Depois de Sócrates, o quê?
sábado, agosto 06, 2005
A actual mudança de rumo com a ota e o
tgv pode ser o fim do governo.
O ENGENHEIRO José Sócrates começou o seu mandato com medidas impopulares e corajosas. Sabendo-se que os reformadores costumam ter aplausos tímidos de quem acha as reformas necessárias e críticas sonoras dos interesses atingidos, Sócrates nem se pode queixar de falta de apoio. Surgiu, então, um largo leque de economistas (mais largo que o PS) a aplaudir as suas medidas e a justificá-las.
A OTA e o TGV alteraram tudo. A mesma coligação que tinha justificado o aumento do IVA e aplaudido os primeiros passos de Sócrates voltou a falar para condenar sem apelo nem agravo os novos investimentos públicos.
Percebe-se bem porquê: depois do Centro Cultural de Belém, da Expo-98 e dos dez estádios, estamos como estamos. E desta vez não estamos perante a falácia «post hoc, ergo propter hoc».
É muito bom ter um Centro Cultural em Belém mas é pena que já nem haja dinheiro para pagar a temporada de ópera do S. Carlos. A Expo-98 criou um belo espaço urbano, mas não ajuda nada a equilibrar a balança de pagamentos. E a ideia que os dez estádios acabaram a recessão em 2004 é uma história da carochinha que só pode caber na cabeça do dr. Silva Pereira. E já nem queremos falar das comissões e das derrapagens que caracterizam o investimento público em Portugal.
Só com uma fé ilimitada na intervenção do Estado na economia, com aquela fé que remove montanhas e que conduz à paralisia cerebral, se pode aplaudir o investimento público português. É preciso, por exemplo, acreditar que a Caixa Geral de Depósitos possa ser hoje outra coisa senão uma estância de repouso para políticos de diferentes quadrantes em trânsito para indemnizações e reformas de vários tipos.
Quando o pobre eleitor que olha para a televisão em férias se recorda que um investimento de milhões e milhões como o Metro do Porto continua a ter à sua frente o major Valentim «batatas» Loureiro, começa a sentir-se mal ou é de repente acometido por uma variante lusa do neo-liberalismo selvagem. Tudo menos o investimento público!
E depois ainda faltam as tais reformas: em Outubro vamos ter todo o folclore das eleições autárquicas e a apresentação do Orçamento que tem de reduzir o défice. Sem mais espaço para habilidades contabilísticas e sob o olhar atento da Comissão Europeia.
Onde vão ser os cortes desta vez, com o eng. Sócrates a esquecer as reformas e a falar de milhões?
E a recuar no regime de aposentação da função pública ou nos sistemas de saúde da PSP.
Nesta situação, que Governo poderemos ter?
O PS tem a maioria absoluta, mas está a perder de dia para dia aquele mínimo de legitimação que poderia permitir-lhe fazer as reformas a que não tem maneira de escapar. Vai encontrar em Outubro uma situação social degradada e um sector privado exangue e incapaz de continuar a sustentar o sector público com os seus direitos adquiridos e inviáveis.
Se não fosse o euro teríamos as divisas a acabar e em Portugal uma delegação do Fundo Monetário Internacional à espera que o Governo desvalorizasse o escudo e reduzisse os salários reais para reequilibrar a balança de pagamentos. Com o euro, que cria uma moeda que não pode ser desvalorizada, esse papel cabe à Comissão, mas os problemas subjacentes são os mesmos.
Até desse ponto de vista (o regime monetário) a nossa situação é parecida com a da Argentina, que tinha a sua moeda ligada ao dólar mas não conseguia controlar o défice do Orçamento. E tinha também políticos tão prestigiados como os nossos.
Crise económica, crise política. Se a perda do ministro das Finanças for apenas a primeira perda de um ministro das Finanças e tivermos aquela tão sul-americana dança de cadeiras nas pastas económicas, saberemos também que, com ou sem maioria, o Governo está a prazo.
Mas depois de Sócrates, o quê? Um outro governo PS? Não se vê qual. Novas eleições e governo PSD? Sabe-se lá como reagiriam os eleitores e qual seria o nível de abstenção.
