Os novos cães de guarda - pequeno contributo

Em 1932, para denunciar os filósofos que pretendessem dissimular sob um amontoado de grande conceitos a sua participação na 'grande actualidade impura do seu tempo', Paul Nizan escreveu um pequeno ensaio, Les chiens de garde. Nos nossos dias, os simuladores dipõem, com mais frequência, de uma maquiadora e um microfone do que uma cátedra. Encenadores da realidade social e política, interna e externa, acabam por deformá-la. Estão ao serviço dos interesses dos donos do mundo. São os novos cães de guarda.


Ora, eles proclamam-se "contrapoder"... Vigorosos, desrespeitadores, porta-vozes dos obscuros e dos sem voz, fórum da democracia viva. Um sacerdócio que os americanos resumiram nesta fórmula: "confortar os que vivem na aflição e afligir os que vivem no conforto". O contrapoder entorpeceu-se. E voltou-se contra os que deveria servir. Para ficar ao serviço dos que deveria manter sob vigilância. Mas a lei do silêncio abre fendas. Será a profundidade do dilaceramento social que, de repente, torna insopurtável o zumbido satisfeito dos nossos grandes editorialistas? Será a imprudência da sua sociedade de conivência que, num minúsculo perímetro ideológico, multiplicaos confrontos artificiais, as notoriedades imerecidas, os serviços recíprocos, as omnipresenças no estúdio? Será o assalto repetido - e sempre vitorioso - dos industriais contra as últimas cidadelas da liberdade de imprensa? Uma parte da opinião, enfim, revolta-se contra o espectáculo de um "sol que nunca se põe no império da passividade moderna[...], o sonho mau da sociedade aprisionada que só expressa, afinal, o seu desejo de dormir".

Crise de franqueza ou imprudência, o mais influente jornalista da televisão francesa, Patrick Poivre d'Arvor, confessou um dia o sentido da sua missão: "Estamos aqui para dar uma imagem polida do mundo". Polida e, em todos os pontos, conforme os interesses de uma classe social. em 1927, denunciando a "traição dos intelectuais", Julien Benda já sublinhava a "vontade do escritor pragmático de agradar à burguesia que faz as reputações e concede as honrarias". Setenta anos depois, acabamos por cambalear diante da abundância de provas de tal previsão. Sobretudo quando ficou claro que bastava substituir a palavra "burguesia", decididamente arcaica de mais, pelo termo "decisores", o "alvo principal" dos profissionais da informação que deixaram de dissimular a sua função de guardiães da ordem.

Halimi, Serge, Os novos cães de guarda, tradução de Guilherme Teixeira, Petrópolis, Vozes, 1998

Publicado por Carlos 22:57:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    halimi e não hamili
    Carlos said...
    Corrigido. Foi um lapso....
    Arrebenta said...
    Anda no ar um certo cheiro a pólvora.
    Não são os incêndios,
    mas o tal golpe militar de que já por aí se fala.

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