O poder dos anónimos sob pseudónimo

E para realçar a excelência da escrita de alguns anónimos que deambulam pela blogosfera em pseudónimo, fica aqui um postal absolutamente brilhante e sarcasticamente corrosivo de alguém que escreve como muito poucos "renomados" o fazem.

É, claro, do Dragoscópio

A calamidade
Na sua visita à Pampilhosa da Serra, região que há cinco dias está a ser fustigada pelos incêndios, o ministro da Administração Interna, António Costa, insistiu em afirmar que não há razões para decretar estado de calamidade pública nas zonas afectadas pelos incêndios.

O ministro está coberto de razão. É uma mera região, uma pequena parcela do território nacional, e só está a ser fustigada há cinco dias. Se pensarmos que o território completo, mais as ilhas adjacentes, já não falando nas ex-colónias (que, como se sabe, ainda eram maiores) estão a ser fustigados, vai para mais de trinta anos, por agremiações de pujantes e vorazes democratas como aquela em que é filiado o sr. ministro, e nem o Estado de emergência se declara..
.
Além do mais, a Pampilhosa da Serra, bem como a generalidade das áreas ardidas, em bom rigor, nem fazem parte do país: só fazem parte da paisagem. Ora, o fogo, por muito escalpante e calcinante que seja, nem de perto nem de longe constitui a pior catástrofe que pode acontecer à paisagem. Ao pé dos empreiteiros e autarcas associados, ninguém tenha dúvidas: as labaredas quase passam despercebidas. Entre o betão e o carvão, o diabo, chamado a escolher, até por hábitos de churrasco, prefere o segundo. E nós, que somos claramente filhos dele, também.

Falta apenas acrescentar que há uma última razão, esta muito simples e óbvia, para o ministro não se pôr com declarações extemporâneas de calamidade: porque dado o estado a que isto chegou, senão mesmo o estado usual em que isto -nos últimos quatro séculos - (des)anda, declarar a "calamidade pública" acabaria por ser, mais que injustificado, perfeitamente redundante.

Declarar a calamidade não remete para o extraordinário, mas para o trivial, para o quotidiano. Em vez duma urgência qualquer, limita-se a referir o nosso modo de vida, a revelá-lo abertamente, a expô-lo nucegamente. A calamidade, bem vistas a coisas, é o nosso negócio, o nossa ganha marisco. Há muito que desistimos de combater catástrofes...Viciámo-nos nelas. Somos vítimas profissionais, desgraçados cósmicos. Coleccionamos escombros e ruínas, chagas e deformações, tudo o que sirva para engodar e mistificar a esmola alheia, e, sobretudo, para canonizar a nossa própria inércia, para garrir a nossa desvalida e rastejante prostração.

E se no verão deitamos fogo às matas, no resto do ano deitamos fogo aos neurónios. Ou entretemo-nos a quebrar as pernas uns aos outros.

Publicado por josé 17:56:00  

12 Comments:

  1. Anónimo said...
    Ouvi hoje o ministro a explicar por que razão não declarava calamidade pública. Compreendi.
    É por causa dos seguros, se fosse declarada calamidade pública, os que não têm seguro ficariam de fora das ajudas. E como muitos são gente modesta que não tem seguros, é em defesa dessa gente que o Governo não declara calamidade pública, segundo o ministro.

    Mas é evidente que há outra gente interessada nessa declaração porque tem seguros e espera ganhar alguma coisa sem fazer nada.
    O ministro disse que não adianta nada declarar calamidade pública nos casos presentes.
    Aliás o ministro da Agricultura já tinha dito o mesmo por causa da seca e das ajudas comunitárias. E explicou bem numa comissão da Assembleia da República porque não declarou até àquela data a calamidade pública. A oposição calou e não mugiu, fez figura de tonta.
    Anónimo said...
    Desconfio que o ministro a pedido de muitas familias ainda vai ter que declarar a calamidade publica porque as pessoas sao surdas.

    Nao vale a pena explicar. Há pessoas que devem estar mesmo interessadas nalguma coisa que nao se entende.

    Até um jornalista da sic, que relatava de Alvao, emocionado com a tragédia que lá se vive diz: " se isto nao é calamidade pública, o que é calamidade publica"

    Pelos vistos todos fazem que nao entendem e continuam com a mesmo pedido de decretar calmidade publica mesmo que as pessoas fiquem a perder com isso.

    É um país de surdos, este. E é pena que pessoas com responsbilidades politicas sejam surdas. :/
    Anónimo said...
    ..se façam de surdas, queria dizer.
    Anónimo said...
    Fazem favor de me dizer, onde posso ler, a lei sobre calamidade publica?
    è que o Costa è burro e não ezplica. senão uma treta de seguros, que a malta da provincia, nunca faz, portanto, qual è a preocupação verdadeira»
    josé said...
    Caro anónimo:

    Mesmo com uma pequena pesquisa no Google, foi possível catar algumas coisas com interesse.