Seja como for, as perspectivas são todas más. Que PSD poderia ser alternativa a este se o Governo deixar de conseguir governar?
Sintomas de que isso pode acontecer não faltam.
Quando se ouve falar em défice-obsessão ou em défice-prisão, estamos perante o conhecido movimento de recusa da realidade. Quer dizer que começa a haver no Governo quem pense que isto não pode ser assim tão mau e tem de haver outras alternativas.
A Ota e o TGV são essa busca desesperada de alternativas. E uma mudança de rumo que pode ser o fim do Governo.
Se o fizer perder o único crédito que tinha - a coragem de tomar medidas difíceis - sem que desapareça a necessidade de as tomar, como vai conseguir governar?
Adenda: a única coisa que está a correr bem a este Governo é o aumento das cobranças fiscais e a convicção generalizada de que começa a haver algum perigo nas formas mais cruas de fraude fiscal. E ainda falta uma coisa: a melhor utilização dos sinais exteriores de riqueza em relação aos numerosos contribuintes que não declaram ou declaram valores insignificantes.
Saldanha Sanches, in Expresso.
Publicado por contra-baixo 18:21:00
13 Comments:
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Dinamitemos esta partidocracia e verá que gente arejada chegar-se-á à frente.
diogenes
Desculpem mudar (um pouco) de assunto, mas estou cheio de curiosidade em vos ouvir sobre esta curiosa (quase) identidade dos títulos de dois dos mais prestigiados sítios noticiosos (a propósito de um acidente aereo ocorrido hoje):
A BBC online (http://news.bbc.co.uk/) diz-nos que: "Many die in jet crash off Sicily"
A CNN (http://edition.cnn.com/) diz essencialmente o mesmo: "'Many saved' from jet in sea"
Não é um comentário à (duvidosa) gramática destes títulos que eu procuro. É só um comentário genérico sobre esta coincidência, sobretudo se algum de vocês for jornalista... (improvável, eu sei, ah! ah!)
Não sei se o saberei ajudar, mas penso que é uma questão de perspectiva. Um pouco como aquela de se saber se o copo está meio cheio ou meio vazio.
Pois... essa tal de perspectiva é uma coisa lixada, não é? Dá cá um 'spin' que um gajo até fica tonto...
O avião era um ATR-42.
Era portanto um avião a hélice.
Quer a CNN quer a BBC disseram que era um jacto. A notícia foi portanto dada com superficialidade e sem preocupação com o rigor.
Afinal, os nossos jornalistas não são assim tão burros. A falta de conhecimento, a pressa, e a necessidade de fazer noticias a todo o custo, não são apenas um problema e uma característica dos orgãos de comunicação social em Portugal.
Penso é que se actual Governo está a tentar imputar responsabilidades aos juízes, pelas decisões que estes tomam (erradas), porque não dar o governo o exemplo? e passar este, ou qualquer digno membro a ser presenteado com uma factura dos custos que provocou ao país, a respectiva decisão que teve, ou que não teve!
Obviamente que esta factura não seria satisfeita pelo erário público!
Talvez fosse uma ideia para travar tanta incompetência, servilismo partidário, ou doença das elites políticas!?
Neste momento, Lisboa é a capital das cascas de banana: não há um sítio onde se assente um chanato que não escorregue logo um pé.
Os brasileiros,
sebastianicamente,
vêm cá,
para tentar enfiar as cascas todas no Cascão.
Todavia, o Planalto,
aqui,
é uma espécie de quintarola setecentista,com um guarda-republicano o dia inteiro de um lado para o outro,
na esplanada,
a coçar os tomates para as meninas de treze anos que passam de mochilinha.
A florzinha,
Socratina em fá sustenido menor,
caça cacete negro, no Quénia;
quando chegar,
até a cadeirinha das flexões já lhe deve ter ardido.
Não era "jet" nenhum...
http://aviation-safety.net/database/record.php?id=20050806-0
"Nesta situação, que Governo poderemos ter?"
Resposta:
Governo de iniciativa presidencial - melhor: governo de iniciativa de Jorge Coelho, viabilizado por Mário Soares!