Soares, ou a arte da guerra

Andam por aí muitas alminhas indignadas com a importância e tempo de antena dadas ao regresso do Dr. Soares à vida política activa, há ainda quem - na sua infinita perspicácia - veja na súbita importância das presidenciais uma elaborada cabala com vista a distrair a plebe da crise e desviar as atenções do Governo, outros há que veêm Soares como o predestinado a impedir o derradeiro assalto do Professor Cavaco, e dos cavaquistas - perigosa espécie de que todos falam mas que ninguém sabe quem são, ao poder.

Como habitualmente é tudo muito mais simples, terrivelmente simples.

O Dr. Soares é candidato presidencial mas, desenganem-se aqueles que pensam que o seu objectivo primário é vencer as presidenciais, porque não é.

A candidatura presidencial é um mero artíficio que Soares encontrou para - agora - colocar as coisas como estas - no seu entender - devem estar. O objectivo primário de Soares é tão somente o de redesenhar o tabuleiro politico-partidário português, nomeadamente à esquerda. O resto é folclore para entreter e inglês ver.

Soares percebeu que a crescente blairização de uma certa esquerda, associado aos assomos de luciez e pragmatismo que de vem em quando a assaltam, eram um perigo, um perigo real, que levaria mais tarde ou mais cedo, a uma excessiva social-democratização do PS, a qual, no limite, poderia levar à sua dissolução, desfeito à esquerda pelo pós Bloco/PC e ào centro por uma diluição com o PSD num grande partido do Bloco Central.

É este - em fim de vida - o grande pesadelo do fundador do PS, que o seu PS, acabe indistiguível do PSD, quando não fundido com este.

Não é por acaso que Soares anda muito atarefado a reunir com Abrantes do PC e com a rapaziada do BE, Soares quer aparecer como o homem da esquerda, e das esquerdas, e sobretudo como o refundador desta.

Dizem por aí que uma candidatura presidencial de Soares é boa para Sócrates porque se Soares perder, é ele - Soares - que perde e não o PS. Puro erro. Em primeiro lugar, Sócrates já perdeu, qualquer que seja o resultado, e perdeu porque o centro que o elegeu não estará maioritariamente com o candidato vencedor, seja ele qual for, e perdeu, em segundo lugar, porque no calor da campanha do Dr. Soares, e na ressaca da mesma, o que vai contar vão ser os valores, as tradições, e a solidariedade/fraternidade, entre as esquerdas. Ainda vamos ver muito soarista de ocasião a exigir a Sócrates, que tem - recorde-se - maioria absoluta, que governe "coligado" com PC e BE.

Soares, modesto como sempre, vê-se a devolver ao PS a sua verdadeira identidade, de esquerda, e secretamente admira a catraiada do Bloco por oposição ao cinzentismo mais ou menos pragmático da geração presentemente à frente do PS. Não é também por acaso que é a ala esquerda do PS a menos receptiva à reemergência de Soares, já perceberam tudo, e não querem repartir o seu espaço com os outros...

À priori, parece que também Soares, ganhando ou perdendo, ganha sempre, aliás para alguns até ganharia mais perdendo, martirizado, pois, com Cavaco em Belém, o fantasma cavaquista seria mais um pretexto para obrigar Sócrates, e o PS, a guinar à esquerda, mas há um pequeníssimo problema.

Soares parte do pressuposto que Cavaco é suficientemente parvo para deixar que as presidenciais sejam apenas e só um, mais outro, embate esquerda/direita. Esqueceu-se que Cavaco ao longo dos anos deixou de ser visto como um património exclusivo da direita, passando a ser respeitado e considerado por todo um país, mesmo por aquele que nunca votaria nele. É ingénuo pensar que Cavaco, que já ninguém confunde com a direita, uma boa parte nunca o engoliu, muito menos com o PSD, pudesse agora voltar a acantonar-se num dos cantos do tabuleiro, como é ingénuo pensar que Cavaco deixará a Soares a definição de toda a agenda do debate político.

As pessoas, e a esquerda inteligente, já não vão na cantiga da memória, da tradição, querem resultados. Querem evolução, que não apenas adaptação às circunstâncias.

Por isso, nas próximas presidenciais, também vai estar muito em jogo a visão que cada um tem para a esquerda moderna - ou que progrida, ou que recue 20 anos. E, se não querem que regrida 20 anos o Dr. Soares deve - tem - sofrer uma derrota histórica.

Quanto à direita, pesem os delírios - à esquerda e à direita - daqueles, mais por razões de agenda própria do que por qualquer lógica racional, que veêm e temem no Prof. Cavaco um perigoso intervencionista, está também ela condenada a reorganizar-se. Cavaco será eleito não com os seus votos, mas apesar dos seus votos.

As coisas, e as regras do jogo, começaram a mudar a 20 de Fevereiro, mudarão ainda mais em Janeiro próximo. Talvez não mudem é no sentido que o Dr. Soares antecipava.

Não é por acaso que Soares é o candidato político, e Cavaco o detestado pelos políticos. Um vive acima do povo, o outro tem tudo para poder ser o digno representante deste, sem intermediários, sem outras agendas, sem limitações.

Publicado por Manuel 16:51:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    Louvável silly season que produz postas de pescada como estas!

    Você consegue escrever isto tudo sozinho ou tem quem o ajude?
    Luís Bonifácio said...
    Se Soares for eleito, dou um ano para João Soares estar a viver em São Bento
    Anónimo said...
    Será desta vez o Chefe da Casa Civil?!?!?
    Anónimo said...
    O anónimo das 5:44 está com dor de "corno"!

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