Nada de novo

Eu acho que Portugal, em matéria de corrupção não pode dar lições a nenhum outro país do mundo.

Freitas do Amaral, DN, 20.7.2005.


O problema do combate à corrupção política em Portugal não é simplesmente legislativo, mas de convicção... e de ética!

Luís Sousa,
investigador do Instituto Universitário Europeu de Florença, in Público, 7.10.2001

A corrupção em Portugal, está sempre na ordem do dia, ao longo dos anos! De tal modo que alguns, nomeadamente Diogo Leite Campos, o inestimável advogado especialista em ficalidades, até chegou a dizer num programa de tv de grande audiência que não conhecia casos de corrupção, deixando no ar a ideia que é fenómeno que não existe, com a extensão repetida pelas Cassandras habituais e com a intensidade de incomodar espíritos.

Os casos Freeport, Portucale, Oeiras, Amadora e os escândalos bancários que não tardarão e que se seguirão, agora em maré de eleições autárquicas, ameaçam tornar vulgar, para o cidadão eleitor, aquilo que nenhuma país decente do Ocidente tolera: a corrupção entranhada e misturada com a mais perfeita legalidade nos negócios que envolvem dinheiros públicos.

Repescando um texto daqui, já datado, mas actualizado entretanto...

Leis para combater a corrupção, não faltam! Desde a Lei 34/87 de 16/7, destinada a enquadrar a responsabilidade dos titulares de cargos políticos, até à legislação de financiamento dos partidos, - Lei 19/2003 de 20 de Junho - passando pelo catálogo do Código Penal, o cardápio é mais do que suficiente para contentar qualquer gosto republicano e laico ou conservador, estendendo-se até às fímbrias passadistas, de leste a oeste.

Até contempla uma legislação específica para prevenir e reprimir otráfico de capitais em regime de branqueamento - pelo Decreto-Lei n.º 313/93 , em que se transpôs a directiva comunitária básica.

Em 1995, legislou-se até no sentido de aplicar pesadas penas de prisão a quem branquear dinheiro proveniente de actividades ilícitas como a corrupção - Decreto-Lei n.º 325/95.

Em 2002, através da Lei n.º 10/2002, e em 2004 - Lei n.º 11/2004, foi aperfeiçoada a legislação por causa das « transacções à distância», com valores superiores a cerca de 15 mil euros.

Apesar disso, os resultados foram sempre... muito pontuais! O exercício venatório particularmente aficionado por antigos directores da PJ, começou na obra faraónica do Centro de Belém, continuou com a desbunda do Fundo Social Europeu, passou pela piolheira da Expo98 e trespassou a rota da JAE. Foi sempre um exercício selectivo, de batida programada e controlada e com o furão amestrado por carta anónima. Como a época era de caça a pato bravo, voador de baixa altitude, o furão ficava a ver navios e os resultados encalhados nas disputas com o chefe da batida. Este, saído da Escola Politécnica, perdido no canavial mas fiado nos binóculos baços e no apito de cana rachada, dava ordens aos caçadores, para escutarem o grasnar e serem lestos no apontar. Porém, fiados na tradição, os perdigueiros seguiam o furão, confundindo apitos com patos e tocas com moitas, apanhando às vezes um marreco sem asa e ficando sempre com as penas na mão.

Nesta actividade venatória tem-se mantido a tradição: o chefe da batida fica em casa, na rua da Escola e à espera da presa; os caçadores batidos, da rua do Freire, vão com o furão. Não fazem equipa, preferindo discussões. Por isso mesmo, apanham pardais e rolas, deixando os faisões.
Esta ave vistosa entoca-se em gabinetes de empresas de obras públicas e às vezes, em sedes partidárias. Apreciam particularmente os edifícios camarários e reproduzem-se aí como cogumelos na humidade. Este fenómeno só é novidade para quem anda a dormir na forma e há casos desses, até nos corredores universitários.

Há uns anos (não muitos…), Macau esteve no epicentro de dois episódios turvos. Os socialistas Rosado Correia e António Vitorino ( sim! esse mesmo) e uma história de mala malpartida e o caso do fax para Melancia que ainda hoje serve de mote para se comentar o sistema de justiça que temos. Foram dois casos conhecidos, e que acabaram no olvido doméstico, como tantos outros acabaram nas prateleiras de arquivo dos tribunais, depois de prescrições e absolvições serôdias.

Essa impunidade de facto e aparentemente de direito, permite as indignações de quem é apanhado, por azelhice, por azar ou pelo despeito de parceiras traídas ou invejas recalcadas de correligionários: Os casos de Belezas; de Curtos; de Judas; de Isaltinos; de Mirandas; de Melancias; de Felgueiras e de outros, escondem a verdade oculta de outros casos com o mesmo contorno e com a mesma base de sustentação em pés de barro: o alegado aproveitamento pessoal de dinheiros que não lhes pertencem! Nessa mistela espúria entre pertenças ilegítimas, aparece a defesa dos visados, sempre de indignação e de protesto de inocência absoluta: acontece no caso de Abílio Curto como no de Fátima Felgueiras e também no de Isaltino e outros Portucale. Nunca, em Portugal, um suspeito de corrupção deixou de clamar a mais completa e rotunda inocência!

