a linguagem da selva

Vital Moreira resolveu, no seu blog semi-pessoal intitulado causa-nossa (!) dedicar um pequeno postalzinho endereçado a incertos, intitulado “desprezo” e que não custa reproduzir...

Há para aí, na blogosfera, uns mabecos (como diria o saudoso Joaquim Namorado), por vezes anónimos, que se dedicam regularmente a tentar morder-me as canelas. Em vez de criticarem ideias e refutarem argumentos (para o que lhes falta estofo), chamam nomes feios aos adversários. Como não recorro aos mesmos métodos, ignoro-os. Voto-os ao desprezo que eles merecem.

Perante a virulência da objurgatória intelectualmente caucionada, mas nem por isso menos injuriosa, a contradizer nos próprios termos o propósito do postalzito despeitado, poderia a mesma autorizar a que se lhe chamasse “macaco” e ficaríamos talvez todos excitados e empatados, num putativo rincão de selva africana, a ulular injúrias uns aos outros.

Fica mal, porém. Nem o professor merece, nem o discurso apetece. Pelo menos a mim que nem me sinto aqui com o ar de mabeco, por nem o ter ofendido, e que conheço o professor, enquanto ele, um pouco mais velho que eu, já nos apontava, de óculos montados em bigode de época, nos Gerais de Coimbra, numa qualquer sala Marnoco e Sousa, as referências exigíveis para sustentar que...
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Esta expressão, que Vital Moreira, constituinte de 1976, ajudou a verter no texto Constitucional, logo no artº 1º da Constituição então aprovada, não ficou órfã e para a paternidade ficar mais clara, escorou-se a mesma com um artº 2º que rezava assim (!!!) ...

A República Portuguesa é um Estado democrático (…) tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

Este texto, vigorou tal e qual, durante anos a fio, até 1989, com o inteiro aplauso e a vigilância constitucional de Vital, então membro aguerrido e destacado do Partido Comunista Português (tal como aquele incrível Pina Moura, delfim de Álvaro Cunhal) e que aliás, a partir dessa data foi abandonando, não se sabendo muito bem se por esforço reflexivo se por reflexão esforçada. No entanto, ele e um grupo como ele, resolveram publicar documentos e até um livrito de Reflexões sobre o PC, em vésperas do Congresso de, de... 1990, salvo erro. 1990, senhores e senhoras!! Foi ontem

O partido que acolheu uns bons anos da vida de Vital e de outros como o incrível Pina Moura, viu-se então alvo das investidas intelectuais de Vital que descobria nessa época gloriosa, que o marxismo-leninismo era “uma inanidade”. Mas…nuance! Mesmo então, Vital não desdenhava do conceito matricial e afirmava-se, ainda, garbosamente “comunista”! Só exigia do PC pós queda [do muro], a sua “desconfessionalização” e a “democratização”!! Pasme-se! Em mais de uma dúzia de anos de militância nunca percebera essas características intrínsecas ou conformara-se com elas, o que redunda na mesma limitação de entendimento.

Como se sabe, o PCP deu pleno andamento às críticas de Vital e do grupo dos seis, e basta olhar para a figura retórica de Jerónimo de Sousa para entender a evidência.

E nesse desvio de rota, onde foi parar Vital, depois da frustrada “desconfessionalização” e democratização, do seu antigo seio político-maternal? Ficou na paragem mais lógica e que dava acesso a lugares de poder amplamente desconfessionalizado e democratizado. Tal como o incrível Pina Moura, parece que parou no Rato.

À míngua de renovar o PC, foi o partido quem o renovou, tornando-o neófito, malgré lui, de novos credos, companheiros e estratégias.

E é nesse papel de cristão novo que se nota o empenho, muitas vezes à outrance, na defesa da nova cartilha. E é nessa defesa que o excesso se mostra e vem novamente ao de cima a revelha táctica de desqualificação do adversário ou do simples interlocutor: ou é por ser anónimo, ou por lhe querer morder as canelas (!) ou por dá cá aquela palha que o atinge numa susceptibilidade despropositada e de desajeitada prima-donice.

Pelo simples facto de se ter enganado uma vez, séria e gravemente, num percurso político, tal circunstância deveria obrigá-lo a um maior respeito por quem sempre pensou como ele pensará agora - com as ideias mais claras sobre a tal democratização e “desconfessionalização” e por isso, ficará diminuído sempre que procurar diminuir intelectualmente os outros, atirando-os sumariamente para a selva de um desprezo que aparentemente cheira a despeito mal disfarçado.


O povo costuma dizer que só não muda quem é burro. E Vital, apesar de tudo, não costuma relinchar baboseiras e merece por isso respeito intelectual, pelo menos. Que deve ser mútuo, entre blogonautas, sem prejuízo da linguagem, que por vezes se apimenta na retórica, se tornar mais agreste.

Quem não gostar, pode protestar, mas se o fizer em termos de linguagem de selva, está a autorizar o confrontoverbal, desnecessário e inútil. Mas duro, como é uso na selva.

Publicado por josé 17:47:00  

21 Comments:

  1. O Reformista said...
    Magnífica prosa.
    Anónimo said...
    Simplesmente brilhante.

    Do 'irmão' André
    Anónimo said...
    Ganda pankada!
    Dêem-lhe. Ele merece.
    Anónimo said...
    Boa, boa!

