A mão esquerda de Deus (II)

Quando vi o título - "reunir todas as forças" - julguei que se tratava de mais um post da azougada Ana Gomes. Acontece que, de um homem aparentemente lúcido e academicamente creditado como Vital Moreira, eu francamente não esperava estes três míseros parágrafos. Vê-se que o professor não desperdiçou uma linha do que aprendeu na vulgata da Soeiro Pereira Gomes até aos anos oitenta bem adentro. Na minha santa ignorância, desconhecia que havia uma "revolta à esquerda" e que, por causa desse martírio, urgia evitar "um PR oriundo da direita partidária". E ignorava, como ignoro, que o Palácio de Belém está reservado a uma casta especialmente "democrática", justamente por infantilmente presumir que, em democracia, não existem castas. Mas a minha infindável ignorância ainda não tinha absorvido que "a esquerda alimenta uma visceral desconfiança sobre a capacidade da direita para respeitar as "regras do jogo" na Presidência da República", e que, pasme-se, "um presidente sem escrúpulos constitucionais pode subverter impunemente a ordem constitucional". Estas puerilidades podiam fazer algum sentido em 1980 e, mesmo, com um módico de benevolência, em 1985. Hoje, com o devido respeito, são praticamente simétricas dos dislates de Alberto João Jardim sobre o "sistema". Vital repudia ainda as "teorizações presidencialistas" de uns desconhecidos epígonos "conspícuos de Cavaco Silva" e afiança que é "a estabilidade do regime que pode estar em causa" com a sua candidatura. Eu não sei bem a que "estabilidade" e de que "regime" o professor fala. Imaginará ele, porventura, que, uma vez eleito, M. Soares seria um modelo de subserviência ao PS e ao governo? Ou que o país pode aguentar por muito mais tempo a falsa "estabilidade" que este "regime" desacreditado por, pelo menos, cinco anos de leviandades e incompetências lhe apresenta? Ou que pode sobreviver por muito mais tempo sem pôr em causa a decência do próprio sistema democrático? Infelizmente Mário Soares, ao contrário do que aconteceu da primeira vez - verdadeiramente a única - vem apenas para prolongar a agonia e redimir a "esquerda" de uma eventual humilhação. Porém, o país é muito mais do que isto. A liderança institucional do PR, sem prejuízo do respeito pelas competências específicas de cada órgão de soberania, é um facto inelutável por causa do "estado a que isto chegou.". A sua legitimidade, uma vez eleito, e sobretudo eleito nas presentes circunstâncias, é extraordinária se for bem aproveitada. Eu não quero um PR para "adormecer" ainda mais o "regime" e para "anestesiar" a cidadania com os habituais e consensuais jargões. O próximo PR deve ser um "mobilizador" e possuir uma "pulsão reformadora" derivada da sua autoridade democrática. Deve ser alguém com uma sensibilidade particular para o domínio da "crise", sem tergiversações melancólicas ou "ideológicas". Se assim não acontecer, será o "regime", cuja "estabilidade" Vital vê ameaçada pela candidatura de Cavaco, que "pode subverter impunemente a ordem constitucional" por causa da sua incontornável esquizofrenia e ortodoxia, das quais, paradoxalmente, Soares se apresenta o mais fiel guardião.

Publicado por João Gonçalves 15:13:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    Vital tem toda a razão. Além disso, não consigo descortinar onde é que você vê essas qualidades todas em Cavaco, que eu sinceramente nunca vi e continuo a não ver.
    Carlos said...
    Bem dito!

    Vital Moreira pertence à casta dos iluminados que tudo farão para manter o país neste atoleiro socialista enquanto tiver forças.

    Mário Soares, o iluminado-mor, tentará a Presidencia só com um objectivo: manter Sócrates no poder e com isso manter os privilégios dos seus "amigos" e o seu poder político. O seu umbiguismo é insaciável!

    Esta "casta" de antigos comunistas agora em pele de cordeiro, descobriram forma, de vestes democráticas, para viverem à conta do Estado, e este à conta do zé povão.
    Anónimo said...
    Ó Clara Martins. Diga-me lá uma coisa:
    Gosta mais de cereja Vital ou de café Moka?
    Anónimo said...
    A economia pode estar em crise, mas o regime não. Tudo funciona normalmente. Com a burocracia do costume, é certo, mas normalmente. E as reformas profundas de Sócrates estão a mudar o horizonte, para melhor. Um regime democrático como o nosso tem sempre meios de se auto-regular e regenerar, se for o caso.

    Se virmos certos rankings internacionais sobre transparência e corrupção, Portugal aparece bem colocado, no bom sentido, bem acima de alguns países mais evoluídos, como França, Itália, etc. Há meses vi um ranking onde Portugal aparecia em segundo lugar entre dezenas de países, logo a seguir aos Estados Unidos. Noutros rankings aparece nos dez ou vinte primeiros lugares.

    Portanto o regime está de boa saúde e internacionalmente assim é reconhecido. E temos uma das imprensas mais livres do mundo (entre as cinco mais livres), segundo a Associação Internacional dos Jornalistas.

    Mesmo a economia tem desempenhos semelhantes a vários países europeus, com mais tradição democrática e com outros argumentos económicos, casos de França, Itália, Alemanha, Holanda, etc..

    Muitos fascistas e estalinistas é que andam a vender esta da crise do regime para ver se inventam um golpe de Estado ou uma mudança brusca que ponha os amigos no poder. Fingidos de democratas, obviamente.

    Portanto, este blog de JG deve ser deitado ao lixo depois de lido. Expressa uma opinião que não tem nada a ver com a realidade do país. País que progrediu mais em trinta anos do que em séculos. E porque foi e é assim o povo escarra nos inventores de crises de regime. Ainda bem.

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