram até aqui, trinta anos "depois". Compreendo perfeitamente. No entanto, em cada passo dado nas ruas, perde-se um pouco da "gravitas" que se associa à condição militar. Esse "pathos" é, também, uma consequência de a autoridade democrática do Estado andar, ela própria, pelas "ruas da amargura". Verdadeiramente os militares não vão, com esta legislação, "perder" muito mais do que já tinham perdido. São, como as suas mulheres inocentemente não se cansaram de repetir nas televisões, questões (legítimas) de pura intendência. Até posso entender o "lado humano" da coisa, porém, custa-me a aceitar, como cidadão habituado a respeitar as forças armadas, este inútil "braço-de-ferro". O mundo, imperfeito e cínico, mudou. Nós, ao não sabermos ou ao não querermos acompanhá-lo, perdemo-nos dele e ele de nós. Valerá a pena?
Publicado por João Gonçalves 12:39:00
9 Comments:
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o Poder está na ponta da espingarda, já dizia o outro. E o jg não percebe a ponta de um corno do que são funções que devem estar acima do resto da sociedade. Compreende o lado humano da coisa? que lado humano? não entende que é pecisamente por terem funções acima do vulgar humano que os privilégios são indispensáveis?
leia o VPV do fim-de-semana...
Mas, não tenho NENHUMA simpatia pelas associações de militares, que não passam de "sindicalistas" ligados ao PCP. Espero até, que esta "crise" sirva para o governo limpar as Forças Armadas destes elementos pôdres, que só dão má imagem da instituição militar.
Foi um erro estúpido do governo de Guterres a criação de sindicatos nas polícias e sindicatos (com outro nome) nas Forças Armadas. A falta de sentido de Estado dos governos de Guterres ainda hoje se paga caro. Não é por acaso que as Forças Armadas das maiores potências militares (em que os militares são profissionais) não permitem a existência de associações de militares. Falo de países como os EUA, o Reino Unido, a França, a Itália ou a Espanha. Mas Portugal tinha que arranjar lenha para se queimar.
mas a questão nos debates é que se tende a fazer crer que a não existência de privilégios no caso das FA ou Magistrados é algo desejável por motivos democráticos. E aí é que está o erro. Não existe independência sem privilégios!
não entender isto é não entender nada da questão.
até parece que começaram a limpeza em casa...
O estado-governo não tenciona abdicar do controle das Forças Armadas. Se o fizesse, abrindo mão de todas as reformas, estaria a dar um tiro no próprio pé e a promover a revolta popular.
Ora, as forças armadas são o último reduto de autoridade do estado. Se o estado perder essa autoridade, deixa de o ser. Está premente por todas as Forças Armadas que isso é e será sempre indesejável por trazer instabilidade social. Se houver alguma mudança na política para com os militares, será na altura de votar nas próximas legislativas em 2009. Até lá, é esperar por melhores dias.
Falsas são as acusações de as associações militares serem controladas pelo PCP. A política partidária não têm lá lugar, e além disso, a própria política e os políticos são muito mal vistos pelos castrenses. Isto porque os militares ficam, os governos mudam.
Por ser uma organização fixa, não é permissível haver tomadas de posição partidária, porque a própria união dentro das Forças Armadas é mais importante que a união no resto da sociedade civil, por serem eles o garante armado da Pátria e do Povo Português.
Estas são inteiramente as minhas opiniões, reflectidas pela minha passada experiência ao serviço - sim , AO SERVIÇO - das forças armadas.
Agora pensem voçês a quem é que os políticos estão ao serviço, se de Portugal ou do grupo ecléctico a que eles se fazem pertencer dentro de partidos.
Ex-Oficial da F.A.P.