Não há um exemplo para a presentar, nem sequer o de Abílio Curto que mesmo após ter sido condenado, já sem apelo possível e ao fim dos anos do costume, antes de entrar na prisão, clamava inocência.
Contudo, não vale a pena malhar no ceguinho que não quer ver a corrupção a irromper por esta via. Já em diversas alturas e circunstâncias, pessoas que conheciam esquemas concretos de corrupção a denunciaram: Garcia dos Santos; Pedro Ferraz da Costa; Saldanha Sanches e a mulher Maria José Morgado; António Borges e agoraFreitas do Amaral!

Não deve existir um único agente da PJ do departamento de fraudes financeiras e fiscais que não saiba realmente o que se passa e muito mais. Não deve haver um único deputado que não saiba determinadas coisas que não pode dizer publicamente. Não deve haver um único responsável por grandes empresas de construção civil e obras públicas que não conheça o esquema e o caminho que conduz à vitória em concursos. Os públicos até são transparentes: os concursantes apresentam as propostas à vista de todos e são abertos os embrulhos perante representantes do Estado. Mesmo sem obras a mais que só vêm depois, é preciso adjudicações para a economia prosseguir! A economia do betão não encontra dissolvente pela frente!

É precisa a circulação de milhões para alimentar a economia destas empresas de construção civil que empregam milhares e recebem milhões.

Há um mundo de arquitectos, engenheiros, técnicos, fiscais, a quem é preciso garantir salários e prebendas em cartões e suplementos, para pagar as casas, nem que sejam nos Algarves e os carros que os alemães nos vendem com ar de perplexidade e atarantados pela nossa evidente prosperidade bacoca.

Pois bem! Neste mundo que todos conhecem, mas fazem de conta que não existe e alguns negam-no como se estivéssemos na Sicília dos anos oitenta, como foi o caso pândego do ilustre causídico especialista em fiscalidade. No pasa nada, dizem!

Toda a gente faz de conta e embarca na grande resposta de Cunha Rodrigues ao General que presidiu à JAE e denunciou esquemas concretos de corrupção e financiamento oculto de partidos através de empresas de construção civil e obras públicas – e até explicou o esquema concreto
O Senhor tem provas?! Se não as tem não vale a pena dizer porque não me interesso por situações em que não haja provas.
Tem sido esta a cultura de anos e anos de inépcia e desleixo. Que vem associada à falta de meios na polícia e no MP (numa determinada altura a investigção da Moderna, sob a batuta de um empertigado Negrão, tinha dois agentes, segundo denunciou o próprio Cunha Rodrigues) e à notória e deficiente organização do MP. Há pelo menos vinte anos que a situação se arrasta e não há melhorias à vista, conforme se pode concluir pelas entrevistas de Cândida de Almeida, responsável pelo DCIAP do Ministério Público que é a estrutura encarregada em Portugal da investigação deste tipo de criminalidade.

Por outro lado, os exemplos de investigação recentes e em casos mediáticos como O Apito Dourado e mesmo no de Felgueiras, dão conta de um preocupante e sistemático método usado pela polícia Judiciária, em quem se delega a investigação por ser dessa polícia a respectiva competência exclusiva, em usar a escuta telefónica como método privilegiado de obtenção de provas. Devido ao rigor ultra legalista que assola alguns intérpretes de tribunal, ajudados pelos lentes de Coimbra que delinearam o Código e que não regateiam pareceres para o interpretar à medida das necessidades, temos perante a opinião pública uma panorama de impunidade assegurada para os poucos, pouquíssimos casos que mesmo assim, logram transpor a teia da sala de audiências para os julgamentos em forma.

Para ter uma ideia aproximada das complexidades interpretativas da lei penal que nos legaram os peritos de Coimbra, já conhecidos mas não suficientemente ouvidos pela opinião pública em audiências de televisão, basta ler os jornais e atentar nas notícias sobre nulidades de prova; nulidades na obtenção da prova e nulidades…nulidades mesmo e deles mesmos!

A perplexidade do público cresce à medida em que o sentimento difuso e geral – agora até partilhado por Freitas do Amaral!- de existência de corrupção nos grandes negócios do Estado, começa a aparecer e … no pasa nada!

Não se passa nada na investigação que não tem meios, costumes, rotinas, vocação até, para não mencionar competência, para organizar um acervo de provas que sirva para demonstrar a culpabilidade de suspeitos e a condenação de arguidos, sem o concerto habitual de condenações abosolvições, condenações e absolvições, algumas por vícios insanáveis de forma que inquinam o fundo.