    Por exemplo, em 1997 ( quem governava, quem era?!) o Conselho de Ministros já mostrava preocupação com a legislação sobre calamidades públicas.
    O comunicado do COnselho de Ministros de 30 de Janeiro de 1997, dizia no ponto 11:
    "Aprovar um Decreto-Lei que altera o diploma que define o regime legal da declaração de calamidade pública."

    Desde então passaram...8 anos! E ainda dizem que a Justiça é lenta!

    A legislação sobre calamidade pública foi vertida neste diploma:
    DECRETO-LEI Nº 477/88, de 14OUT - Define o regime legal da declaração de situação de calamidade pública (DR Nº 295, I, 23DEZ88) e foi alterada por este:
    DECRETO-LEI Nº 81/97, de 09ABR - Altera o nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 477/88, de 23DEZ, que define o regime legal da declaração de situação de calamidade pública (DR Nº 83, I-A, 09ABR97).

    Em 23 de Agosto de 2003, o COnselho de Ministros continuava a mostrar preocupação com os incêndios e as medidas de calamidade pública

    E escreveram então no lindo Portal do Governo:

    "Declarar a situação de calamidade pública, decorrente dos incêndios verificados desde 20 de Julho de 2003, em circunstâncias excepcionalmente gravosas, na área dos distritos de Bragança, Guarda, Castelo Branco, Coimbra, Santarém, Portalegre, Leiria e Setúbal, produzindo efeitos desde aquela data até ao restabelecimento da normalidade nas áreas afectadas.

    2 - Constituir uma estrutura de coordenação e controlo, composta, para além dos governadores civis das áreas afectadas, por representantes dos seguintes Ministros:

    a) Estado e das Finanças;

    b) Administração Interna;

    c) Economia;

    d) Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas;

    e) Saúde;

    f) Segurança Social e do Trabalho;

    g) Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

    3 - Determinar que a estrutura referida no número anterior será presidida pelo Ministro da Administração Interna.

    4 - Aprovar as medidas e apoios excepcionais previstos em anexo.

    5 - Disponibilizar, desde já, um montante de 50 milhões de euros da dotação provisional do Ministério das Finanças para fazer face aos encargos decorrentes das medidas e apoios previstos na presente resolução.

    6 - É revogada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 106-A/2003, aprovada em Conselho de Ministros de 24 de Julho, ressalvando-se os efeitos já produzidos.

    Presidência do Conselho de Ministros, 4 de Agosto de 2003.
    O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso."

    Foi só há dois anos, mas parece que foi há uma eternidade...
    josé said...
    De um blog "anónimo" chamado ontogenese e que já deve ter encerrado e é pena( mais um a fugir dos renomados...) tirei isto:

    "Muitas consciências aquietam-se porque, enfim, o governo decretou o estado de calamidade pública devido aos incêndios florestais.

    Todavia, a declaração legal de calamidade pública não apaga fogos nem evita o aparecimento de novos sinistros. Pelo contrário, pode ter efeitos perversos e ocasionar mesmo um agravamento da situação.
    A declaração de calamidade não reforça a disponibilidade de autotanques nem de água, menos ainda de bombeiros, de militares ou de aviões. Não regula a floresta nem obriga a cumprir uma lei, com mais de 20 anos de vigência (Decreto Regulamentar n.º 55/81 de 18-12-1981), que pretendia proteger pessoas e haveres ao transferir para os proprietários a responsabilidade da limpeza de uma área de 50 metros em redor de zonas habitacionais.
    Qualquer telespectador minimamente atento notou terem ardido casas rodeadas de mato e a um passo de florestas densas e mal cuidadas. Outra coisa não seria de esperar num país que só se lembra de Santa Bárbara quando troveja!
    Repararam que, na última e terrível semana, nenhum governante, autarca ou bombeiro aproveitou a TV para recomendar a todos os portugueses que limpem imediatamente a mais vasta área possível em redor de habitações e outras edificações valiosas?
    Haja a noção clara de que a declaração de calamidade refere-se apenas à indemnização dos prejuízos, pois permite a adopção de mecanismos excepcionais de financiamento pelo Estado das perdas materiais sofridas por autarquias e, sob certas condições, também de particulares.
    Logo, ninguém pode ficar em paz com a consciência. O governo fez apenas o óbvio. Pior: ampliou o que alguns autarcas da zona do pinhal vinham pedindo há três dias, ao endereçar à Comissão Europeia um pedido de financiamento dos prejuízos.
    O risco que se corre é o de engordar o património de chicos espertos hábeis a beneficiar de fundos públicos, enquanto a floresta continua ao Deus dará.
    E para o ano há mais do mesmo."
    josé said...
    O postal do já era de...2003!

