Os 69...degraus.

O Governo actual, decidiu recentemente (em Julho) rever várias leis penais. Sendo certo que os códigos penais (o das regras penais substantivas e o das regras processuais), em vigor desde a década de oitenta, levam já várias dezenas de remendos vários, sendo os mais importantes, de 1995 e de 1998, com particulares responsabildiades para governos socialistas, importa perceber o timing e a importância destas novas revisões que alguns apontam já como consequência das experiências práticas dos últimos três anos, com a inspiração mais relevante vinda da "marcha do processo" da Casa Pia.

Segundo a resolução do Conselho de Ministros, pretende-se a...

revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, o enquadramento da definição e da execução da política criminal, a lei quadro da reforma do sistema prisional e respectivos diplomas complementares e o regime das bases de dados para fins de investigação criminal.

Desta vez, a intenção explícita do Governo, será a de fazer intervir, nessas revisões ...
a conjugação de múltiplos contributos, provenientes de diferentes instituições, designadamente universitárias.

Esta metodologia revisionista não é inédita. Como se pode ler no excelente, irónico e revelador comentário que José António Barreiros deixou no Incursões...

Não querendo polemizar, mas a questão da composição das comissões de legislação é de facto interessante e com esta reflexão ganha uma visão mais ampla e rica. Está em causa saber onde entram as definições dos políticos, o contributo dos académicos, dos técnicos, dos «operadores do sistema» [como agora se lhe chamam] e dos funcionários ministeriais. Deixo aqui registado um método que vi aplicar na comissão de que saíu o CPP de 1987, de que honrosamente fiz parte, como seu elemento «junior» [imagine-se]. O Presidente da comissão escreveu ao ministro da Justiça [Rui Machete] a perguntar que Código queria. O ministro respondeu ao presidente da Comissão [no caso o Doutor Figueiredo Dias] a explicitar a orientação política, na forma de umas quantas máximas genéricas, após ter ouvido o Governo. A comissão [Dias, Cunha Rodrigues, Manso Preto, Maia Gonçalves, Costa Andrade, Lopes Rocha, Castro e Sousa, e JAB com inúmeras auscultações a vários níveis] redigiu o projecto de Código, acompanhando-o de uma extensa proposta de autorização legislativa [cuja minuta coube a este seu admirador] que foi a Conselho de Ministros e depois à Assembleia da República. O Parlamento trabalhou sobre o articulado da proposta de autorização legislativa [auscultando mais pessoas e entidades], modificou-a [em alguns aspectos], tudo foi em fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, pelo que o Governo [o ministro era agora Mário Raposo], descontada uma ou outra artimanha política, verteu tudo o que fora modificado ao projecto num articulado final revisto [conto com mais pormenores este momento difícil no meu livro «Sistema e Estrutura do Processo Penal Português», I volume]. Ou seja e em suma: o poder político disse o que queria primeiro, uma comissão de académicos, peritos e operadores trabalhou e finalmente o poder político legislou, ministros primeiro, deputados no fim. Ainda hoje estou convencido que foi o caminho certo.Num só aspecto tentei em desespero fazer vingar um critério próprio: quando, a mando da Comissão, fui para a Imprensa Nacional, para rever as provas do «Diário da República» [não fosse o diploma sair com erros! e saíu...] e ali mesmo [ante o olhar suspeito e reprovador dos tipógrafos e revisores] me apercebi de algo que já não foi possível emendar: o artigo cuja epígrafe era [e é] posição processual do assistente tinha [e tem] o equívoco número 69. Não levem a mal o picante desta menção, é só para mostrar que nestas coisas da coisa pública não me levo muito a sério.


Publicado por josé 17:05:00  

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