    (E contem o que ele era como professor... Também dava aulas na privada?)
    Anónimo said...
    De PRIMEIRA!
    josé said...
    Vital Moreira, se bem conheço o estilo, é sobranceiro qb, sempre que se vê acossado por um qualquer perigo imaginário.Defende-se e compreende-se.

    Mas far-lhe-ia muito bem uma maior descontracção e perceber que o que ele toma como latir de "mabecos" é, na maior parte das vezes, um convite para a luta verbal e argumentativa.

    Movendo-se num campo e linguagem que não domina inteiramente, atira com os arguentes para a desqualificação intelectual mais primária e rasqueira.
    Subestima os outros, dito simplesmente.Tal como Pacheco Pereira costuma fazer.
    Daí o maior gozo em que as pessoas se "se metam" com eles.

    Ainda não perceberam o truque, porque se fossem um pouco mais finos compreenderiam que "ninguém dá pontapés em mabecos mortos"...
    Ahahahahahah!


    Ah! Além disso, a grande obra teórica de Vital Moreira,é uma dissertação sobre...o vinho do Porto! Sério. É a sua tese de doutoramento.
    Vejam aqui!

    Para além deste trabalho de doutoramento na faculdade de COimbra, Vital Moreira assina uma notável co-produção com GOmes Canotilho,na anotação da Constituição e que recomendo a toda a gente pela grande qualidade que representa. Sans blague e só por isso, por essa obra, merece o meu respeito, sem qualquer reservas.
    josé said...
    O link não vai directo, mas a tese é esta:

    MOREIRA, Vital Martins
    Auto-Regulação profissional e administração autónoma (A organização institucional do vinho do Porto). Coimbra, ed. aut., 1997, p.
    Especialidade: Ciências Jurídico-Políticas

    Não li.
    Anónimo said...
    Gomes Canotilho, Vital Moreira, Pina Moura, è isto que produziu a abrilada, imcompetentes, prontos a dar o parecer que quem pagar mais, ministros das finanças falhados, (que ainda arrajam tachos, com os espanhois.............
    è isto os antifascistas, comunistas
    no final uns pobres diabos de imcompetencia, que tem mamado bem nestes 3o anos...........
    Anónimo said...
    Quando se fala dos comunistas que foram lamber a mangedoura do PS, convém não esquecer o Dr. José Magalhães que passou a andar de Mercedes preto e de motorista (isto antes de estar no governo, agora deve ser Mercedes 500).
    Nino said...
    Brilhante.
    zazie said...
    magnífico!
    maria said...
    Puro e duro!
    Anónimo said...
    qb?
    Não. Ainda há mais!
    António Torres said...
    BRAVO!
    MUITO BEM!
    Piotr Kropotkine said...
    pá ó Irmão José e o post sobre os Beach Boys? hã? entretanto podes ver o resumo dos posts do professor Moreira sobre o TGV de novo...
    josé said...
    Já está na calha, ó grande Piotr!

    Quanto ao mestre Vital, estalou-se-lhe definitivamente o verniz, muito superficial,aliás e segundo tudo indica.

    Acaba de apodar de "biltres",- "Atrás do anonimato todos os biltres são heróis para si mesmos"- todos os anónimos que lhe apontam as falhas na inteligência suprema.
    COnfirma mais uma vez as piores suspeitas: o único argumento real que conhece, em debates de blogosfera, é a desqualificação rasteira dos adversários.
    Agora é o anonimato. Depois será a persona.
    Não se abespinhe dr. Vital! Isto também pode ser divertido. Basta pensar uns segundos, antes de esvrever.
    Além do mais, aqui, e para si, não somos totalmente anónimos, como muito bem sabe...
    Temos mail que já usou. E temos nome que usamos se for preciso.

    E pelo menos da minha parte, não leva insultos gratuitos, embora se calhar pense que sim.
    O que gostaria que também pensasse é que estou pessoalmente nas tintas para aquilo que escreve, a não ser que detecte as incongruências que mostram a inconsistência do seu discurso habitual e que procura fazer carreiras nos meandros da política activa e executiva.
    É só isso.
    Continue que por mim, é boa companhia e o seu blog, por vezes, um must.
    Piotr Kropotkine said...
    e a malha dos Area já ouvisteze?
    dragão said...
    Quando comecei a ler, vi logo que o postal só poderia ser teu. Não está nada mal, apreciei-lhe a forma, mas debato-me com uma tremenda angústia gnoseológica que se resume ao seguinte: Quem é este tal de Vital Não-sei-quantos que tu, estou certo que merecidamente, zurzes?...
    josé said...
    Já ouvi a Internacional por duas vezes e lembro que agora, só na Festa do Avante.

    Os primeiros vinte minutos são de qualidade superior. Jazz rock do melhor a lembrar Zappa de Hot Rats.

    E agora, ouço em reprise "when i grow uo to be a man" dos...Beach Boys.
    Já lá irei.
    josé said...
    Caro Dragão:

    É um indivíduo que no último postal, lá na sua loja semi-pessoal, regorgita uma expressão fina e subida para quem se dignou escrever antes que dava ao "desprezo" os mabecos anónimos que o zurzem pelas incongruências e malabarismos.
    A expressão é "biltre". Segundo o dicionário, o mais simpático que se consegue como sinónimo é...canalha!
    Para o professor, não está nada mal como exercício catártico...
    Anónimo said...
    Malhem no Vital!
    Dêem-lhe umas valentes arrochadas.
    Se o Eça existisse hoje criava uma personagem como o Vital, não tenham dúvidas.
    O homem, aliás, é pequenino.

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