    O nosso povo tem memória curta! Por isso é que vai elegendo sempre os mesmos.
    Anónimo said...
    Mas julgava que para pedir fundos à comissao europeu é preciso arder uma certa àrea ou certo grau de prejuízos. Lembro-me vagamente em 2003 de se ter falado nisso.

    Nem quero dizer o que me passou agora pela cabeça. :/
    josé said...
    Mais umas achegas sobre a noção de calamidade pública.

    É do Mata-Mouros!
    É também de Agosto de 2003 e dizia-se isto:

    "A legislação sobre a situação de calamidade pública, é, como escrevi há pouco, do tempo do Governo de Cavaco Silva. No preâmbulo dizia-se, há quinze anos atrás:
    "O Governo considera que deve ser fomentada, sempre que possível, a utilização de seguros para fazer face às consequências das catástrofes ou calamidades"(...) Como se sabe, em 15 anos, esse fomento foi zero.

    "Por outro lado, entende-se que os apoios financeiros a conceder por parte do Estado não deverão, em princípio, cobrir a totalidade dos prejuízos, havendo que ter em conta a capacidade dos sinistrados para, pelos seus próprios meios, contribuir para a recuperação dos danos sofridos".

    Se bem a entendo, a declaração de "situação de calamidade pública" só faz sentido uma vez terminada a sua causa (leia-se, no caso, a vaga de incêndios). Caso contrário, correm-se vários riscos:
    1. A calamidade pode atingir locais não abrangidos pela resolução;
    2. Os prejuízos podem ser muito maiores do que os verificáveis no momento da declaração.
    3. A certeza de que o Estado irá cobrir os prejuízos desincentiva medidas de prevenção.

    Na medida em que a declaração em nada contribui para evitar ou ajudar a combater os incêndios, a utilidade da sua declaração a meio da crise parece-me quase inexistente. No entanto, a legislação anunciada (sobretudo a que visa impor algumas regras quanto à reflorestação) poderá ser útil, sobretudo se às regras forem associados mecanismos de responsabilidade (criminal ou contra-ordenacional, mas sobretudo civil) que, efectivamente, fomentem uma gestão racional da floresta e, ao mesmo tempo, a "utilização de seguros para fazer face às consequências das catástrofes ou calamidades".

    Na verdade, não defendo a ideia de uma "função social da propriedade" (que, no limite, legitimaria o Estado a "retirar a propriedade" a quem a não utilizasse de acordo com o "interesse comum"), sem exclusão dos proprietários florestais. Defendo, isso sim, que os danos causados a terceiros pela utilização imprópria da propriedade recaiam sobre quem beneficia dessa utilização.
    # posted by CL @ 16:19"

    Que pensará o actual CL do Blasfémias disto?!
    Anónimo said...
    Bis tergendus erit, qui male sputa iacit. (1)

    Ontem
    O inefável António Costa dizia que não era declarado o estado de calamidade pública porque não estavam reunidas as condições
    (leiam-se desgraças) para essa declaração.

    Hoje (17-08-05) diz que não declara o estado de calamidade pública porque os afectados pelos incêndios sairiam prejudicados!!!!! com essa declaração

    O ano passado e há dois anos
    e numa situação bem melhor (dentro da desgraça) a declaração do estado calamidade pública era boa, justificável e exigida aos gritos pelos socialistas!

    O sacristão de Coimbra e o da Pampilhosa confirma o argumento do ministro
    Dizem que declaração de calamidade impede o funcionamento dos seguros!!!!
    Mas que belo trio.
    Pena que não tenham acompanhado o PM no safari e por lá tivessem ficado.

    (1) Quem mal cospe, duas vezes se alimpa
    josé said...
    A mim me parece uma história muito mal contada. Uma aldrabice, em suma. Menor,se o motivo principal for a falta de dinheiro- que será alias, o mais provável, face à extensão da catástrofe nacional, deste ano.

    Só que nos anos anteriores e ainda nos anteriores lá estavam eles, sempre os mesmos a prometer a resolução do problema.
    Não resolveram e a situação ainda se agravou. Tal como nas finanças públicas.
    Estes governos que temos são competentes?!
    A pergunta é meramente retórica e eu se fosse do governo teria alguma vergonham em verificar na prática que não conseguia resolver uma problema com anos e anos em cima.
    COpiem os italianos, cum raio!!
    Anónimo said...
    Creio que se o ministro estivesse errado, a obrigaçao dos que continuama insitir no pedido da calamidade publica e os politicos dos partidos que o fazem, já tinham tempo e a obrigaçao de explicra porque o ministro está errado. Mas o que se ve é apenas pedir por pedir. Parece que é apenas politica e demagogia de palavras.

    E isso só me leva a pensar que nao tem sequer vergonha na cara.

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