uma questão de classe.
quarta-feira, agosto 17, 2005
João Morgado Fernandes, em três posts consecutivos, um por dia, dedicados a esta Venerável Loja, coloca uma série de questões que obviamente não podem ficar sem resposta.
Começando pelo Mainardi registo o materialismo atroz do João, para ele perder ou ganhar (muita coisa) resume-se a ter ou não ter (muito) dinheiro, e se se tiver dinheiro logo não se pode (nunca) perder nada. Eu não gostou ou desgosto do que o Mainardi escreve por ele poder ter sangue azul, ser de boas famílias, ou ter tido a sorte de nascer numa família afortunada, como também não desvalorizo os escritos dele sobre um homem de esquerda (a sério ?) - Lula - só pelo facto de ele não ser um "trabalhador" clássico, isso é pura e simplesmente preconceito de classe, já que só faltou alegar que o Mainardi não podia escrever como o Lula porque ('betinho') não é... como ele. Quanto à frase do Mainardi com que o João resolveu gozar, a escolha não poderia ser mais infeliz. Somos todos, sem excepção, seres sociais, e cá, como lá, o que está a dar é a suave hipocrisia, o olhar para o lado, o sorriso deico-doce, aquilo a que na América chamam plausible denial, ora não é preciso ser muito dotado para se perceber que ser frontal, duro, directo não é, cá como lá, o caminho mais curto para a popularidade, para o poder, para grangear amigos e simpatias. Eu até sei que o João valoriza e não foge ao debate, mas quem não o conhecer e o ler fica é a pensar que ele é mais um nacional-porreirista, para não dizer nacional-situacionista.
Quanto ao resto, o arrazoado aventado pelo João é no minimo surpreendente. Tenta-se uma curiosa separação entre opinião (publicada) e bocas, sendo que estas últimas são tudo o que não tiver uma cara (conhecida) por detrás. Errado, profusamente errado, porque a transparência e a credibilidade não se obtem através do voyeurismo. Ganham-se ou perdem-se pela consistência, pela qualidade. O João confunde a emissão de uma opinião com um anónimo a solicitar na rua um empréstimo a outro anónimo, sem garantias. A emissão de uma opinião não obriga ninguém a aceitá-la, a priori, ou obriga ? Quanto muito obriga a pensar. Porque é que escrevem isto? porque é que não li isso antes? porque é que não se fala daquilo ? Liberta, expande horizontes. Depois, há, claro, os papões implícitos, mas nunca explicitados. Onde está a subversão da realidade e da ordem pública na blogosfera ? Estará na onda a exigir a divulgação dos estudos da Ota ?
Confesso que ao ler o post do João me veio à cabeça um livro de Umberto Eco, bastante conhecido por sinal, O Nome da Rosa. Lá um velho monge assassinou uma boa parte dos personagens impreparados para perceberem uma obra perdida de Aristóteles - sobre o Riso. Só os ungidos é que estariam preparados ler o Mestre. Crueldade das crueldades, Eco quis que o velho monge - guardião da ortodoxia, e o único com acessou ao tesouro, o único exemplar - fosse ceg0.
Fora as violações grosseiras da lei geral (e para isso há a justiça), que são poucas e bem quantificadas, convinha que se percebesse de uma vez por todas o que é que incomoda tanto. A opinião é escrutinável, a não ser que se parta do príncipio que a plebe é burra e não pensa logo só deve beber ideias pre-formatadas, e qualificável, e os factos comprováveis, ou não.
Para finalizar ficam algumas definições práticas. A emissão de uma opinião é um produto consumivel, tal como o é um livro. Logo, e tal como um livro, seja ele de culinária, de mecânica quântica, ou banda desenhada, se avalia, se compara, pela sua qualidade intrinseca, que está aquém e além do autor que lhe dá o nome, também um texto se avalia pela mesma bitola. Ao João, como a muitos outros, falta perceber que, às vezes, as pessoas querem como aquele romeiro - de uma história muito conhecida - simplesmente ser ninguém. Ter opiniões e visões sobre o mundo sem terem de se chatear por causa disso. É que senão ainda acabamos a pôr em causa a essência da própria democracia, onde é suposto serem todos iguais e poderem votar, só podendo votar os conhecidos e os notáveis (como na grécia antiga). É que até contra sondagens, de rua, o JMF parece ser. Acabe-se pois com elas, excluam-se as domésticas e os desempregados, e pergunte-se, e dê-se voz, apenas aos (alegados) capacitados. É esse o mundo que o João quer ? Não será por as massas se reverem cada vez menos no mundo publicado nos media tradicionais que a blogosfera faz cada vez mais mossa ? Ou será que o que o começa a preocupar não é o facto de os anónimos - as tais domésticas e desempregados - terem opiniões mas sim o facto destas começarem a ser levadas a sério ?
Está lançado o debate.
Publicado por Manuel 14:58:00