Os arguidos célebres, aliás, já se habituaram a uma assegurada e garantida impunidade através dos mecanismos legalistas, ultra retorcidos e abrigados num guarda chuva penal, aberto pelos próprios penalistas que os gizaram, sempre, sempre em nome do povo… alemão, italiano e até francês! E assim os portugueses arguidos medram de descontracção, por saberem que no fim dos processos, passados os anos da praxe e que sabem de um saber de experiência feita que nunca ficam abaixo da meia dúzia, ainda podem pedir uma indemnização ao Estado por os terem incomodado na sua actividade filantrópica e inocentemente comprovada.

Estas perplexidades um dia mudarão em indignação, mas até lá …folgam as costas! Que são largas, pois o dinheiro a rodos conserta muitas maleitas.

O segredo das Otas e dos Tgv´s passa por aí: mas no pasa nada!

Clamar, como o faz o Manuel, pela intervenção da PGR é mais do ilustre fidalgo idealista espanhol cujo conto faz agora 400 anos.

A PGR nada adianta. No pasa nada! O DCIAP está atado - não tem meios nem competência comprovada! No pasa nada! O DIAP não conta- é para casos menores e pouco faz! No pasa nada! A PJ faz fogachos e largas foguetes, geralmente com pólvora molhada- as técnicas de investigação, à míngua de meios, deitam tudo a perder. No pasa nada!

A lei penal protege os arguidos excelentíssimos, como não poderia deixar de ser, com os mestres que temos. No pasa nada! Os tribunais atafulhados em serviço, gastam meses e anos a "analisar" provas e documentos gravados e registados e mandam para trás para as outras instâncias que os tornam a devolver para cima e ...no pasa nada!

Até quando?!

Em jeito de adenda...

Lê-se que o novo ministro das Finanças, um lente que Silva Lopes assegurou ser competente...
não entrega desde 2000 a declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional, como está obrigado devido aos cargos executivos que ocupava até assumir a direcção do ministério.

Durante cinco anos
, um lente prestigiado, presidente da CMVM (!!!) não ligou à lei que o abrange. Como dizia o nosso impagável presidente da República, as leis em Portugal, são meras sugestões. É esse um dos nossos problemas, acrescido pelo facto de os lentes que as fazem, não terem bem consciência disso...

Publicado por josé 19:12:00  

9 Comments:

  1. Anónimo said...
    Excelente análise. Está lá quase tudo o que eu gostava de ter escrito mas para o qual me falta o engenho.
    josé said...
    Obrigado, caro anónimo.~
    Faltou-me ainda a arte e engenho para acrescentar que o problema da corrupção se torna virtualmente insolúvel a partir do momento em que a mioria das pessoas que votam, o fazem em pessoas que são suspeitas de serem...corruptas, no sentido indicado e que é o do aproveitamente indevido e ilegítimo das vantagens económicas conferidas pele estatuto de políticos.

    Se se confirmar a vitória eleitoral dos candidatos autárquicos comprometidos em investigações criminais, estamos conversados.
    Vamos mudar de público, em vez de mudar o público.
    A crise de valores ( que sei eu?! Valores é uma expressão que nem diz muito de concreto e já se tornou um chavão, mas á falta de melhor...)ameaça tornar-se endémica se é que já o não é.
    Este fenómeno de um ministro apontado ser um relapso de obrigações essenciais a um político, só por si é revelador do descambo generalizado.
    Além disso, há sempre quem argumente que é uma hipocrisia exigir comportamentos destes a políticos e que tudo se desculpa em nome do partido e da liberdade e da solidariedade e da amizade. Olhe: São esses os valores!
    Os outros- honestidade, seriedade, lealdade e competência- foram trocados por estes!
    Aí está o resultado...
    Anónimo said...
    este senhor - magistrado - sobre uma capa moralista apela à revolta, até da sua classe.

    Deve ter saúdades do Salazar. Devia estar - isso sim - é na cadeia.
    josé said...
    na cadeia, por...delito de opinião?!
    E sou eu que tenho saudades do Salazar?!!

    Outra cousa:
    O facto de ser magistrado ou professor ou operário ou pescador, aqui, no blog, conta ZERO!
    O que conta é o que se escreve e o que se escreve não conta nessa condição- seja ela qual for.
    Qualquer pessoa inteligente percebe isto, mesmo "sobre" qualquer capa...
    Anónimo said...
    Excelente, José, excelente análise... mas muito triste!
    Anónimo said...
    Tanto recalcamento meu caro José, taanto recalcamento...
    J.
    josé said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    josé said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    josé said...
    Talvez tenha razão...amanhã, vou para férias. Dizem que vai chover e por isso vou aproveitar para ler umas coisas atrasadas.

    Recalcamentos, disse?! É capaz. É capaz...

Post a Comment